Licenciado em economia, Diogo deixou o seu trabalho para se dedicar exclusivamente ao ativismo ambiental. Diz que este é o maior contributo que pode dar: juntar a sua voz a outras para que a mudança não se esgote na ação individual. Desafiámo-lo a pensar os próximos dez anos de emergência climática e ele não fugiu às perguntas difíceis.

Os jovens que hoje tomam as ruas e exigem ação por parte dos governantes vão abdicar de voar em low cost? Se todos deixarmos de comer carne, o que acontece aos empregos que esta indústria gera? Somos alarmistas a falar sobre o clima? E quando o fenómeno Greta Thunberg esmorecer?

Os estudos dizem-nos que sem uma redução urgente das emissões de gases com efeito de estufa, os gelos permanentes (permafrost) vão derreter a um ritmo sem precedentes, elevando o nível dos oceanos com consequências para mais de mil milhões de pessoas. Em consequência, a subida do nível das águas do mar pode provocar 280 milhões de deslocados. No mar e em terra, as alterações climáticas estão a pôr em risco várias geografias e a biodiversidade, estão a aniquilar espécies e a provocar um forte declínio noutras, estão a mudar a energia da atmosfera, estão a aquecer os dias como nunca (os últimos cinco anos foram os mais quentes de sempre), e ainda aumentam desigualdades e representam riscos financeiros de quase 900 mil milhões de euros.

Não faltam avisos, mas o consenso tarda. 2019 ficou marcado negativamente pela saída formal dos Estados Unidos do Acordo de Paris sobre o clima, cujo compromisso é de conter o aquecimento global abaixo de 2ºC, preferencialmente em 1,5ºC, em relação aos valores médios da era anterior à revolução industrial.

Em contraste, o Parlamento Europeu declarou “emergência climática e ambiental” e traçou como objetivo reduzir as emissões de gases com efeito de estufa em 55% até 2030, com objetivo de atingir a neutralidade carbónica (ponto de equilíbrio em que as emissões de gases com efeito de estufa não ultrapassam a capacidade de as remover através de sumidouros naturais como os oceanos, florestas e solos) até 2050.

Por cá, declarou-se guerra aos plásticos descartáveis e foi anunciado o fim antecipado das duas termoelétricas, primeiro a do Pego, em 2021, e depois a de Sines, em 2023. Pelo contrário, a exploração de lítio e o novo aeroporto do Montijo prometem continuar a agitar o debate durante este ano.

Já imaginou sair de um prédio em chamas a marcar passo? Foi esse o sentimento no final da última Conferência do Clima (COP25), em Madrid, que findou sem compromissos palpáveis, empurrando para 2020 as grandes decisões. “Existe esta ideia de que podemos travar as alterações climáticas com o mesmo tipo de pensamento que nos trouxe à crise climática” e não é bem assim, diz Diogo, salientando que a inércia deixou de ser uma opção há muito.


Oiça esta entrevista na íntegra


Conseguimos concordar que a emergência climática é efetivamente uma emergência, mas não conseguimos concordar na maneira de agir sobre essa emergência — e isto depois de um ano com imensa mobilização em torno do tema das alterações climáticas. O que é que nos está a travar?

Infelizmente há muitos fatores que nos estão a travar. Para o movimento climático em Portugal já era claro que na COP25, apesar das mobilizações que tivemos este ano [em torno da questão do clima], os resultados não seriam assim tão fantásticos. O que nos está a travar em grande medida são os governos que tomam parte nestas negociações e também, sem dúvida, a força que as empresas têm. Apesar de serem observadores, conduzem conferências paralelas e influenciam as negociações. Por outro lado, ao mesmo tempo existe esta ideia de que podemos travar as alterações climáticas com o mesmo tipo de pensamento que nos trouxe à crise climática, eu acho que o grande travão neste momento é ideológico, é pensar que podemos sair da mesma forma que entrámos.

Diogo Silva
Especial 2020 - SAPO24 créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

O ano de 2019 foi marcado por esta movimentação em torno da Greta Thunberg [ativista sueca que iniciou o movimento da greve às aulas todas as sextas-feiras pelo clima, cujo exemplo foi seguido por milhões de jovem como forma de protesto]. E depois do fenómeno? O que é que acontece?

Do ponto de vista científico continuamos a ter as mesmas contas: temos 10 anos para reduzir em 50% das emissões globais [de gases com efeito de estufa]. Portanto, temos de cortar a metade as emissões de todo o mundo, e neste momento tudo indica que isso é praticamente impossível. Não tivemos um ano nos últimos 20 em que as emissões tivessem sido reduzidas de forma global de forma significativa, e simplesmente não estamos nesse caminho. Portanto, vejo no fundo duas grandes opções: uma é que de este movimento esmoreça, passe de moda, e sigamos ainda mais rápido para os diferentes colapsos que estão hoje em dia estudados que podem acontecer, até do ponto de vista da sociedade humana; ou então o movimento fortalece-se, continua a crescer, ganha uma dimensão maior, ganha mais força, e nós conseguimos fazer a transição necessária no tempo que temos.

"Vejo no fundo duas grandes opções: uma é que de este movimento esmoreça, passe de moda, e sigamos ainda mais rápido para os diferentes colapsos (...); ou então o movimento fortalece-se, continua a crescer, ganha uma dimensão maior"

O movimento passou em grande medida por reivindicar àqueles que ocupam lugares de decisão para que ajam no sentido de produzir mudança — se não até 2030, pelo menos até 2050, data em que deveríamos atingir a neutralidade carbónica. Mas o que é que é preciso fazer efetivamente para alterar o rumo?

Precisamos, em primeiro lugar, de uma grande mudança ideológica. A maior parte das vezes, quando pensamos no desafio do clima, debruçamo-nos sobre soluções individuais – “eu vou passar a andar de transportes públicos”, “eu vou passar a ter energia renovável em minha casa”. Isto tem dois ou três grandes problemas. O primeiro é que nem toda a gente pode fazer essas mudanças, portanto, é uma questão de privilégio; por outro lado, atribui culpa igualmente a todos os seres humanos, quando sem dúvida a responsabilidade não é a mesma. Por fim, também há um certo grau de alívio quando eu faço a minha mudança individual — “eu já sou vegetariano, eu já ando de transportes públicos, o problema está certo”. Só que não, isto é um problema sistémico, portanto, é profundamente ineficaz abordar um problema sistémico com soluções individuais. Assim, a maior mudança tem a ver com esta ideia de que conseguimos com uma ação que é individual passar para uma ação coletiva. Eu gosto de dar um exemplo simples: se num condomínio tivermos vinte apartamentos e houver cinco pessoas que mudam para energias renováveis continuamos a ter só 25% [das casas a usar energias limpas]. No entanto, existem reuniões de condomínio: se essas cinco pessoas se juntarem e convencerem as restantes para que o prédio possa ter energia renovável como um todo, provavelmente têm força suficiente para que isso aconteça e é precisamente este tipo de mudanças que temos de fazer.

Indo ao concreto, do ponto de vista sistémico, temos de largar completamente os combustíveis fósseis e passar para energias renováveis — que devo dizer não são totalmente limpas, mas é sem dúvida uma solução muito menos poluente do que a atual dos combustíveis fósseis. Para além dessa transformação, é preciso garantirmos que existe uma gestão sustentável das florestas que permita biodiversidade e que a floresta seja forte o suficiente para absorver carbono em vez de libertar. E depois temos de sem dúvida alterar os nossos hábitos alimentares, que por sua vez tem impacto na agricultura, que é um dos fatores de insustentabilidade maior do sistema que temos.

20/30. 20 perguntas daqui até 2030

O que estamos dispostos a fazer por um futuro sustentável? Vamos ter serviço nacional de saúde daqui a dez anos? A tecnologia faz mal à nossa cabeça? Quando o tema é imigração, quem dita as regras? Vai Portugal perder o barco no 5G?

Este e só o início de uma série de perguntas que o SAPO24 decidiu colocar em cima da mesa para os próximos dez anos. 2020 convida-nos a pensar a década — como é que o mundo vai mudar e como é que nós mudamos com ele — e foi esse o desafio que colocámos a vários convidados nas conversas que serão publicadas em 24.sapo.pt

20/30. 20 perguntas daqui até 2030 é o nome da série em vídeo, texto e fotografia que vai abordar temas como o ambiente, as migrações, a inteligência artificial, o futuro da ciência, relacionamentos e violência, o mar, o 5G, o humor, o futebol, a televisão, o consumo, o Interior, a saúde mental, o Espaço, o Brexit, a educação (para a inovação), as startups o envelhecimento, as redes sociais ou as cidades de amanhã.

Veja aqui todas as entrevistas.

E você, se tivesse de lançar um tema para o debate, qual seria? Envie a pergunta para a década para 24@sapo.pt.

20/30 é um projeto com assinatura MadreMedia no SAPO24, que poderá também acompanhar em 24.sapo.pt, no portal SAPO (sapo.pt) e respectivas redes sociais. Siga-nos no FacebookTwitter e Instagram.

Mas isto tem um custo. Imaginemos que toda a gente deixa de comer carne, há uma série de empregos associados a esta indústria, por exemplo.

Há um custo e para o bem e para o mal, e é um custo que nós já trancámos no tempo. Quando tivemos os incêndios em Pedrógão nós vimos esse custo de forma muito real, primeiro em vidas humanas, e eu acho que esse é um fator fundamental do qual muitas vezes não se fala. Tanto um incêndio como o outro ocorrem fora da época de incêndios, portanto, nós não estamos preparados para a crise climática da forma como ela existe. E esse custo existe não só nas vidas, como depois na reconstrução das casas, na replantação da floresta, tudo isto são custos que nós temos associados seja a um incêndio, seja a um furacão, seja a subida do nível do mar, seja situações de seca extrema — e tudo isto é totalmente previsível que vá acontecer do ponto de vista científico se continuarmos no caminho atual.

Aliás, mesmo que travássemos agora as emissões [de gases com efeito de estufa] íamos continuar, por um grau de inércia, a ter estes efeitos durante a próxima geração ou duas. Portanto, na prática esses custos existem, a questão é que ou estamos a pensar em ciclos de quatro anos, ou estamos a pensar em ciclos que realmente interessam à vida das pessoas. Está totalmente estudado que, se olharmos para daqui a 30 ou 40 anos, é muito menor o custo de investir hoje para fazer essa transição [energética] do que o custo de a adiar, que é um custo no remédio e não na prevenção. E quando nos dizem “então, mas isso nunca aconteceu, o Estado agora mobilizar-se para investir de forma tão grande em garantir os empregos que saem das indústrias poluentes e fazer essas mudanças, como é que isso é possível?” Na Segunda Guerra Mundial, há muito pouco tempo do ponto de vista histórico, tudo mudou para todos os países que estavam em guerra e onde os grandes níveis investimento público transformaram a indústria, as empresas e a sociedade em muito pouco tempo. A grande diferença é que nessa altura estávamos contra um inimigo que identificávamos como o outro e neste momento estamos contra um inimigo que identificamos como nós próprios.

"Na Segunda Guerra Mundial, há muito pouco tempo do ponto de vista histórico, tudo mudou para todos os países que estavam em guerra e onde os grandes níveis investimento público transformaram a indústria, as empresas e a sociedade em muito pouco tempo"

Muitos dos jovens que foram para as ruas e se manifestaram ao longo do último ano serão adultos daqui a 10 ou 20 anos, podendo estar em lugares de decisão. Acha que eles estão prontos para estas mudanças? Para dizer “não vamos expandir a aviação”? Terão também outra idade e outras preocupações, poderão querer garantir um determinado nível de conforto na sua vida, terão preocupações que hoje não têm. Irão fazer cumprir o que hoje reclamam?

Diria que se forem estas pessoas a estarem em cargos de poder, eu tenho total confiança de que podemos mudar as coisas, agora não nos podemos focar só na geração seguinte: muitas das pessoas que entraram na greve climática estudantil, que têm 16/17/18 anos, daqui a 10 anos têm 27/28/29/30, não vão ser pessoas em posição para ocupar cargos como o de primeiro-ministro, com capacidade para compor um governo. Temos de fazer esta mudança já, temos de exigir isso a nossa classe política atual, com esperança que a próxima classe política seja muito melhor neste e nos outros sistemas que existem e capaz de garantir que a transição é justa. As transições que estamos a propor não são para um mundo minimalista em que ninguém tem acesso a nada, são para um mundo em que não é possível haver tão poucos a viver à custa de tantos de forma tão impregnada, isto é, uma injustiça estruturada que discrimina com base no meu rendimento, na cor da minha pele, no meu sexo, na minha origem até geográfica, o país onde eu possa nascer.

créditos: Rodrigo Mendes | MadreMedia

Curioso salientar que não se está a evocar uma vida simplista, em que não se tem conforto, o que me leva à seguinte questão: é preciso mudar a forma como falamos sobre o clima? Porque há sempre uma ideia de que se é urgente causa alarme, se causa alarme acaba por, talvez, afastar aqueles que acham que esta transição tem de ser feita com a moderação necessária para que todos sejam incluídos. Precisamos de alterar o discurso ou estamos a fazê-lo como deve ser feito e é assim que vai continuar?

É algo em que temos sempre de refletir muito: pensar se podemos ser mais eficazes na forma como comunicamos e como chegamos às pessoas. A ciência que existe para explicar o problema é alarmante, portanto é muito difícil ter um discurso otimista em que se diga “está tudo bem, as coisas vão melhorar” quando temos milhares de pessoas a morrer, quando já existem crises de refugiados por causa do clima. Eu diria que as grandes mudanças que temos de fazer na comunicação é, em primeiro lugar, deixar de relatar isto como um problema só das outras espécies — que o é também, quando falamos de ursos polares sem dúvida que estão a entrar em extinção por causa deste desafio —, mas mesmo dentro da nossa espécie, se considerarmos só os humanos, é algo que afeta de forma profundamente desigual as pessoas com base naqueles fatores que falava há pouco [rendimento, origem geográfica], e que são, curiosamente, as pessoas menos responsáveis pelo estado atual das coisas. Temos de mudar a tónica e salientar o lado social e não apenas o lado ambiental [da questão]. E também [precisamos de conseguir] dizer que é possível mudar. Quando dizemos de que a mobilização não vai trazer nada… O facto é que num ano, em Portugal, o governo começou por dizer que as centrais de Sines e do Pego, que são as duas centrais em Portugal de produção de eletricidade que têm mais emissões, não podiam fechar em menos de 10 anos e agora dizem que vão fechá-las nesta legislatura. Há um ano era praticamente indiscutível que íamos ter exploração de gás em Portugal, neste momento o próprio ministro do Ambiente, na Cimeira do Clima [em Madrid], disse que isso não estava nos planos do governo. Estamos a falar de menos de 12 meses de ação que produziam mudanças que são estruturais do ponto de vista da política climática em Portugal. Imaginem se conseguirmos continuar com a mesma força e se crescermos, é possível um mundo completamente diferente e é precisamente por isso que trabalhamos todos os dias.

O facto é que num ano, em Portugal, o governo começou por dizer que as centrais de Sines e do Pego, que são as duas centrais em Portugal de produção de eletricidade que têm mais emissões, não podiam fechar em menos de 10 anos e agora dizem que vão fechá-las nesta legislatura

Às vezes há uma ideia de que “ah, se sou só eu para que é que eu vou mudar, se eu não vou fazer uma diferença assim tão grande”, é verdade?

Eu gosto de frisar que a maior mudança individual que podemos fazer é passar para uma ação coletiva e largarmos a ação individual. Se estamos numa posição de ter o privilégio de fazer isso, eu acho que é um dever moral. Não devemos pensar só no ponto de vista do resultado, do ponto de vista utilitarista de “sou mais um ou sou menos um”, a questão é que é um dever moral fazermos essa diferença.

O que é que o Diogo vai investir do ponto de vista pessoal? Se olharmos para os próximos 10 anos o que é para si esse investimento?

Acho que uma boa parte do meu investimento já foi feito, foi tornar-me ativista a 100% — e já tinha feito outras mudanças individuais que também acho que são um dever moral fazermos. Agora tenho de arranjar uma maneira de ser financeiramente sustentável, mas estou no caminho de o conseguir e eu diria que este é o maior contributo pessoal que posso dar: continuar a trabalhar a full-time nisto, poder continuar a dedicar-me a comunicar o problema para outras pessoas, organizar os movimentos de base que existem e ser mais uma peça nesse puzzle.