Depois de, na noite de terça-feira, o cardeal brasileiro D. Sérgio da Rocha ter defendido que os fiéis "são chamados a caminhar unidos com a Igreja e como Igreja", dando "uma atenção especial a quem não consegue caminhar porque se encontra fragilizado, sofredor", hoje também centrou a sua atenção, na Missa internacional, naqueles que mais sofrem com esta situação pandémica que o mundo vive.

Apesar de ser a a primeira peregrinação sem limitação de peregrinos desde o início da pandemia — e a última grande Peregrinação Aniversária deste ano pastoral —, no recinto do Santuário são registadas muitas clareiras, embora estejam no local milhares de fiéis.

De acordo com o referido no início da celebração, estão a participar no momento 22 grupos organizados de peregrinos portugueses, bem como um da Alemanha, um da Croácia, um de El Salvador, um da Eslováquia, quatro de Espanha, um dos Estados Unidos da América, um das Filipinas, cinco de França, um do Haiti, um da Irlanda, oito de Itália, dois da  Polónia, um do Reino Unido, um da Suíça e ainda dois grupos compostos por peregrinos de diferentes países.

Na sua homilia, o primaz do Brasil referiu estar no Santuário "como peregrino entre os peregrinos de todo o mundo e como peregrino oriundo de um país ligado a Portugal não somente por laços históricos e culturais, mas sobretudo por laços de fé e de devoção a Nossa Senhora de Fátima, muitíssimo venerada pelo povo brasileiro, assim como ocorre em tantos outros países".

"Nós celebramos com irmãos e irmãs unidos a nós em oração no mundo inteiro, através dos meios de comunicação, que estão a formar connosco uma imensa peregrinação espiritual. Trazemos as orações de todos ao altar do Senhor, confiantes na intercessão materna de Nossa Senhora de Fátima", disse.

Passando as atenções para a pandemia, o cardeal afirmou ainda que "rezamos unidos aos enfermos da covid-19, suplicando a graça da recuperação da sua saúde", bem como "às famílias enlutadas que sofrem com a perda dos seus entes queridos".

"Nós rezamos, com especial estima e gratidão, pelos profissionais da saúde, por todos os que cuidam dos doentes nos hospitais e nas casas, com tanta dedicação e generosidade, e pelos que se dedicam à vacinação portadora de esperança", disse, acrescentando que é pedida ainda "a graça de superarmos completamente a pandemia".

"Reconhecemos com louvor a Deus e gratidão os passos que têm sido dados na superação da pandemia, mas precisamos de continuar a cuidar da vida e da saúde com responsabilidade", completou.

Assinalando que se celebra no dia de hoje  o aniversário da dedicação da Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, D. Sérgio da Rocha frisou que "esta amada igreja que tem sido fonte de graças para os peregrinos de todo o mundo".

"Nós damos graças a Deus por esta igreja que ao longo de tantos anos tem sido fonte de graças para as inúmeras pessoas que aqui vêm rezar, agradecer e suplicar, buscar refúgio no coração puríssimo de Maria, Senhora do Rosário de Fátima. Bendito seja Deus por este templo que tem sido fonte de bênçãos e instrumento da graça de Deus para os que aqui vêm rezar e buscar forças para caminhar", apontou.

Contudo, o cardeal observou também, remetendo-se às leituras, que há também um templo "feito de pedras vivas", que é " o povo santo" de Deus, a "Igreja-viva".

Assim, "certamente, olhamos com amor e cuidamos com muito zelo do templo feito de pedras, valorizando-o, respeitando-o profundamente", mas "o profundo respeito, o amor, o zelo pelo templo devem ser acompanhados da mesma atitude de valorização, de respeito, de amor, por cada pessoa e por cada comunidade eclesial, onde Deus faz sua morada".

"A vida e a dignidade de cada pessoa necessitam ser reconhecidas, defendidas e promovidas, pelos que oram no templo e pelos que formam o templo vivo do Senhor, sem jamais excluir ninguém de nosso amor fraterno", lembrou.

Na sua intervenção, o cardeal brasileiro evocou ainda o Sínodo que agora começa. "Realizamos esta peregrinação, sob a proteção de Nossa Senhora de Fátima, muito unidos ao querido Papa Francisco, rezando por ele e acolhendo os seus ensinamentos para permanecermos fiéis à fé em Cristo, proclamada por Pedro. O Papa Francisco tem convidado toda a Igreja para orar e participar do caminho sinodal iniciado no último sábado, rumo ao Sínodo dos Bispos de 2023, que é uma ocasião especial para crescermos na vivência da participação, da comunhão e da missão".

"Vamos participar sempre mais e ajudar os nossos irmãos a participarem da Igreja; procuremos caminhar sempre mais unidos e prontos para assumir a missão evangelizadora da Igreja no mundo de hoje", completou.

Desta forma, segundo o arcebispo de São Salvador da Bahia, "a participação nesta Peregrinação é uma oportunidade especial para o crescimento e o fortalecimento da nossa fé em Jesus Cristo, assim como para participar ainda mais da vida e da missão da Igreja, para caminharmos juntos".

Por fim, o D. Sérgio da Rocha disse aos peregrinos que Maria, "esta querida Mãe", quer que se olhe "com mais amor e atenção para os seus filhos e filhas mais sofredores", recordando que "amar e servir aos que sofrem é louvor agradável a Deus e a Nossa Senhora".

"Nós, que a ela recorremos, não podemos ficar indiferentes aos sofrimentos do próximo, especialmente do próximo mais necessitado e fragilizado, que está à espera de nossa oração, de nossa presença amiga e de nossa solidariedade. Por isso, reze pelos que mais sofrem. Procure amar e servir os que sofrem, como fez Nossa Senhora, contando com a sua proteção. Expressemos o nosso louvor a Deus e a nossa sincera gratidão aos que se dedicam ao cuidado dos enfermos, dos pobres e sofredores. Sejamos todos, 'com Maria, portadores da alegria e do amor', nos diversos ambientes e situações, especialmente junto dos que mais sofrem", rematou.

Peregrinos no Santuário durante a pandemia foram "um exemplo para todo o país"

Antes do encerramento da celebração, D. António Marto, bispo de Leiria-Fátima, fez a sua habitual intervenção, começando por lembrar a primeira peregrinação que aconteceu em tempo de pandemia.

"No dia 13 de maio do ano passado, quando este recinto se encontrava vazio de peregrinos, em virtude das restrições da pandemia que então alastrara, no final da homilia da vigília, com emoção, disse estas palavras que vos recordo: 'Voltaremos todos aqui juntos, em ação de graças, para te cantar: aqui vimos, Mãe querida, consagrar-te o nosso amor!'", começou por dizer, dirigindo-se posteriormente aos presentes no recinto.

"Vós, queridos peregrinos, respondestes à chamada de modo admirável", disse, ouvindo-se palmas de seguidas. "Por isso, dou-vos os parabéns e agradeço-vos, sobretudo, o vosso testemunho de fé. Viestes em multidão, como filhos e filhas que querem sentir de novo a ternura e a consolação junto do colo da mãe e no seu coração terno e materno".

Para o cardeal, "esta peregrinação reveste o colorido das grandes peregrinações" do pós-pandemia, "um colorido que contemplamos naquele mar imenso da vigília da noite e que se reflete nos vossos rostos, nos vossos olhos porventura banhados por lágrimas e na ternura com que olhais a imagem de Nossa Senhora", afirmou, lembrando ainda o comportamento "verdadeiramente admirável" dos peregrinos "que leva sempre a interrogar como é que é possível que dezenas de milhares de peregrinos aqui presentes são capazes de guardar um silêncio tão grande".

"Agradecemos a Nossa Senhora o desaparecer da epidemia, que esperamos que não volte atrás. Queremos também dar os parabéns a todos os peregrinos que aqui vieram durante este ano e meio ao Santuário e foram exemplares no cumprimento das regras sanitárias. Foi um exemplo para todo o país", garantiu D. António Marto.

O bispo de Leiria-Fátima deixou ainda uma palavra de agradecimento ao presidente da celebração, D. Sérgio da Rocha, "um nosso irmão do Brasil" e "muito devoto de Nossa Senhora de Fátima e muito amigo de Portugal".

"Com ele trouxe também todas as preocupações, ânsias e anseios do povo brasileiro, nosso povo irmão, ligado a nós, como disse na homilia, não só por laços históricos e culturais, mas pelos laços da fé e da devoção a Nossa Senhora de Fátima, tão venerada pelos nossos irmãos do Brasil", recordou, realçando o convite do arcebispo brasileiro a "estender as mãos aos irmãos sofredores".

Por fim, como já é sua tradição, o cardeal dirigiu-se aos "amiguitos e amiguitas" que hoje não puderam estar no Santuário "porque estão nas escolas e nas creches".

"Peço a todos os presentes, sobretudo aos pais e avós, que levem esta saudação carinhosa do bispo de Fátima lhes quer muito bem e é muito amigo de todas as crianças de Portugal. Para elas invoco também uma benção especial de Nossa Senhora", disse, sendo o recado recebido com mais uma salva de palmas.

Em jeito de surpresa, D. António Marto anunciou que o Papa Francisco falou esta manhã sobre Fátima. "Não se esqueceu de nós neste dia, na audiência geral de quarta-feira referiu-se à nossa peregrinação", começou por dizer, citando de seguida as palavras do Pontífice.

"Que a Bem-aventurada Virgem Maria, de que hoje recordamos as aparições em Fátima, nos guie pelo caminho da contínua conversão e penitência para ir ao encontro de Cristo, sol de justiça. Que a sua luz nos liberte de todo o mal e disperse as trevas deste mundo. Confio à celeste Mãe de Deus todos vós, para que vos acompanhe com ternura materna no vosso caminho e seja conforto nas provações da vida", leu o cardeal, tendo os peregrinos recebido a mensagem também com palmas.

Ditas as últimas palavras, restaram os cânticos no recinto e os acenos com lenços brancos à passagem da imagem de Nossa Senhora, na sua Procissão do Adeus até à Capelinha das Aparições, onde é venerada. Com ela, a partir dos seus lugares, milhares de peregrinos completavam um quadro que não se via tão completo desde outubro de 2019, antes de o mundo ser virado do avesso com uma pandemia que ninguém esperava.

O "Milagre do Sol"

A peregrinação que hoje terminou em Fátima celebrou a sexta Aparição de Nossa Senhora aos Pastorinhos, dando também particular destaque ao chamado "Milagre do Sol".

Nas suas Memórias, a Irmã Lúcia relatou o que aconteceu no dia 13 de outubro de 1917:

Saímos de casa bastante cedo, contando com as demoras do caminho. O povo era em massa. A chuva, torrencial. Minha Mãe, temendo que fosse aquele o último dia da minha vida, com o coração retalhado pela incerteza do que iria acontecer, quis acompanhar-me. Pelo caminho, as cenas do mês passado, mais numerosas e comovedoras. Nem a lamaceira dos caminhos impedia essa gente de se ajoelhar na atitude mais humilde e suplicante. Chegados à Cova de Iria, junto da carrasqueira, levada por um movimento interior, pedi ao povo que fechasse os guarda-chuvas para rezarmos o terço. Pouco depois, vimos o reflexo da luz e, em seguida, Nossa Senhora sobre a carrasqueira.

- Que é que Vossemecê me quer?

- Quero dizer-te que façam aqui uma capela em Minha honra, que sou a Senhora do Rosário, que continuem sempre a rezar o terço todos os dias. A guerra vai acabar e os militares voltarão em breve para suas casas.

Eu tinha muitas coisas para Lhe pedir: se curava uns doentes e se convertia uns pecadores, etc.

- Uns, sim; outros, não. É preciso que se emendem, que peçam perdão dos seus pecados.

E tomando um aspecto mais triste continuou:

- Não ofendam mais a Deus Nosso Senhor que já está muito ofendido.

E abrindo as mãos, fê-las reflectir no sol. E enquanto que se elevava, continuava o reflexo da Sua própria luz a projectar (-se) no sol.

Desaparecida Nossa Senhora, na imensa distância do firmamento, vimos, ao lado do sol, S. José com o Menino e Nossa Senhora vestida de branco, com um manto azul. S. José com o Menino pareciam abençoar o Mundo com uns gestos que faziam com a mão em forma de cruz. Pouco depois, desvanecida esta aparição, vi Nosso Senhor e Nossa Senhora que me dava a ideia de ser Nossa Senhora das Dores. Nosso Senhor parecia abençoar o Mundo da mesma forma que S. José. Desvaneceu-se esta aparição e pareceu-me ver ainda Nossa Senhora em forma semelhante a Nossa Senhora do Carmo.