“Penso que não há nada nos autos que demonstre contra o arguido José Neves”, disse o procurador David Aguilar, na sessão do debate instrutório no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, num processo que levou à demissão do então secretário de Estado da Proteção Civil.
À saída do tribunal para a pausa para o almoço, o advogado do antigo governante, António Castanheira Neves, considerou que o Ministério Público (MP) “amainou de uma forma muito intensa a acusação e acabou por reconhecer que a acusação é profundamente injustificada em muitos capítulos”, algo que disse “não estranhar”.
Questionado sobre se entendia que o MP sai fragilizado deste processo ao reconhecer que a acusação não está suficientemente sustentada, Castanheira Neves defendeu que é “mais uma prova evidente de que o MP está a precipitar-se vezes demais e com muita intensidade”.
“A acusação é insustentável, desprovida de validade factual e jurídica e ainda por cima estribada numa realidade que tive oportunidade de salientar e que intui a sua total e absoluta nulidade”, disse o advogado aos jornalistas, sublinhando, tal como já tinha feito nas suas alegações em sala, que “foram preteridas prerrogativas absolutamente essenciais” dos direitos de defesa dos arguidos.
Nomeadamente, referiu, o direito a conhecer os autos para prestar declarações no âmbito do inquérito.
“Há uma clara precipitação do MP. O ex-secretário de Estado da Proteção Civil foi convocado para declarações na véspera do dia em que foi notificada a longa e extensa acusação, declarou pretender prestar declarações desde que lhe fosse facultado o acesso aos autos, um direito legalmente garantido. Pois com a alegação de que o processo ainda estava coberto pelo segredo de justiça, o que já não era uma realidade, não pôde prestar declarações, não pôde usar essa prerrogativa e no dia seguinte foi confrontado com a acusação”, disse.
Para Castanheira Neves esta é “uma nulidade absolutamente insuprível” que deverá levar a juíza de instrução criminal a determinar o regresso do processo à fase de instrução, tendo o advogado defendido nas alegações que, em alternativa, deve ser proferido despacho de não pronúncia dos arguidos.
Apesar das fragilidades da acusação reconhecidas pelo MP, o procurador "pronunciou-se afinal no sentido de que [os arguidos] devem ser pronunciados, sem ter dito com rigor porquê e com que fundamento", disse Castanheira Neves, acrescentando que cabe agora à juíza de instrução decidir se haverá julgamento e que arguidos serão julgados.
Caso se confirme a não pronúncia de José Artur Neves, o advogado não exclui um processo contra o Estado, mas por agora prefere aguardar a conclusão do processo, ainda passível de recurso na decisão instrutória, que só deve ser conhecida em janeiro.
O procurador do MP alegou hoje haver indícios suficientes nos autos para confirmar a tese da acusação de que os arguidos agiram em conluio para viciar um processo de contratação pública com o objetivo de garantir o acesso a fundos comunitários.
O procurador David Aguilar argumentou que os ‘emails’ apreendidos, “a exiguidade dos prazos” estabelecidos para os concursos públicos e as faturas emitidas por serviços prestados antes da assinatura dos contratos que as justificariam confirmam que o processo de contratação pública foi um processo simulado para enquadrar legalmente no acesso aos fundos procedimentos já em curso, estabelecidos através de “contactos informais” com empresas privadas.
Para o MP, há um “inegável” prejuízo patrimonial para o Estado neste processo, uma vez que a devolução dos fundos comunitários utilizados significa que o financiamento do projeto ‘Aldeia Segura – Pessoas Seguras’ ficou a cargo do Estado, ou seja, dos contribuintes.
Sobre o envolvimento do ex-presidente da Autoridade Nacional de Emergência e Proteção Civil (ANEPC), o general Carlos Mourato Nunes, também arguido, o MP sublinhou que os contratos foram assinados por Mourato Nunes, pelo que não pode alegar desconhecimento ou desresponsabilização nesses procedimentos.
O debate instrutório do chamado caso das golas antifumo decorre hoje no Tribunal Central de Instrução Criminal, em Lisboa, mais de quatro anos após ter agitado o Governo e a ANEPC.
O caso levou em 2019 a demissões no Governo, num processo no qual estão em causa alegados crimes de fraude na obtenção de subsídio, participação económica em negócio e abuso de poder.
Entre os 19 arguidos (14 pessoas e cinco empresas) estão o ex-secretário de Estado da Proteção Civil José Artur Neves e o ex-presidente da ANEPC Mourato Nunes, numa acusação revelada pelo MP em julho de 2022, na sequência das suspeitas sobre a compra de golas de autoproteção no programa “Aldeia Segura - Pessoas Seguras”, lançado na sequência dos incêndios florestais de 2017.
A investigação deste processo identificou “ilegalidades com relevo criminal em vários procedimentos de contratação pública” no âmbito do programa “Aldeia Segura – Pessoas Seguras”, que foi cofinanciado pelo Fundo de Coesão, considerando que causou prejuízos para o Estado no valor de 364.980 euros, supostamente desviados a favor dos arguidos.
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