“O Museu vai à Escola”, assim se designa a iniciativa, pensada para responder à ausência de visitas de estudo nas instalações do museu, em Lisboa e no Porto, devido às medidas de contenção da pandemia de covid-19.
O programa inclui vídeos educativos e questionários interativos que ajudam a perceber a evolução da farmácia desde a pré-história ao momento atual, mostrando às crianças que já houve outras epidemias na História da Humanidade.
Concebido em março e abril, na sequência do confinamento imposto pelo primeiro estado de emergência, o novo modelo do Museu da Farmácia desenvolve-se em oito módulos e foi lançado no início de novembro, disse à agência Lusa o curador, Gonçalo Magano.
A visita pode ser adaptada para crianças, escolas ou publico em geral, mediante inscrição.
A coleção do museu permite viajar desde a pré-história e dos primórdios do recurso a ervas medicinais até à farmácia espacial, usada pelos astronautas da NASA, graças a um protocolo com a agência espacial norte-americana. Especificamente para o atual contexto, foi criado um tema sobre máscaras e epidemias.
“Estamos a dar oportunidade de ver aulas diferentes, de as crianças saírem da escola sem saírem da sala de aula. Existe um guia e um tutorial nas visitas, existe muita interatividade, ou seja, as crianças não estão uma hora a ouvir um guia a falar ou a ver vídeos. Estão a ver uma apresentação que traz um pouco de tudo e interage”, explicou Gonçalo Magano.
Se em algumas passagens a explicação é mais vocacionada para a educação, noutras privilegia-se a animação para “dar vida” às peças. Os alunos são então levados a responder a perguntas sobre o artigo que está a ser apresentado.
A experiência, segundo o curador, está a ser positiva e uma das vantagens é a possibilidade de conjugar a visita aos dois museus, em Lisboa e no Porto, o que não seria possível no mesmo dia, fisicamente.
O espólio do museu conta a história da saúde e da farmácia ao longo de todos os períodos e atravessa todas as civilizações.
Na visita virtual, o núcleo da Idade Média apresenta as máscaras da peste e a luta contra as epidemias. Aqui fala-se de medicamentos e da luta contra a peste negra.
“Temos a máscara e o fato da peste negra e fizemos um trabalho de pesquisa. Cruzámos essa nossa coleção com a atualidade, com os vídeos e com o material que recolhemos agora sobre a covid-19 e construímos esses núcleos”, revelou o curador do museu.
Mas antes de chegar à peste negra que assombrou a Europa, os visitantes passam pelo Antigo Egito e pela Antiguidade Clássica, num percurso que mergulha também na cultura tradicional chinesa, na revolução científica e na descoberta da penicilina.
Apesar de ter feito sempre parte da coleção do museu, o tema da peste negra foi aprimorado para a visita virtual agora lançada. “Procuramos ir buscar mais algumas informações e fazer aqui quase que um paralelismo entre o que aconteceu no século XIV e depois no século XVII, com a peste negra, e o que está a acontecer neste momento”, referiu o responsável.
“Tentamos desmistificar um bocadinho aqui o que foi esta luta contra a peste. Nas visitas que tenho feito às escolas procuro lançar alguma esperança. Obviamente que isto é tudo novidade para nós, mas isto já aconteceu, a História ensina-nos que é cíclico, que já aconteceu e que foi muito mais devastador”, sustentou Gonçalo Magano.
“É claro que esta pandemia está a crescer muito, mas quando olhamos para as imagens e para aquilo que tentamos mostrar no vídeo da peste negra, vimos uma doença que devastou um terço da Europa”, exclamou.
Os guias tentam mostrar como é que o Homem “deu a volta” a estas situações e como existem hoje mais recursos e preparação do que no tempo em que a peste negra chegou à Europa através das caravanas mercantis oriundas da China e se espalhou rapidamente através das cidades costeiras, impulsionada pelas fracas condições de saúde e habitação existentes.
A peste negra, ou bubónica, é descrita como a maior pandemia da História da Humanidade, com surtos nos séculos XIV, XVII e XIX. Estima-se que pode ter causado até 200 milhões de mortes. Na Europa, terá dizimado um terço da população.
Máscaras da peste negra entre as peças mais procuradas no Museu na Farmácia
O fato preto e a máscara de proteção, em forma de bico de pássaro, usados pelos médicos na assistência aos doentes atingidos pela peste negra estão entre as peças mais procuradas no Museu da Farmácia.
Durante as visitas virtuais que o museu está a realizar às escolas, a reação dos alunos é de surpresa ao constatarem nos vídeos preparados para explicar este período da história da saúde e da farmácia que apenas alguns médicos usavam máscara de proteção, contou à agência Lusa o curador do museu, Gonçalo Magano.
“É muito engraçado, são crianças e a reação que têm primeiro é ´então onde é que estão as máscaras?’”, relatou o curador, que também participa nestas visitas, durante as quais explica que agora a população usa máscara, mas que à data só o médico é que usava essa proteção. “E mesmo assim não eram todos”, afirmou.
Neste módulo da visita, revela-se a primeira máscara de proteção, no contexto da peste negra, e surge a segunda reação da plateia - “Bem, isto antes parecia bem pior!”.
Para Gonçalo Magano, a pandemia de covid-19 é “o tormento do século XXI”, mas deve ser apresentada aos alunos no contexto de outras doenças, como a peste negra ou a gripe espanhola, vivida há cem anos. “Obviamente que temos de falar das coisas à medida do seu tempo e nunca desvalorizando o grande problema pelo qual estamos a passar (...), mas quando mostramos o impacto que teve uma peste negra ou uma gripe espanhola (...) acho que surge aqui alguma força, alguma esperança de que as coisas vão correr bem e que o ser humanos com menos do que tem agora já conseguiu dar a volta às coisas”, defendeu.
A ideia está a ser bem acolhida por alunos e professores, o que permitiu ao museu avançar para o passo seguinte e abrir inscrições para o público em geral. Neste momento está em cima da mesa a possibilidade de uma família agendar uma data para visitar o museu a partir de casa. Através das redes sociais é possível passar uma hora no museu.
“Os museus têm como missão partilhar os objetos e a história deles, nada substitui uma visita física ao museu, estar com os objetos que fazem parte da História. Mas vivemos num país que é muito mais do que Lisboa e Porto, num país que tem ilhas, e esta visita virtual não só se torna acessível a qualquer canto do país, qualquer escola de Évora, de Beja, do Algarve - embora tenhamos várias escolas que nos visitavam e que faziam estes quilómetros todos – como agora estamos muito mais apetecíveis àqueles que estão longe”, sustentou.
Criada em tempo de crise, a medida veio para ficar, assegurou o curador: “Mesmo depois de tudo isto terminar, este é um produto que se poderá renovar. Hoje temos estes oito temas, mas nada dos diz que daqui a um ano e meio não tiramos as máscaras da peste e a luta contra as epidemias para colocar outro tema que entre em voga e que faça sentido falar dentro da História da Saúde”.
Na vasta e diversificada coleção do museu a peça que mais tem captado a atenção dos visitantes, “pela sua atualidade” é a máscara da peste negra, “sem dúvida alguma”, referiu Gonçalo Magano.
“Relaciona-se com uma peste, uma doença, com uma das doenças mais conhecidas. Temos a gripe espanhola, que foi devastadora, mas a peste negra está mais na memória das pessoas, não só pelo nome, mas pela sua dimensão” e pela insuficiência de meios, admitiu.
Se a gripe espanhola foi desoladora há cem anos, a peste negra teve três surtos: século XIV, século XVII, século XIX e “ainda há casos de peste negra neste momento nos EUA”.
Outros clássicos que atraem a atenção do público são um sarcófago do Antigo Egito, onde saúde e religião “andavam de mãos dadas” e peças pré-colombianas, como vasos usados pelos maias, incas e astecas na preparação e conservação de remédios.
As máscaras africanas usadas pelos curandeiros e feiticeiros, as farmácias portáteis doadas pela NASA e que estiveram a bordo do Space Shuttle Endeavour são também motivo de espanto e admiração, numa coleção que já incorporou as primeiras peças recolhidas no âmbito da pandemia de covid-19, como máscaras e material para testes de deteção do agora novo coronavírus.
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