"Temos 40 mil habitantes no nosso bairro e eles têm medo. Nunca imaginaram que algo assim pudesse acontecer. Sempre acharam, tal como eu, que num país como o nosso, com polícia e estabilidade, nunca veriam esta violência", disse Jeanne d'Hauteserre, presidente do 8.º bairro de Paris à Agência Lusa.

Jeanne d'Hauteserre recebeu a Lusa no seu gabinete antes de participar na cerimónia simbólica no Arco do Triunfo para reacender a chama do Soldado Desconhecido, apagada pelos manifestantes no último sábado.

O 8.º bairro ou 'arrondissement', equivalente a uma junta de freguesia, é um dos mais exclusivos da capital, abrangendo os Campos Elísios, o Arco do Triunfo e o Palácio do Eliseu. É também o mais fustigado pelas manifestações dos "coletes amarelos".

"As reivindicações de base sobre a perda do poder de compra, a precariedade do trabalho e os impostos, todos compreendemos. Mas eu dissocio os 'coletes amarelos' que se manifestam dos que se infiltram para desestabilizar a sociedade. Vêm, de propósito, para um bairro que é o símbolo do luxo para dar cabo de tudo e até matar", afirmou a eleita local.

Foi esta violência que mais chocou Alain Bauer, professor de criminologia no Conservatoire National des Arts et Métiers e antigo conselheiro do Presidente Nicolas Sarkozy para a segurança. "O que achei mais perigoso foi esta vontade verdadeiramente homicida de certos manifestantes que tentavam ferir ou até matar a qualquer custo. Estavam completamente cegos de raiva", afirmou Bauer em declarações à Lusa.

O ministro do Interior francês, Cristophe Castaner, já anunciou o reforço de segurança para o próximo sábado, com mais 65.000 polícias na rua, desencorajando os manifestantes a juntarem-se aos protestos na capital. Mas o reforço pode não ser suficiente.

"É impossível fechar uma cidade. É fácil manter a ordem num espaço limitado, mas nas ruas há as pedras do pavimento, pregos e cocktails molotov à disposição de uma raiva crescente. É preciso repensar a gestão destes espaços que se tornaram indefensáveis", defendeu Alain Bauer, relembrando que em França, depois da morte de um estudante numa manifestação em 1986, as forças de segurança esforçam-se para manter o respeito pela vida, "preferindo um vidro partido, a uma vida perdida".

A vida e a saúde à frente dos danos materiais é o que vai animando Laurent, dono de uma ótica na rua de la Boétie, que foi completamente pilhada e parcialmente destruída no último sábado. "Eu não sou fatalista e até tento ser otimista em relação a tudo que estamos a passar. Tenho pensado se vale a pena continuar com a loja aberta e, olhe, pelo menos temos saúde", afirmou o lojista enquanto mostrava à Lusa os danos no seu estabelecimento.

Instalada nesta rua desde 2006, foi a primeira vez que a loja de Laurent foi vítima deste tipo de violência. Cerca de 20 manifestantes entraram na loja, já depois do cair da noite no sábado, e roubaram principalmente óculos de sol, partindo a porta de entrada e todas as montras no interior.

"É algo fácil de roubar, mas também há um lado de luxo nos nossos produtos. Parece que agora virou moda vir a Paris partir tudo e não vai acabar por aqui", ironizou o lojista, que vai tentar instalar uma grade em metal até ao fim da semana, preparando-se para o que pode acontecer no próximo sábado.

Quanto aos danos materiais, Laurent ainda não fez contas. Já Jeanne d'Hauteserre estima que há duas semanas, quando a violência se concentrou nos Campos Elísios, houve cerca de 1,5 milhões de euros de danos e mais 4 a 5 milhões de euros só no sábado passado.

Os alvos dos manifestantes estão bem identificados, lojas de produtos de luxo, como marcas de roupa caras, ou bancos, mas também supermercados e até cabeleireiros sofreram danos. E quem não teve danos materiais no fim de semana passado nesta vizinhança, viu-se obrigado a manter as portas fechadas.

"No fim de semana passado fizemos menos 80% de volume de negócios comparado com o ano passado e este é o nosso mês mais importante. Já só nos restam três fins de semana até ao Natal e há uma verdadeira apreensão dos comerciantes em relação ao que se vai passar", disse Édouard Lefebvre, delegado geral do Comité dos Campos Elísios à Lusa.

Este comité agrega cerca de 90 atores da famosa avenida, entre comerciantes, proprietários e até cinemas, parques subterrâneos e quiosques. Também os hotéis nos Campos Elísios e nas suas imediações estão a sofrer perdas, registando entre 20% a 25% de cancelamentos de reservas para o fim do ano.

O quiosque nos Campos Elísios onde trabalha José, lusodescendente, também optou por fechar no sábado passado, apesar de ser um dos dias mais fortes. No fundo de desemprego há dois anos e trabalhando apenas a tempo parcial, José solidarizou-se com os coletes amarelos no início, mas diz que agora se tornou difícil perceber o que querem.

"É um movimento que está completamente dividido. Tanto querem que o [Presidente Emmanuel] Macron se demita, como depois querem menos impostos. Eu estou de acordo com os 'coletes amarelos' no princípio, mas não na forma como protestam e agora passo o dia a limpar amigos do Facebook", contou o lusodescendente à Lusa.

Diz que por não se querer juntar aos 'coletes amarelos' já foi chamado de "colaborador, traidor e burguês" e não vê esperança nas medidas propostas esta terça-feira pelo Governo. "Adiar um imposto não os vai travar de virem para aqui e isto ficar cada vez mais violento", disse o lusodescendente.

"O Governo deu um passo em direção ao que os coletes amarelos pretendem, mas do outro lado é preciso que eles estejam à escuta e que haja diálogo. Não serve de nada o movimento opor-se só para desestabilizar um Governo e um país. Estes comportamentos não são bons para ninguém", defendeu Jeanne d'Hauteserre, esperando por uma resolução pacífica que evite novos protestos no próximo sábado.


Por: Catarina Falcão da agência Lusa