Em conversa com a Lusa, o professor jubilado do ISCTE e especialista em Desenvolvimento Comunitário e Economia Social e Solidária, que tem acompanhado de perto o trabalho dos grupos comunitários, diz que a atual vereadora da Habitação, Filipa Roseta (PSD), tem sido “simpática”, mas “muito rígida nas posições” que adota.
“Não tem a mesma perceção dos grupos comunitários, nem da participação da comunidade nestes processos. Tem reunido, vai auscultando, mas não atribui (...) a mesma importância política a este papel dos grupos comunitários”, avalia, a dois dias de a Plataforma Intercomunitária de Lisboa ser recebida por Filipa Roseta.
Roque Amaro recorda que o anterior executivo camarário “levou o assunto bastante a sério”, abrindo caminho a um modelo de gestão da cidade baseado no princípio de Governança Local Partilhada e Participativa (GLPP), que “acolheu os grupos comunitários e ouviu as suas ideias”.
Quando o atual executivo tomou posse, os grupos comunitários transmitiram a vontade de continuar essa colaboração e pediram para participar na discussão. “Acreditámos que íamos ser ouvidos, mas ela [a vereadora Filipa Roseta] só nos convidou para uma reunião e depois nunca mais nos convidou”, aponta.
Como tinham “coisas a dizer”, debruçaram-se sobre a Carta e, sob o nome de Plataforma Intercomunitária de Lisboa, enviaram a Filipa Roseta o documento “Pelo direito à habitação com dignidade”.
Não voltaram a ser ouvidos, situação que foi levada à reunião de apresentação da versão final da Carta Municipal de Habitação, em 29 de maio, num clima de crispação entre Roseta e a deputada municipal Daniela Serralha (Cidadãos Por Lisboa).
Na sequência desse episódio, os grupos comunitários foram convocados para uma nova reunião com a vereadora, marcada para a próxima segunda-feira, às 17:00, ou seja, “depois da apresentação” da Carta na Câmara de Lisboa, que aconteceu em 28 de junho, quando a proposta do executivo, sem maioria absoluta, de submeter o projeto a consulta pública foi rejeitada por toda a oposição.
“Se não tem sido chumbada a Carta, a reunião teria sido só para inglês ver. Pelo menos assim, vamos poder dar os nossos contributos ainda sem a Carta aprovada”, congratula-se Roque Amaro.
Os grupos comunitários gostariam de ser ouvidos “em contexto coletivo”, no Conselho Municipal de Habitação, e “não numa reunião privada” com a vereadora, mas não obtiveram resposta positiva.
O documento da Plataforma assinala que a Carta Municipal de Habitação deve incluir “o direito à habitação, o direito ao bairro, a gestão do bairro e a resolução dos problemas complicados”, resume o professor.
“Gostaríamos que esta vereadora olhasse para este documento, o que não fez até agora”, apelou.
Roque Amaro destaca o aumento da habitação pública (8% em Lisboa) como fundamental. “Há situações em que, se não for habitação pública, é impossível as pessoas arranjarem habitação digna”, sublinha.
O investigador relata casos frequentes "com as desculpas mais esfarrapadas de casas que estavam livres e que deixam de estar" devido à raça ou etnia.
Os grupos comunitários defendem também “novos moldes” de apoio para as cooperativas de habitação, a regulação do arrendamento privado e a colocação no mercado das casas desocupadas.
Por outro lado, destacam que “o direito à habitação sem habitat não serve de nada”, recordando que os processos de realojamento não têm tido em conta as relações de vizinhança, nem os espaços de socialização.
“Continua-se a pensar nos bairros sociais como bairros para as pessoas dormirem”, lamenta o investigador.
A gestão dos bairros é outro assunto de preocupação. “A Gebalis precisa de levar uma volta muito grande, devia ser mais eficaz, mais rápida, menos burocrática”, defende, propondo um conselho consultivo junto da administração da empresa municipal onde tenham assento os grupos comunitários e as associações de moradores.
“Em todas as reuniões, as pessoas queixam-se de elevadores parados. Há pessoas com mobilidade reduzida a morarem em quintos, sextos, sétimos e oitavos andares e que não saem de casa… é absolutamente incrível. Arranja-se sempre a desculpa de que não há peças. Não percebo por que é que não há peças nos bairros sociais e há peças nos outros bairros”, denuncia.
Sobre as ocupações ilegais de casas, fizeram um levantamento e identificaram sete tipologias, para as quais propõem soluções diferenciadas, desde o despejo à legalização, com pagamento negociado das rendas.
“A pior coisa que se pode fazer é generalizar e considerar que é tudo igual”, constata.
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