O relatório "A Liberdade Religiosa no Mundo", publicado pela primeira vez em 1999, é lançado a cada dois anos pela Fundação Pontifícia Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), organização do Vaticano, e analisa até que ponto o direito humano fundamental da liberdade religiosa, protegido pelo Artigo 18º da Declaração Universal dos Direitos Humanos, é respeitado para todas as religiões nos 196 países do mundo.
Segundo o documento, hoje apresentado oficialmente em Lisboa em simultâneo com outras capitais onde existem secretariados da Fundação AIS, este direito fundamental não foi respeitado em 62 (31,6%) dos 196 países do mundo entre 2018 e 2020.
Em 26 destes países as pessoas sofrem perseguição e em 95% deles a situação tornou-se ainda pior durante o período em análise. Nove países aparecem nesta categoria pela primeira vez: sete em África (Burquina Faso, Camarões, Chade, Comores, República Democrática do Congo, Mali e Moçambique) e dois na Ásia (Malásia e Sri Lanka).
Nestes 26 países vivem perto de quatro mil milhões de pessoas, constituindo pouco mais de metade (51%) da população mundial e quase metade destes países encontra-se em África.
Atualmente cerca de 67% da população mundial, cerca de 5,2 mil milhões de pessoas, vivem em países onde existem graves violações à liberdade religiosa, incluindo as nações mais povoadas, China, Índia e Paquistão.
O relatório também aborda o impacto da pandemia de covid-19 no direito à liberdade religiosa revelando que perante a magnitude da emergência, os governos consideraram necessário impor medidas extraordinárias, em alguns casos aplicando limitações desproporcionadas ao culto religioso, em comparação com outras atividades laicas.
Os preconceitos sociais pré-existentes contra as minorias religiosas em países como a China, o Níger, a Turquia, o Egito e o Paquistão levaram a um aumento da discriminação durante a pandemia através, por exemplo, da recusa do acesso a ajuda alimentar e médica.
De acordo com o relatório, a perseguição religiosa por parte de governos autoritários também se intensificou e num crescente número de países foram registados crimes contra raparigas e mulheres que foram raptadas, violadas e obrigadas a mudar a sua fé através de conversões forçadas.
A promoção da supremacia étnica e religiosa em alguns países de maioria hindu e budista na Ásia levou a uma maior opressão das minorias, reduzindo frequentemente os seus membros a cidadãos de segunda classe, sendo a Índia o exemplo mais extremo, mas políticas semelhantes são aplicadas no Paquistão, Nepal, Sri Lanka e Myanmar, entre outros.
As estatísticas refletem ainda a radicalização no continente africano, especialmente na África subsariana e oriental, onde tem havido um aumento dramático da presença de grupos jihadistas assim como um aumento do uso de tecnologias de vigilância repressiva contra os grupos religiosos.
Segundo o documento, as violações à liberdade religiosa, incluindo perseguições graves, tais como assassínios em massa, ocorrem atualmente em 42% de todos os países africanos: Burquina Faso e Moçambique são apenas dois exemplos.
O relatório revela ainda um aumento das redes islamitas transnacionais que se estendem do Mali a Moçambique na África subsariana, às Comores no Oceano Índico, e às Filipinas no Mar do Sul da China, com o objetivo de criar um "califado transcontinental".
De acordo com o presidente executivo da AIS/ACN International, Thomas Heine-Geldern, os números não são uma surpresa tendo o fenómeno crescido ao longo dos séculos, desde as raízes da intolerância, à discriminação, até à perseguição.
O Relatório da Liberdade Religiosa no Mundo da Ajuda à Igreja que Sofre (AIS), refere Thomas Heine-Geldern no texto introdutório, é o principal projeto de investigação da AIS e tem evoluído consideravelmente ao longo dos anos, passando de um pequeno folheto para uma publicação de aproximadamente 800 páginas, produzida por uma equipa mundial.
“Esta evolução deve-se ao facto de hoje em dia a discriminação e a perseguição com base em crenças religiosas ser um fenómeno global crescente. Entre os conflitos violentos, na Síria, Iémen, Nigéria, República Centro-Africana, Moçambique, para mencionar apenas alguns, estão aqueles que, manipulando as mais profundas convicções da humanidade, instrumentalizaram a religião na busca do poder”, reflete Thomas Heine-Geldern.
A análise da AIS revelou também que em 42 países renunciar ou mudar de religião pode levar a graves consequências legais e/ou sociais, desde o ostracismo dentro da família até mesmo à pena de morte.
O relatório, apresentado em Lisboa por Guilherme d'Oliveira Martins, Administrador Executivo da Fundação Calouste Gulbenkian, inclui um mapa mundial em que os países são classificados de acordo com o nível de discriminação religiosa e de perseguição e contêm, pela primeira vez, seis análises regionais, nas quais os 196 países foram subdivididos e que permitem tirar conclusões sobre a violação deste direito fundamental.
Outra novidade é a classificação dos países numa nova categoria, “sob observação”, que inclui os Estados onde a prática da liberdade religiosa começa a revelar-se ameaçadora.
As provas para esta categoria são demonstradas através de um aumento dos crimes de ódio por preconceito religioso contra pessoas e bens que vão desde o vandalismo contra locais de culto e símbolos religiosos, incluindo mesquitas, sinagogas, estátuas e cemitérios, até crimes violentos contra líderes religiosos e fiéis.
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