A transferência terá sido solicitada pelo então ministro das Finanças num email "violento" que levanta suspeitas de o governante estar fazer "uma imposição à gestão da empresa pública, liderada por José Furtado, que foi contra o pagamento desse dividendo porque a AdP teria um plano de investimentos pesado e precisaria desses 100 milhões de euros."
"Na última semana de dezembro, com o país quase a despedir-se de 2023, a atividade no Ministério das Finanças era frenética para fechar as contas e garantir uma dívida pública inferior a 100% do PIB, um ‘brilharete’ para vender nas eleições de 10 de março. Mas havia um gestor público que resistia a aceitar a ordem do ministro, Fernando Medina, para transferir 150 milhões de euros em dividendos extraordinários e propunha modelos alternativos. Algo que suscitou a ira do ministro, num email violento. Só a intervenção diplomática do então primeiro-ministro permitiu desbloquear o confronto" - lê-se.
"Almofada financeira" artificial?
"Os objetivos de garantir um excedente orçamental e, especialmente, de levar a dívida pública abaixo dos 100% do Produto Interno Bruto (PIB) levaram o Governo de António Costa e Fernando Medina realizar um conjunto de operações financeiras que a UTAO (Unidade Técnica de Apoio Orçamental) chegou mesmo a considerar de maquilhagem e “artificial” recorda o texto.
É citado um "relatório recentemente publicado sobre as condições do mercado, a dívida pública e a dívida externa até março, apresentado ao Parlamento, a UTAO" que na altura referia que "redução do valor nominal da dívida em 2023 resultou, em grande medida, pelo 'facto de entidades em todos os subsectores públicos serem investidores em parcelas significativas de dívida pública portuguesa'.
O documento sublinhara que o facto dos subsetores do Estado investirem na dívida ampliou o "efeito que subiu consideravelmente em 2023 (mais 12,1 mil milhões de euros do que no ano anterior)”. A esta posição, Medina terá respondido com críticas severas ao que considerou ser uma intervenção política indevida de um organismo técnico.
A denúncia vem a público no mesmo dia em que a Comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública (COFAP) pedida pelo Chega, no seguimento das declarações do ex-ministro das Finanças, Fernando Medina, sobre este mesmo tema no parlamento, ouviu o coordenador da UTAO.
Em causa esteve precisamente o relatório da UTAO, divulgado em 10 de abril, onde a instituição lançou o alerta de que a redução da dívida realizada pelo Governo socialista em 2023 foi “artificial”.
No relatório, a UTAO considera que o acréscimo substancial dos fatores de consolidação da dívida pública em 2023 resulta dos excedentes orçamentais e da “busca deliberada de aplicações em títulos”, indicando que este acréscimo de aplicações de unidades orgânicas em instrumentos de dívida resultará em alguns casos “de meras opções de gestão”, havendo também casos em que “as opções de gestão financeira foram condicionadas por orientações do Governo”.
Fernando Medina foi chamado ao parlamento em maio para responder às perguntas dos deputados sobre este tema, onde afirmou que não houve nenhuma orientação para os fundos da Segurança Social serem aplicados em dívida pública e reputou de “falsa” a conclusão da UTAO.
Perante as declarações do ex-ministro, o Chega decidiu avançar com um requerimento para ouvir a UTAO e permitir a resposta às acusações.
UTAO mantém que foi "artificial a redução da dívida pública "
O coordenador da UTAO, Rui Baleiras, defendeu hoje manter o que escreveu no relatório onde indica que a redução da dívida pública em 2023 foi "artificial", já que se deveu a um aumento da compra de títulos por entidades públicas.
"Há uma parte importante da descida do stock da dívida pública em 2023 que se deve a um aumento significativo da compra de títulos", disse o coordenador da UTAO na comissão de Orçamento, Finanças e Administração Pública, apontando que "as aquisições líquidas explicam 86% da quebra".
O coordenador explicou a afirmação de existir uma "artificialidade" na redução da dívida, pela qual assumiu a responsabilidade, apontando que uma entidade da Administração Pública pode comprar títulos e depois vendê-los no mercado secundário, mas a responsabilidades dos contribuintes continua a mesma.
"Eu mantenho o que está escrito no relatório, mas face à reação que houve nos últimos dois meses sobre o DLEO, se pudesse voltar atrás teria lá escrito a explicação que dei aqui", indicou Rui Baleiras, apontando que não foi toda a descida artificial, mas a parte que diz respeito à aquisição de títulos.
"Desde que a responsabilidade dos contribuintes perante a dívida emitida pela República se mantém", existe uma artificialidade, apontou.
Rui Baleiras adiantou ainda que o relatório surgiu de uma "curiosidade", depois de no final de 2023 lhe terem chegado "sinais de que poderiam ter ocorrido operações não habituais tendendo a antecipar a descida da dívida pública".
O rácio da dívida pública fixou-se em 99,1% do Produto Interno Bruto (PIB) em 2023 e em termos nominais diminuiu 9,3 mil milhões de euros face ao ano anterior, para 263,1 mil milhões de euros.
*com LUSA
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