No documento de recurso enviado ao tribunal, a que a agência Lusa teve acesso, a Associação Coleção Berardo (ACB) e José Berardo, “não se conformando” com a perda da primeira ação contra o fim do protocolo", pedem recurso, apresentando vários argumentos.
Em junho, o colecionador e empresário madeirense tinha perdido uma providência cautelar para impedir a denúncia do acordo, anunciada a 26 de maio pelo ministro da Cultura, Pedro Adão e Silva, meio ano antes do fim do prazo, em dezembro deste ano.
Uma sentença do Tribunal Administrativo do Círculo de Lisboa decidiu, na altura, “rejeitar liminarmente o requerimento cautelar” que a associação e o empresário tinham interposto contra o Ministério da Cultura (MC), como noticiou na altura o jornal Público.
Para esta decisão, o Tribunal de Lisboa baseou-se na “manifesta falta de fundamento da pretensão formulada pelos requerentes”, ao pedirem para o MC e o Centro Cultural de Belém, que acolhe o museu e é fiel depositário daquela coleção de arte de Berardo, fossem intimados a abster-se de “qualquer ato de oposição à renovação do protocolo”.
O Tribunal dava legitimidade ao ministro Pedro Adão e Silva para denunciar o protocolo que seria renovado automaticamente se não houvesse denúncia das partes.
A intenção do ministro da Cultura, anunciada na altura, é criar no CCB um novo museu de arte contemporânea que reúna várias coleções - além da Coleção Berardo, também, a Coleção Ellipse, que foi recentemente alvo de uma avaliação atualizada.
As alegações do recurso, agora apresentado pela ACB e por José Berardo, consideram que a sentença foi “proferida com enorme ligeireza e enferma de grosseiros erros de seleção e de apreciação de factos e de direito, que a tornam inteiramente ilegal”.
Alega ainda o recurso que a denúncia do Estado “não produziu qualquer efeito” por várias razões, nomeadamente porque apenas foi enviada ao presidente da Associação, o próprio José Berardo, e não à Fundação de Arte Moderna e Contemporânea – Coleção Berardo, e porque a juíza considerou o protocolo “um contrato de direito privado”, quando deveria ser visto – consideram - como “um contrato público”, regido pelo Código de Contratos Públicos.
No entender da associação e de José Berardo, a denúncia do protocolo “inviabiliza a realização das suas finalidades sociais e culturais [da Coleção Berardo], designadamente por usufruição pública”.
No recurso, a defesa de Berardo fala em “cinismo” do ministro Pedro Adão e Silva, em querer negociar o protocolo com os futuros proprietários, que deverão ser determinados pelo tribunal, quando for finalizada a ação principal de três bancos contra o empresário, por uma dívida que atinge cerca de 900 milhões de euros.
A Lusa contactou o Ministério da Cultura sobre este recurso do colecionador José Berardo, e aguarda resposta.
José Berardo, que preside também a uma fundação em seu nome, a título vitalício, foi detido a 29 de junho de 2021, tendo ficado indiciado de oito crimes de burla qualificada, branqueamento de capitais, fraude fiscal qualificada, dois crimes de abuso de confiança qualificada e um crime de descaminho.
Acabou por ser sujeito a uma caução de cinco milhões de euros e a proibição de sair do país sem autorização do tribunal.
No final de maio, o Governo anunciou que iria denunciar o protocolo assinado entre o Estado e o colecionador, com efeitos a 01 de janeiro de 2023.
Foi com este protocolo, assinado em 2006, que viria a ser criada a Fundação de Arte Moderna e Contemporânea — Coleção Berardo, com a participação do colecionador José Berardo, do Estado, através do Ministério da Cultura, e da Fundação Centro Cultural de Belém, com a missão de criar o Museu Berardo para exibir um acervo inicial de 862 obras da coleção de arte moderna e contemporânea do empresário.
As obras estão arrestadas desde julho de 2019, na sequência de um processo interposto em tribunal pelo Novo Banco, a Caixa Geral de Depósitos e o BCP, para recuperarem a dívida.
Inaugurado em 25 de junho de 2007, o Museu Coleção Berardo foi criado na sequência de um acordo assinado em 2006 para cedência gratuita, ao Estado, por dez anos, daquela coleção, avaliada, na altura, em 316 milhões de euros pela leiloeira internacional Christie's.
Em 2016, concluídos os 10 anos do acordo com o Estado para criar o Museu Coleção Berardo, foi assinada uma adenda entre as partes para prolongamento por mais seis anos, com a possibilidade de ser renovada automaticamente a partir de 2022, se não fosse denunciado por qualquer das partes, nos seis meses antes do fim do protocolo.
Globalmente, na sequência do processo contencioso movido pelos bancos, foram arrestadas cerca de 2.200 obras de arte de José Berardo.
A coleção - que continua patente no museu, no CCB - reúne os desenvolvimentos artísticos no mundo ocidental, no decurso do século XX, e inclui, entre outras, obras de artistas conceituados como Jean Dubuffet, Joan Miró, Yves Klein, Piet Mondrian, Duchamp, Picasso, Chagall e Andy Warhol, além de artistas portugueses como Rui Chafes, José Pedro Croft, Jorge Molder e Fernanda Fragateiro.
Quando, em 2016, se deu a renegociação do acordo entre o Estado e o colecionador José Berardo, que prolongou a instalação do museu por mais seis anos, renováveis, as entradas, gratuitas desde a inauguração, em 2007, passaram a ser pagas, a partir de 01 de maio de 2017, no contexto dos novos termos, mantendo o sábado como dia de entrada livre.
Desde 2009, e durante oito anos, o Museu Coleção Berardo figurou na lista dos 100 museus mais visitados do mundo, segundo as estatísticas do The Art Newspaper, publicação internacional especializada em arte contemporânea.
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