Há três hipóteses que se colocam “simultânea ou alternadamente” quanto ao destino de “Che” Guevara, escrevia o embaixador de Portugal em Cuba, no final do mês de janeiro de 1967:
“São elas: 1) – Foi assassinado e enterrado em Cuba; 2) – Foi à União Soviética ou a um país satélite seguro, como a Checoslováquia; 3) Encontra-se em algumas zonas de agitação revolucionária no Terceiro Mundo”, refere o telegrama de Havana, disponível no arquivo do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
A ditadura salazarista portuguesa, assim como o regímen franquista, em Espanha, apesar das diferenças políticas e ideológicas com a revolução cubana, mantiveram sempre a embaixada e as relações diplomáticas com Havana, depois do triunfo dos guerrilheiros liderados por Fidel Castro, em 1959.
Em abril de 1965, após ter desempenhado os cargos de ministro da Indústria e presidente do Banco Central em Havana, Ernesto “Che” Guevara (1928-1967), apesar de atento em relação à guerra colonial portuguesa, experimenta no Congo exportar a guerrilha revolucionária para o continente africano.
A operação acaba por falhar e regressa a Cuba, “oficialmente” pela última vez em março do mesmo ano.
Em outubro de 1965, Fidel Castro publica uma carta de Ernesto “Che” Guevara em que o “comandante” nascido na Argentina indica que renuncia a todos os cargos que detinha “na revolução cubana” para se dedicar “a outros campos de batalha” que não são especificados.
“Outras terras do mundo reclamam os meus modestos esforços. Eu posso fazer aquilo que te é negado por causa das tuas responsabilidades em Cuba. Chegou a hora de nos separarmos”, escreve Guevara na carta lida por Fidel Castro.
Na realidade, no início de 1967, o médico argentino, “comandante” da revolução cubana já se encontrava, em segredo, a comandar um grupo de 47 guerrilheiros no sudoeste da Bolívia numa tentativa de replicar a revolução cubana na América do Sul.
Guevara tinha entrado na Bolívia sob a falsa identidade de Adolfo Mena González, no dia 03 de novembro de 1966, e com o nome de guerra “Ramón”.
Longe de conhecer a operação clandestina na Bolívia, a embaixada de Portugal em Cuba refere-se à possibilidade de Guevara se encontrar numa região do “Terceiro Mundo” e no início do ano de 1967, indica que o “comandante” guerrilheiro teria sido visto no Peru ou no Brasil “e também” junto do líder do PAIGC (Partido Africano para a Independência e Cabo Verde), Amílcar Cabral (1924-1973).
“Há dois dias, chegou-me a informação de que (“Che” Guevara) estaria localizado presentemente na Guiné portuguesa”, informa o embaixador indicando igualmente alguns dados sobre a fonte da informação, em Havana.
“O informador (amigo nosso) é irmão de um comandante do Exército que, além do mais, goza do privilégio de pertencer ao grupo estrito que rodeia o ‘mestiço’ vice-ministro das Forças Armadas, Juan Almeida, quarta personagem do regime”, explica.
O embaixador indica que poucos dias antes de expedir o telegrama manteve um encontro com um oficial cubano - que não identifica no telegrama - apesar de referir que sabe como se chama e que terá afirmado que assistiu a conversas entre ‘comandantes’ cubanos em Havana sobre a presença de Guevara junto de Amílcar Cabral.
“O informador acrescenta que o grupo de comandantes está convencido de que Guevara saíra primeiramente com um reduzido número de adeptos e que só bastante mais tarde os ‘restantes fiéis’ se juntariam a ele na Guiné portuguesa”, acrescenta o telegrama.
O embaixador Goulart de Ávila coloca, como possibilidade, que Guevara e “adeptos totalizam cerca de 50 peritos de guerrilha” que estariam a assessorar o líder do PAIGC, como já tinha anteriormente referido, recorda, em informação expedida no dia 11 de fevereiro de 1965.
O diplomata explica que Guevara sempre demonstrou especial predileção pela “Guiné portuguesa”, frisando que, deste modo, as últimas informações podem ter “validade”.
No entanto, afirma, que pode ser tudo “conversa” dos comandantes para montarem “uma manobra de intoxicação interna” porque Fidel Castro “sente-se, de vez em quando, obrigado” a invocar a figura do argentino para satisfazer as opiniões de fações trotskistas e chinesas.
“Pode bem acontecer que internamente, Castro e os seus mais próximos cabecilhas se sintam na necessidade de pôr a correr estas notícias para conseguir benefícios do magnifico símbolo criado do revolucionário que abdicou de mulher e filhos para se dedicar completamente e unicamente à luta”, conclui o telegrama difundido para Lisboa na tarde de 20 de janeiro de 1967.
O telegrama refere que o “comandante” pode estar morto, mas não especifica nem detalha essa “hipótese”.
A correspondência de 1967 e 1968 da embaixada de Portugal em Cuba para o Palácio das Necessidades com referências diretas a “Che” Guevara e que constam do arquivo do MNE é escassa.
No dia, 17 de maio de 1967, sem fazer referência a qualquer figura no poder em Havana, o embaixador informa Lisboa que oficiais cubanos que chefiam um comando de guerrilha desembarcaram na Venezuela, para combaterem o “governo gorila lacaio” dos Estados Unidos.
O texto recorda que no ano anterior (1966) uma informação semelhante foi disseminada para “criar um estado de alarme” e provocar “uma verdadeira crise nas Caraíbas”.
No dia 29 de setembro de 1967, a agência de notícias norte-americana Associated Press noticia, pela primeira vez, que o Exército boliviano iniciou uma operação com 1.500 homens para localizar “Che” Guevara no sudoeste do país.
“Ramón”, aliás “Che” Guevara é capturado pelo Exército da Bolívia, apoiado por conselheiros militares das forças especiais dos Estados Unidos e agentes da CIA no dia 08 de outubro do mesmo ano.
Um dia depois, “Che” Guevara é fuzilado às 13:10 pelo oficial subalterno Mario Terán, 27 anos, sob as ordens diretas do presidente boliviano René Barrientos.
O general Barrientos, no poder desde o golpe de Estado de 1964, é apontado como um militar com fortes ligações a empresas norte-americanas e à CIA, que se envolve no combate à guerrilha marxista.
Após o fuzilamento, as mãos de “Che” Guevara são amputadas para confirmação das impressões digitais na Argentina e mais tarde enviadas para Havana.
A localização dos restos mortais do “comandante” revolucionário é mantida em segredo até 1995 quando uma equipa de especialistas forenses descobre um morto sem mãos numa vala comum junto à pista do aeroporto de Villagrande.
Em 1997 o cadáver de "Che" Guevara é finalmente trasladado para Cuba.
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