Além das questões relacionadas com Bolsonaro, o juiz do STF Celso de Mello indicou que, após assistir ao vídeo, descobriu "prova da aparente prática, pelo ministro da Educação, Abraham Weintraub, de possível crime contra a honra dos juízes do Supremo Tribunal Federal".
"O povo está gritando por liberdade, ponto. Eu acho que é isso que a gente está perdendo, está perdendo mesmo. O povo está querendo ver o que me trouxe até aqui. Eu, por mim, colocava esses vagabundos todos na cadeia. Começando no STF", disse Abraham Weintraub, citado na decisão assinada pelo juiz Celso de Mello.
Em causa está a conversa gravada numa reunião de ministros, ocorrida na sede da Presidência, em Brasília, e que foi citada no depoimento do ex-ministro da Justiça e Segurança Pública do Brasil, Sergio Moro, que acusa Bolsonaro de alegada interferência na Polícia Federal.
Na reunião, e de acordo com Moro, Bolsonaro teria exigido a troca do superintendente da Polícia Federal no Rio de Janeiro, a fim de evitar uma investigação a familiares e aliados.
A Advocacia-Geral da União (AGU) brasileira, órgão que defende o Executivo em processos judiciais, defendia que apenas fossem divulgadas as falas de Bolsonaro, e não as dos restantes participantes da reunião, tendo entregado um documento com as declarações do chefe de Estado isoladas. Já a defesa de Sergio Moro pede a divulgação total do conteúdo do vídeo.
No entanto, citado pelo jornal Folha de São Paulo, Celso de Mello justificou a divulgação do vídeo, alegando que não era possível manter sigilo por questões de transparência, sendo que esta “traduz consequência natural do dogma constitucional da publicidade, que confere, em regra, a qualquer pessoa a prerrogativa de conhecimento e de acesso às informações, aos atos e aos procedimentos que envolvam matéria de interesse público”.
Por outras palavras, o juiz disse não haver “espaço possível reservado ao mistério na vigência da Constituição”, adiantando ainda que o executivo de Bolsonaro não sinalizou os conteúdos da conversa como secretos e que a reunião “não tratou de temas sensíveis nem de assuntos de segurança nacional” que impedissem a sua divulgação.
O vídeo da polémica reunião estava sob sigilo no STF, tendo sido divulgado na tarde de hoje.
"Vai trocar. Se não puder trocar, troca o chefe dele. Não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira"
A reunião ministerial em causa ocorreu em 22 de abril, dois dias antes da renúncia de Moro, quando denunciou "pressões inaceitáveis" por Bolsonaro em relação à Polícia Federal, um órgão autónomo subordinado ao Judiciário, embora o seu diretor seja nomeado pelo Presidente da República.
"O Presidente disse-me, mais de uma vez, expressamente, que ele queria ter uma pessoa do contacto pessoal dele [para quem] ele pudesse ligar, [de quem] ele pudesse colher informações, [com quem] ele pudesse colher relatórios de inteligência. Seja o diretor [da Polícia Federal], seja um superintendente", declarou Moro, ao anunciar a sua demissão.
“Moro você tem 27 superintendências, eu quero apenas uma, a do Rio de Janeiro”, terá dito Bolsonaro ao ex-ministro da Justiça, segundo o depoimento prestado por Moro a 2 de maio, numa investigação que tenta esclarecer uma suposta interferência ilegal do chefe de Estado na Polícia Federal, um órgão autónomo.
Num dos trechos divulgados da reunião de 22 de abril, Bolsonaro lamenta o facto de não receber informações que deseja por parte dos vários serviços de inteligência e segurança do Brasil, admitindo mesmo interferir para alterar esse estado de coisas e impedir a sua família de ser escrutinada.
"E eu tenho o poder e vou interferir em todos os ministérios, sem exceção. Nos bancos eu falo com o Paulo Guedes, se tiver de interferir. Nunca tive problema com ele, zero problema com Paulo Guedes. Agora os demais, vou! Eu não posso ser surpreendido com notícias. Pô, eu tenho a PF [Polícia Federal] que não me dá informações. Eu tenho as inteligências das Forças Armadas que não tenho informações. ABIN [Agência Brasileira de Inteligência] tem os seus problemas, tenho algumas informações. Só não tenho mais porque tá faltando, realmente, temos problemas, pô! Aparelhamento etc. Mas a gente não pode viver sem informação", começou por dizer o Presidente brasileiro.
Por dizer sentir-se “surpreendido com notícias”, Bolsonaro acusa os serviços de informação brasileiros de ser "uma vergonha", não sendo possível "trabalhar assim, fica difícil" Como tal, o presidente deixou um nota de intenção: "Por isso, vou interferir. Ponto final".
No vídeo, Bolsonaro sugere ainda ter tentado proceder à troca do comando da superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro, admitindo que, se tal não fosse possível, trocaria de ministro da Justiça.
"Já tentei trocar gente da segurança nossa no Rio de Janeiro oficialmente e não consegui. Isso acabou. Eu não vou esperar f**** minha família toda de sacanagem, ou amigo meu, porque eu não posso trocar alguém da segurança da ponta de linha que pertence à estrutura. Vai trocar; se não puder trocar, troca o chefe dele; não pode trocar o chefe, troca o ministro. E ponto final. Não estamos aqui para brincadeira", avisou.
As alegadas “pressões” e “interferências” de Bolsonaro na Polícia Federal são investigadas pela Procuradoria Geral da República do Brasil, sob a supervisão do STF e, se comprovadas, podem levar o Presidente a ser submetido a um julgamento, ou até mesmo à sua destituição do cargo presidencial.
Como substituto, Bolsonaro disse que indicaria o comissário Alexandre Ramagem, conhecido publicamente como amigo da família Bolsonaro, ao qual Moro se opôs categoricamente e optou por renunciar ao cargo de ministro, em 24 de abril.
Dias depois, Bolsonaro efetivamente nomeou Ramagem como diretor da Polícia Federal, mas a indicação foi anulada após um juiz do STF ter decretado a sua suspensão, devido, justamente, à proximidade do agente à família do governante, principalmente a dois dos seus filhos, investigado por essa instituição.
Bolsonaro nomeou então Rolando De Souza, considerado “braço direito” de Ramagem, que assumiu o cargo apenas uma hora depois de ser nomeado, a 4 de maio. Logo após ter tomado posse, Rolando De Souza atendeu ao desejo de Bolsonaro, e retirou Carlos Henrique Oliveira do comando da superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro.
A 6 de maio, Bolsonaro confirmou que Carlos Henrique Oliveira deixaria a superintendência da Polícia Federal do Rio de Janeiro e passaria para a subdireção nacional do órgão.
Bolsonaro sustentou que se tratou de uma decisão interna da instituição, na qual não “interferiu”, embora tenha-se recusado a responder a perguntas sobre o assunto e mandado “calar a boca” de jornalistas que tentaram esclarecer o tema.
Quando anunciou a saída de Mauricio Valeixo da direção da Polícia Federal, Bolsonaro declarou que se tratou de um pedido do próprio, justificado por “cansaço”. Contudo, segundo Moro, a exaustão devia-se às “próprias pressões do Presidente”, e que Bolsonaro comunicou a Valeixo que colocaria, em Diário Oficial da União”, que a exoneração seria “a pedido” do então diretor.
“Porque é que eu estou a armar o povo? Porque eu não quero uma ditadura"
Noutro dos vídeos divulgados, Bolsonaro admite armar a população para evitar a instauração de uma ditadura no Brasil.
“Como é fácil impor uma ditadura no Brasil, como é fácil. O povo está dentro de casa. Por isso eu quero, ministro da Justiça e ministro da Defesa, que o povo se arme”, afirmou Bolsonaro, dirigindo-se a dois dos seus ministros.
Na mesma gravação o chefe de Estado brasileiro quer a garantia de que não vai aparecer alguém no país “para impor uma ditadura”, considerando ser fácil a imposição desse regime, bastando um prefeito fazer um decreto que deixe todas as pessoas “dentro de casa".
"Se tivesse armado, ia para a rua. Se eu fosse ditador, eu desarmava, como fizeram todos no passado, antes de impor a sua respetiva ditadura. (...) Eu peço ao Fernando [Azevedo e Silva, ministro da Defesa] e ao Moro [Sergio Moro, ex-ministro da Justiça] que, por favor, assine essa portaria hoje [22 de abril]”, acrescentou.
Segundo a transcrição do vídeo divulgada pelo STF, Jair Bolsonaro pergunta: “Porque é que eu estou a armar o povo? Porque eu não quero uma ditadura. Não dá para segurar mais".
[Notícia atualizada às 00:03 de 23 de maio]
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