No relatório a que a Lusa teve acesso, de 366 páginas, da autoria do deputado do CDS-PP João Almeida, é considerado que ficou evidente, pelos trabalhos da comissão, “que a CGD não foi gerida de forma sã e prudente, na concessão de vários dos créditos analisados”.
Sobre a atuação do Banco de Portugal (BdP), é dito que a supervisão do sistema financeiro foi feita “de forma burocrática, não procurando olhar para além dos rácios de solvabilidade e níveis adequados de liquidez, de cada banco, e não percebendo o risco sistémico de algumas operações”.
“A supervisão seguiu acriticamente as notas técnicas dos serviços do BdP, não exigindo mais informação do que aquela fornecida, demonstrando mais receio no confronto jurídico com os supervisionados do que com a possibilidade de erros ou fraudes”, lê-se no Projeto de Relatório à II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização e Gestão do banco, que ainda pode sofrer alterações.
Segundo o deputado relator, o Banco de Portugal “não seguia os problemas detetados, assumindo que as suas orientações eram executadas, o que muitas vezes não acontecia”, e teve “uma confiança extrema nas linhas internas de defesa das instituições”, caso de direção de risco, auditoria, administração, assim como nas “externas”, os revisores e auditores, pelo que mesmo “nem perante reparos, ênfases ou denúncias públicas, atuou com celeridade, colocando assim em causa a utilidade da sua supervisão”.
Segundo a sua análise, apesar de o banco central se ter preocupado com o modelo de governação dos bancos, não se preocupava com a sua operacionalidade.
Criticou também a forma como fazia o registo dos administradores, em que se avalia nomeadamente a sua idoneidade, considerando que era feito em modo “pró-forma”, sem avaliar “o comportamento dos administradores, a concretização da segregação de poderes, nem a falta de discussão dentro dos conselhos”.
Ainda sobre o BdP, notou o deputado-relator “dualidade de critérios”, referindo que, enquanto no caso do financiamento a Vale do Lobo o BdP exigiu em cartas detalhes da operação, já no caso BCP “não exerceu o mesmo zelo”. Exemplifica ainda com a persuasão moral usada para afastar Filipe Pinhal de administrador do BCP, mas não nos casos de Francisco Bandeira ou Armando Vara da CGD.
“Ou seja, o mesmo BdP que invocava a inexistência de atribuição legal para atuar em certos casos, não deixava de o fazer noutros idênticos”, refere.
Ainda sobre diferenças de tratamento, João Almeida conclui ainda que houve diferenças de tratamento da CGD face a clientes, nomeadamente na “diferença de tratamento entre o Grupo Fino e o Grupo Berardo”.
Sobre o crédito de 350 milhões de euros à Fundação José Berardo, defende que o banco central “deveria ter realizado uma análise real da instituição em vez de aceitar informação de fraca qualidade dos seus serviços”.
Nesse caso, defende, uma análise mais exaustiva poderia ter “inibido os direitos de voto e exigido contrapartidas adicionais” no financiamento.
Conclui ainda que foi Berardo a procurar a CGD para obter crédito e não o contrário.
Quanto ao crédito para fábrica da La Seda Barcelona (LSB), considera que se revelou “desastroso”, além de que “não era necessário para o desenvolvimento da fábrica em Sines”.
“Já eram conhecidas irregularidades praticadas pelo CEO [presidente executivo] da LSB quando o investimento foi feito. Não se percebe esta necessidade nem porque foi suportada pelo Governo de então”, refere.
Neste projeto é concluída pela “vontade política” para a aprovação do financiamento.
Sobre a constituição pela CGD da sociedade Wolfpart, para investir em Vale do Lobo, considera o relatório preliminar que “configura uma situação paradigmática de contorno das recomendações da CGD para realização do investimento”, em que o banco público apesar de ter entrado com 97% dos fundos ficou apenas com 25% do capital.
As conclusões referem ainda que a operação em Espanha (com perdas de 500 milhões de euros) centrou-se na banca de investimento e no imobiliário, apesar de inicialmente o objetivo serem os pequenos e médios empresários portugueses com operações ibéricas e que na operação ‘Boats Caravela’ (com perdas de 340 milhões de euros) um instrumento financeiro investido pela Caixa que implicava troca de ativos) era “evidente a falta de conhecimento e preparação para lidar com este produto [financeiro] estruturado”.
Fica ainda concluído, neste relatório preliminar, que “a maioria das perdas teve origem nos anos do mandato da administração liderada por Santos Ferreira” e que o vice-presidente da CGD Maldonado Gonelha, os administradores Armando Vara e Francisco Bandeira (todos do tempo de liderança de Santos Ferreira) tiveram “intervenção direta nos créditos mais problemáticos”.
Ainda nas conclusões, o deputado-relator considera que a comissão de inquérito foi facilitada pelo novo Regime Jurídico dos Inquéritos Parlamentares, que permitiu acesso a mais informação, nomeadamente a alguma que antes estava vedada, e ainda que durante os trabalhos “verificaram-se importantes desenvolvimentos e ações do setor financeiro no sentido de recuperar os montantes em dívida”.
Esta comissão de inquérito arrancou em março, tendo o empresário Joe Berardo, grande devedor da CGD, e o ex-governador do Banco de Portugal Vítor Constâncio sido os protagonistas.
Depois de o relatório preliminar ter sido divulgado hoje, os grupos parlamentares têm até esta terça-feira às 17:00 (hora de Lisboa) para fazerem propostas de alteração. As alterações e o relatório final serão debatidos e votados na quarta-feira, em reunião da comissão, a partir das 14:00.
O Relatório Final da II Comissão Parlamentar de Inquérito à Recapitalização da CGD e Gestão do Banco será discutido na sexta-feira em plenário (o último do ano parlamentar).
(Artigo atualizado às 14:01)
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