José Ribeiro e Castro, ex-líder do CDS, chegou ao Congresso em Aveiro perto das 20 horas, pouco depois da vaia a António Pires de Lima e ainda a tempo de ouvir o discurso de Adolfo Mesquita Nunes. Diz que as vaias, como as palmas, são normais no congresso e recorda algumas do passado.
Apoiante de Francisco Rodrigues dos Santos, tem sido crítico do processo de refiliação de Manuel Monteiro, aprovada por unanimidade pela concelhia centrista da Póvoa do Varzim, mas que a direção do CDS entendeu adiar até à escolha do novo líder.
Ouviu o discurso de Pires de Lima e assistiu à reação dos congressistas e convidados?
Nos congressos existem normalmente aplausos vibrantes, aplausos discretos e apupos ou vaias quando o povo, a assistência, sente que é necessário. E eu já fui vaiado num congresso do CDS em Aveiro, em 1985, não neste sítio, mas no teatro, justamente a propósito desta questão dos democratas-cristãos conservadores e liberais. No meu primeiro discursos disse: "Já percebi, agora somos conservadores às segundas, quartas e sextas, liberais às terças, quintas e sábados e democratas-cristãos ao domingo, que é dia de ir à missa". Vaia monumental, Lucas Pires presidente - e reeleito nesse congresso - e já não pude dizer mais nada. Mas isso acontece. Lembro-me de um congresso no Rivoli, em que foi eleito o professor Adriano Moreira, foi um congresso muito feio, muito azedo, com muito apupos e vaias. Todos nos lembramos desse memorável congresso no Coliseu, em 1995, da sucessão de Cavaco Silva no PSD, com Fernando Nogueira, Durão Barroso e Santana Lopes, em que às tantas Luís Filipe Menezes sai em lágrimas, depois da afirmação de que Durão Barroso seria o triunfo "sulista, elitista e liberal". O episódio desta noite é desse calibre. O Dr. António Pires de Lima foi buscar um trecho que retirou de uma moção, aliás, sobre uma tese com a qual não concordo, e depois fez um efeito acintoso quanto ao Francisco Rodrigues dos Santos, até com alguma arrogância, alguma soberba paternalista. E o congresso não reagiu bem a isso, desde logo os apoiantes do Rodrigues dos Santos, que viram ali o seu candidato e o seu líder ser tratado daquela maneira.
O que divide, exatamente, o CDS?
Esse é um problema criado no partido nos anos 1980, porque não íamos além dos 16%. O partido tinha conservadores e liberais, que estavam perfeitamente acomodados - posso dizer que o Sá Machado era um liberal, que o Narana Coissoró dizia, com graça, "sou um democrata hindu". Mas estavam perfeitamente enquadrados na definição democrata-cristã, que compreende todas essas sensibilidades, fosse em Portugal fosse noutro país europeu - basta olhar para a Alemanha. O problema criou-se porque as pessoas começaram a distinguir-se, ou querer-se distinguir, e em vez de somar, que era a lógica de Lucas Pires, começou a subtrair. Depois, nesta segunda geração, a questão foi aberta pelas direções do Dr. Paulo Portas, sobretudo na segunda presidência - foi eleito com uma moção democrata-cristã, do Luís Nobre Guedes, em 1998. E começou com esta questão, não tanto à Lucas Pires, do vamos somar, mas de que é preciso abrir o partido. E as pessoas começaram a desconfiar; vou buscar dois, mas posso perder cinco. As questões de identidade são muito importantes, as pessoas têm o seu referencial, que são códigos de relação. Já fez molho béchamel? A pessoa vai juntando a farinha à margarina e depois, com o leite, tem de estar sempre a mexer, senão fica tudo estraçalhado e cheio de grumos. Estas questões de construção ideológica são sensíveis. Ainda por cima, como vimos um afloramento neste discurso contra o Francisco Rodrigues dos Santos, importamos para dentro do partido a linguagem da esquerda: um democrata-cristão é direita confessional, um conservador é um ultraconservador, um liberal é um ultraliberal... Andamos aí com uma lupa e lanterna à procura de um Bolsonaro em cada esquina, e assim não vamos longe.
Alguém me dizia um destes dias: como posso escrever sobre o CDS se democratas já quase não há e cristãos nem vê-los...
Mas isso tem de ser explicado, porque há, e a democracia-cristã é uma grande família política europeia, com uma enorme tradição, são os grandes construtores do projeto europeu. É curioso que boa parte dos que a distrataram são do CDS, isso é muito negativo. E esta discussão ideológica é um dos fatores que explica a deterioração, a decadência, do CDS. Porque um partido é uma ideia em movimento. Dizem: não temos ideologia, temos é resposta para os problemas concretos das pessoas. Ora isso é a loja do chinês: tem pinças, tem carrinhos de linhas, tem sapatos, tem papel de seda. Um partido tem de ter uma matriz ideológica que é fonte dos valores, dos princípios, que iluminam as tentativas de resposta que dá aos problemas da sociedade portuguesa. As pessoas não andam de quatro em quatro anos a ver o menu, alinham por famílias políticas, por partidos, porque se sentem identificadas.
João Gonçalves Pereira mencionou hoje a proposta que encabeçou de um novo sistema eleitoral, já entregue na Assembleia da República. Em que fase está?
Acabou o processo na Assembleia e estamos a fazer reuniões. Terei de refazer o projeto em função de algumas lições do debate e depois ver que metodologia é que vamos seguir para a apresentar outra vez à sociedade e à Assembleia da República.
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