Uma nota publicada hoje na página da Internet da Procuradoria-Geral Regional do Porto (PGRP) refere que foi deduzido despacho de acusação no dia 11 de fevereiro para julgamento por tribunal singular, contra seis arguidos, aos quais imputou a prática de um crime de maus-tratos.
“Os arguidos acusados são uma pessoa coletiva dedicada à indústria e comércio de cortiça e seus derivados, com sede em Paços de Brandão, Santa Maria da Feira [distrito de Aveiro], assim como os membros do respetivo conselho de administração e diretores de produção e qualidade”, refere a mesma nota.
Os alegados maus-tratos ocorreram a partir de maio de 2018, após a sociedade ter sido condenada a reintegrar uma trabalhadora ilicitamente despedida.
De acordo com a acusação, os arguidos levaram a cabo um “vasto” conjunto de condutas que tiveram como objetivo “criar um ambiente hostil, intimidatório e degradante e discriminar a trabalhadora dos demais funcionários, alocando-a a tarefas desumanas e sobrecarregando-a com trabalhos excessivos”.
O MP diz ainda que os arguidos conheciam as limitações de saúde que a trabalhadora apresentava, assim como um “difícil contexto familiar”.
“Mais se indicia que subjacente a tais comportamentos esteve a intenção de degradarem a relação laboral, provocando à trabalhadora desconforto e desgaste físico e emocional com o objetivo último de que esta pusesse fim, por sua iniciativa, à relação laboral”, refere a mesma nota.
Na segunda-feira, a coordenadora da Comissão para a Igualdade da CGTP e líder da Federação Portuguesa dos Sindicatos da Construção, Cerâmica e Vidro (FEVICCOM), Fátima Messias, classificou a abertura do processo do MP contra “cinco administradores, dois diretores e a empresa Fernando Couto Cortiças” como algo inédito na justiça portuguesa.
"Esta acusação por crimes de maus-tratos é ímpar no nosso país e obrigará a que se faça uma revisão da própria legislação que temos em Portugal contra o assédio", afirma Fátima Messias, acrescentando que Cristina Tavares foi sujeita pelos patrões a "atitudes de perseguição, intimidação e violência", o que, em suma, configura "tortura psicológica".
Na mesma linha, o presidente do Sindicato dos Operários Corticeiros do Norte, Alírio Martins, disse estar "muito contente" por a queixa-crime apresentada por essa estrutura ter levado a que, "pela primeira vez em Portugal, os administradores de uma empresa sejam acusados de maus-tratos" a título pessoal, "enquanto pessoas singulares".
Contactada pela Lusa, a administração da Fernando Couto Cortiças alega que "não há qualquer fundamento" para a acusação do MP e confirma que foi requerida a abertura da fase de instrução para evitar que o caso chegue a julgamento.
"O MP acabou por deixar cair muitas causações que o sindicato queria impor e agora a nossa expectativa é que não haja julgamento, porque aqui nunca houve maus-tratos a ninguém", disse Vítor Martins, diretor financeiro da empresa.
Cristina Tavares foi despedida uma primeira vez, em janeiro de 2017, alegadamente por ter exercido os seus direitos de maternidade e de assistência à família, mas o Tribunal considerou o despedimento ilegal e determinou a sua reintegração na empresa.
Dois anos depois, a empresa voltou a despedi-la, acusando-a de difamação, depois de ter sido multada pela Autoridade para as Condições do Trabalho (ACT), que verificou que tinham sido atribuídas à trabalhadora tarefas improdutivas, carregando e descarregando os mesmos sacos de rolhas de cortiça, durante vários meses.
Já em junho de 2019 a empresa aceitou voltar a reintegrar a trabalhadora antes do início do julgamento que visava impugnar o segundo despedimento.
Na altura, a administração da empresa explicou que decidiu “virar a página negativa que se formou”, criando condições para se focarem na sua atividade “em paz jurídica”.
Além da reintegração da trabalhadora, a empresa aceitou pagar uma indemnização por danos morais de cerca de 11 mil euros, bem como os salários que a trabalhadora deixou de receber durante o período em que não esteve a trabalhar.
A situação de Cristina Tavares deu ainda origem a duas contraordenações da ACT, por assédio moral e violação de regras de segurança e saúde no trabalho, tendo sido aplicadas coimas no valor global de cerca de 37 mil euros.
A corticeira tem ainda pendente um terceiro recurso sobre uma coima de que foi alvo, no valor de cerca de 11 mil euros, por a ACT entender que o segundo despedimento de Cristina Tavares foi contrário à lei, nomeadamente por o considerar abusivo.
A operária avançou ainda com uma ação no Tribunal do Trabalho a pedir uma indemnização de 80 mil euros à empresa pelos danos morais sofridos pelo assédio moral de que foi alvo.
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