Os estudantes de Cabo Delgado, que começaram a chegar a Portugal em dezembro de 2021, estão a frequentar um programa de formação de dois anos, resultante da cooperação entre o Politécnico de Leiria, o Instituto de Bolsas de Estudo do Ministério da Ciência, Tecnologia e Ensino Superior moçambicano, e os municípios de Leiria, Caldas da Rainha, Peniche e Pombal.

Eduardo Abdulremane, 25 anos, candidatou-se ao TeSP de Cibersegurança e Redes Informáticas. “Espero usufruir de tudo o que o Politécnico de Leiria oferece para depois servir, com todas as capacidades, o que o mercado de emprego me oferecer”, afirmou o jovem à Lusa.

O objetivo é aumentar o conhecimento e prosseguir o ciclo de estudos, se tiver possibilidade. Há três meses em Portugal, a maior dificuldade foram as baixas temperaturas. “No nosso país, geralmente, rondam os 30 a 40 graus. Aqui, assim que cheguei ao aeroporto estavam 3 graus. Foi um choque”, confessou Eduardo Abdulremane, mostrando-se muito satisfeito com a receção de docentes e colegas, que “têm sido muito atenciosos e proporcionam tudo” para que se sintam bem acolhidos.

O jovem destacou ainda a segurança e liberdade que encontrou em Portugal. Abordando o conflito em Cabo Delgado, disse ser uma “situação muito difícil”, porque já “não é possível ser livre”.

“A qualquer momento passava a cavalaria da polícia militar e isso não deixava ninguém em paz. É um problema que não sei quando é que vai terminar. Quando chegámos aqui encontrámos paz, andamos livremente, vemos pessoas sem nenhuma preocupação”, acrescentou.

A família de Eduardo ficou em Moçambique, mas “já saíram da zona mais perigosa e refugiaram-se para o lado onde ainda não está em perigo”, o que o deixa “um pouco mais calmo”.

A estudar Marketing Digital no Turismo, Elton Marrume, 20 anos, disse à Lusa que pretende estudar para “servir” o seu país e aproveitou para deixar uma mensagem aos colegas moçambicanos: “Peço que ninguém se esqueça de qual é o nosso objetivo em Portugal e não nos podemos deixar levar pelas emoções. Espero fazer valer a pena o protocolo, assim como ele nos escolheu para participar nesta missão tão especial. O futuro de Moçambique somos nós”.

Birgite John, 24 anos, está a realizar o curso de Práticas Administrativas e Comunicação Empresarial, e teve uma “adaptação muito rápida”. “Logo depois de chegar, fiz questão de pesquisar alguns pontos estratégicos da cidade e fui explorando à medida que o tempo foi passando. Fiz amigos que me ajudaram também a conhecer esses lugares”, contou.

Elogiando a receção de todo o Politécnico de Leiria, assim como dos colegas, a jovem revelou que o “ensino é um pouco diferente da metodologia” à qual estava habituada, o que a faz “querer aprender mais e a prestar mais atenção”.

Confessou que o coração fica “apertadinho” quando pensa nos familiares que ficaram em Cabo Delgado, mas também dá-lhe “mais força para superar” as dificuldades.

Natural de Pemba, “o centro onde tudo está a acontecer”, a jovem tem acompanhado tudo pela comunicação social e redes sociais e lamentou que todo o conflito obrigue as famílias a deslocarem-se, ficando “sem nada”.

“Saíram das suas casas, dos seus locais de residência e perderam muitas coisas. Passar para uma nova cidade, sem bases, com culturas ligeiramente diferentes, é complicado. Fico muito grata por ter esta oportunidade, porque seria difícil fazê-lo lá”, constatou.

“Este projeto é marcante para o Politécnico de Leiria, a vários níveis. Desde logo porque tem esta visão de cooperação internacional de dar uma oportunidade, pela formação, aos estudantes do norte de Moçambique. Mas isto é um trabalho que só é possível de forma colaborativa”, explicou o presidente do Politécnico de Leiria.

Rui Pedrosa assumiu ser um “orgulho enorme” participar neste desafio. “São estes momentos que mudam as nossas vidas, de quem vê este sorriso a brilhar nos olhos de cada um destes estudantes. No Politécnico temos mais de 70 nacionalidades diferentes. Esta multiculturalidade, que está inclusive na nossa missão, é uma matriz cada vez mais identitária”, acrescentou.

A província de Cabo Delgado é rica em gás natural, mas desde 2017 tem sido aterrorizada por rebeldes armados sendo alguns ataques reclamados pelo grupo extremista Estado Islâmico.

O conflito já provocou mais de 3.100 mortes, segundo o projeto de registo de conflitos ACLED, e mais de 859 mil deslocados, de acordo com as autoridades moçambicanas.

Desde julho passado, uma ofensiva das tropas governamentais com o apoio do Ruanda a que se juntou depois a Comunidade de Desenvolvimento da África Austral (SADC) permitiu aumentar a segurança, recuperando várias zonas onde havia presença de rebeldes.