O ano de 2020 não foi um acontecimento cósmico que daqui a 50 anos recordaremos em histórias contadas aos mais novos sobre como ninguém podia sair de casa sem máscara, como não se podia abraçar ou beijar os outros ou como fomos obrigados a ficar em casa para controlar a propagação de um vírus. Se o ano em que a pandemia provocada pelo novo coronavírus chegou à Europa já terminou, o mesmo não se pode dizer das transformações na nossa forma básica de viver, enquanto indivíduos e enquanto sociedade.
Não há exemplo melhor para demonstrar que o annus horribilis, que se findou no passo dia 31 de dezembro, continua a ter um impacto tremendo nas nossas vidas como este exato momento em que o Governo português - como outros do continente europeu - anuncia um novo confinamento geral, idêntico aquele que vivemos nos meses seguintes à identificação do primeiro caso de covid-19 em território nacional. Já existem vacinas eficazes na proteção contra o vírus, já temos quase um ano de aprendizagem, mas à exceção do verão, parece que que não saímos do mesmo sítio - ou como quem diz, de 2020.
Este longos meses, ora em confinamento, ora com elevadas restrições, alteraram profundamente a nossa forma de viver. Os postos de trabalho mudaram radicalmente, desde os que ficaram praticamente vazios aos que tiveram de se reorganizar para poder funcionar durante uma pandemia; a nossa forma de socializar mudou, acabaram os grandes convívios, os beijos, os abraços, passámos a tentar estar com o menor número de pessoas possíveis, pelo menos de uma só vez, e, mesmo assim, ir jantar com um amigo que não vemos há dois meses para meter a conversa em dia continua a ser um risco assumido. Ir às compras passou a ser um exercício, umas vezes de paciência, com as filas a estenderem-se à porta dos supermercados ou centros comerciais, outras de atenção, no toque, na distância, na capacidade de sermos mais rápidos a puxar do desinfetante de bolso do que o Lucky Luke a disparar sobre a sua sombra. Por isso passámos também a fazer mais compras online, impedidos de sair para o mundo procurámos trazer o mundo até nós, encomendámos roupa, comida, refeições, eletrodomésticos, móveis. Enfim, tudo aquilo que precisávamos. Tudo isto sem dinheiro nos bolsos, com os MB Way’s desta vida e os cartões contacless em punho.
As mudanças foram substanciais e é praticamente impossível dizer que vamos voltar atrás, a uma realidade pré-pandemia. Muitas das alterações estavam já em curso e foram simplesmente aceleradas ao longo do ano de 2020 devido às restrições e imposições de distanciamento de pessoas e tudo o que pudesse ser uma possível fator de transmissão do vírus. Já no ponto sem viragem, o SAPO24 foi falar com quem de direito em algumas das áreas mais impactadas pela pandemia para perceber melhor aquilo que nunca mais voltar a ser como antes.
Um futuro em que vai ser mais caro comer em casa do que no restaurante (e um chega para lá à fast food)
Dias houve em que as ruas completamente desertas das grandes cidades eram apenas habitadas por homens e mulheres que, com uma grande mala verde ou amarela às costas, serpenteavam as estradas e ciclovias da cidade, ora em motociclos, ora em bicicletas ou trotinetes. As pessoas estavam confinadas em casa e chamavam até elas os restaurantes.
Mas nem depois do desconfinamento, a que se seguiram, no último terço do ano uma série de proibições mais restritas, nos concelhos mais afetados, estas mochilas coloridas deixaram de vaguear pelas ruas. Afinal, sair de casa para ir a um restaurante não era um exercício simples como antigamente: o horário era mais reduzido, assim como o número de lugares ou o número de pessoas que poderia estar sentadas, juntas, na mesma mesa.
As entregas ao domicílio e o take away tornaram-se centrais no serviço dos restaurantes, altamente condicionados. A pergunta impõe-se, agora que os restaurantes passaram a vir deixar a sua comida às nossas casas, vamos voltar a ir almoçar ou jantar fora como antes?
Para responder à questão conversámos com o Chef Vitor Sobral, uma das maiores referências da gastronomia nacional.
“Acho que no futuro o mercado vai-se equilibrar. As pessoas vão pedir para casa mais do que aquilo que pediam, porque perceberam que era possível ter uma qualidade boa, mas acho que comer em casa é uma coisa e comer e conviver num restaurante é outra”, diz o Chef da Tasca da Esquina, em Lisboa.
“Imaginemos um almoço ou um jantar de negócios. Não é a mesma coisa fazê-lo em casa ou no restaurante. Um primeiro encontro em casa pode causar algumas situações mais complicadas, agora quando já tivermos a namorar a sério acho que já é melhor pedir delivery [ri]. A experiência do restaurante vai-se continuar a manter como o principal atrativo de se ir comer fora. Eu falo até por mim. Não sou uma pessoa que goste de cozinhar em casa, por incrível que pareça. Gosto de ocupar o meu espaço de lazer com uma ida ao restaurante”, confessa.
Para Vítor Sobral uma coisa é certa: as entregas ao domicílio e take away vão representar uma dimensão maior do que representavam antes da pandemia, embora não no volume de hoje em que as pessoas estão mais condicionadas devido às restrições.
“Quando, na primeira fase, fui dos primeiros a definir que íamos estar abertos e a fazer take away, fui criticado, de alguma forma, porque à partida a comida que eu fazia não era uma comida que se adequava ao take away. E isso não é verdade. É possível termos em casa um produto take away bom desde que escolhemos o restaurante certo”, explica, sublinhando que “havia uma má imagem do take away”, por este estar associado sobretudo à fast food, um preconceito que a pandemia mudou.
Para o futuro fica ainda um obstáculo para ser ultrapassado: as elevadas taxas cobradas por empresas como a Uber Eats.
“As coisas vão ter de mudar de alguma forma porque não é preciso ser um génio para perceber que nós estamos a passar uma fase extremamente complicada a nível de sobrevivência. Quando num negócio que anda normalmente, sem problema nenhum, se há um pedido ou dois de Uber Eats, tudo bem, não é uma coisa grave. A partir do momento em que isso passa a ter um peso extremamente grande naquilo que está a vender, já complica. Taxas de 30%, mais uma taxa cobrada ao cliente é de um exagero. E o que é que vai acontecer? O que vai acontecer é que o cliente vai pagar mais caro para comer em casa do que para comer no restaurante porque nós vamos ter que inflacionar os preços. Vai ser mais caro comer em casa do que no restaurante…”, remata.
O que é que anda dentro das malas amarelas - e como é que as apps podem vir a ser “uma espécie de mordomo 360º”
As malas amarelas que percorrem as ruas de 90 localidades portuguesas, às cavalitas de ciclistas e motociclistas, pertencem à Glovo, um serviço de entregas diversas em casa, disponível através de uma aplicação.
Desde janeiro de 2020, o número de parceiros da app aumentou 170% e o número de estafetas mais de 800 - atualmente são mais de dois mil estafetas de mala amarela em Portugal.
Aqui, ao contrário do que podíamos esperar e também tendo em conta o carácter mais diverso deste serviço de delivery, a área com maior crescimento não foi a alimentação. “A Parafarmácia está entre as categorias com maior dinamismo, com um crescimento de 375% desde que arrancámos. Os produtos mais requisitados são as compressas TNT, os testes de gravidez, o álcool sanitário, máscaras descartáveis e álcool gel (para mãos)”, revela ao SAPO24 Ricardo Batista, Country Manager da Glovo em Portugal.
“Em sintonia com o que aconteceu em outros países, a Glovo também permite aos utilizadores em Portugal obterem medicamentos não sujeitos a receita médica na categoria de parafarmácia, como forma de ajudar a população a ultrapassar esta situação excecional. A empresa investiu mais do que nunca para oferecer medicamentos não sujeitos a receita médica aos utilizadores em Portugal, com uma taxa de entrega reduzida e aumentando o número de parcerias com farmácias portuguesas e parafarmácias, como a Well's, e respetivos produtos que oferecem na aplicação”, acrescenta, sublinhando que quatro dos cinco produtos mais vendidos durante o período de confinamento foram mesmo este tipo de medicamentos, "principalmente paracetamol, descongestionantes, aspirina, analgésicos e antipiréticos”.
Para Ricardo Batista, as restrições mostraram a importância e a solução que pode ser recorrer a um serviço de entregas como a Glovo: “As plataformas podem passar a ser um facilitador de todo o tipo de entregas, incluindo experiências, serviços, uma espécie de mordomo 360º em versão aplicação que torna acessível tudo aquilo que as pessoas necessitam, seja alugar um automóvel, pedir uma refeição ou tratar de um documento, por exemplo. Esse será o futuro das plataformas, não apenas entregas de bens físicos, mas também uma plataforma para resolver uma grande variedade de assuntos do dia-a-dia”.
A arte de comprar um frigorífico (ou encher um frigorífico) sentado no sofá
Com as pessoas fechadas em casa, os portugueses entregaram-se ao e-commerce. Comprar online, numa altura em que manter a distância e reduzir o risco é fundamental, tornou-se extremamente atrativo e fácil. Aliás, não é à toa que passou a representar cerca de 50% das vendas, quando antes a percentagem estava nos 12%.
Situemo-nos e recuemos até março, altura em que as filas e as prateleiras vazias eram uma realidade nos supermercados e comprar através dos espaços online das várias cadeias passou a tornar-se numa solução. “Até ao aparecimento da covid-19, as vendas puramente online estavam a crescer de forma consistente a dois dígitos. Com a chegada da covid-19 a Portugal, os acessos e as encomendas multiplicaram-se, numa altura em que mais famílias recorreram aos canais digitais, várias delas pela primeira vez”, conta Pedro Santos, diretor de E-Commerce da Sonae.
E se podemos dizer, de alguma forma, que tudo começou com os bens de primeira necessidade, alimentares e não só, ninguém se esquecerá do período em que um rolo de papel higiénico era equiparável a um oásis no deserto, o modo de comprar online, perante as restrições evidentes, rapidamente se alastrou para todo o tipo de comércio. A FNAC, por exemplo, viu-se obrigada a ajustar o negócio, “não só ao nível operativo como, também, ao nível de gama disponível”.
“Analisando o peso das vendas do online no negócio, este manteve-se acima da média com um valor acumulado de 23% no período de confinamento. Reforçámos, nesse seguimento, os nossos canais digitais, tanto em fnac.pt como com a nova APP FNAC, quer do ponto de vista logístico, para garantir os níveis de serviço a que os nossos clientes estavam habituados, bem como a nível de gama e disponibilidade de stocks neste canal. Disponibilizámos, ainda, o serviço Liga e Encomenda, que disponibiliza a ajuda de um expert FNAC para aconselhar os nossos clientes e acompanhar a compra de forma segura”, explicou Inês Condeço, diretora de Marketing e Comunicação da FNAC Portugal ao SAPO24.
Já no caso da Worten, que manteve as lojas abertas, mesmo durante o período de confinamento, uma vez que os produtos e serviços que disponibiliza foram considerados bens de primeira necessidade pelas autoridades competentes, registou “um enorme aumento de procura em worten.pt, cujas vendas triplicaram de janeiro a agosto de 2020, face a igual período de 2019, resultando na duplicação da quota de mercado online no primeiro semestre".
“É certo que já havia muitos portugueses a comprar online, mas a pandemia veio, de facto, acelerar essa tendência, trazendo para o online clientes que nunca, até então, tinham feito uma compra num site e aumentando a frequência de compra online dos que já o faziam. Para suportar estes crescimentos, multiplicámos por quatro a capacidade da operação logística que suporta a nossa loja online, o que nos permitiu entregar 85% das encomendas antes do prazo previsto”, revela Inês Drummond Borges, diretora de Marketing da Worten.
Inês Drummond Borges explica que a operação do canal online foi assim reforçada ao longo de todo o ano, garantindo que, desde o início da pandemia, que conseguiam “responder, de forma ágil e eficiente, às necessidades e expectativas dos clientes, adaptando a oferta ao contexto atual”. “É claro que o pico de compras do final do ano, desde a Black Friday até ao Natal, se fez também neste contexto, em que a opção pelo online voltou a ser a mais conveniente para muitos consumidores, de modo a evitar aglomerações de pessoas e respeitar as restrições à circulação”, completa.
A mudança descrita nos parágrafos anteriores foi forçada pela pandemia, mas reforça a crença nesta ideia de que o recurso às compras online será maior, ”especialmente para situações que privilegiem a conveniência em vez da experiência mais sensorial de loja”, diz a diretora de Marketing e Comunicação da FNAC Portugal. Em simultâneo, as lojas “vão continuar a ser locais preferenciais de experimentação, aconselhamento e encontro”, acrescenta Inês Condeço.
“Em concreto, em fnac.pt, queremos garantir que os clientes têm uma ampla oferta de produtos à sua disposição, cumprindo o tempo de entrega, e assegurando também o mesmo aconselhamento por experts FNAC que teriam nas lojas físicas. Efetuámos um reforço quer no número de recursos alocados à equipa dedicada à logística web, quer no reforço das medidas e equipamentos de segurança individual dos colaboradores", explica.
Também no Continente, por exemplo, o online é visto como um canal adicional que não será substituto das lojas no futuro. “É normal que os clientes hoje em dia pesquisem online, comprem alguns produtos numa loja, outros online, devolvam ou troquem algum produto offline, contactem o contact center… Para o retalho alimentar em particular, na nossa perspetiva, é fundamental a interligação dos negócios online e offline”, explicam.
Na Worten, por exemplo, o online levou à implementação de serviços como o Worten Drive Thru ou de atendimento telefónico especializado para tentar dar à distância um serviço tão personalizado como aquele que é possível em loja. “Não se trata tanto do que se ganha ou se perde comprando online ou nas lojas, mas sim da forma como tiramos partido das mais valias das lojas físicas para complementarem as compras online e vice-versa. A comodidade do online veio para ficar, mas há aspetos da experiência de compra em que a loja física continua e continuará, no futuro, a apresentar vantagens sobre o digital, nomeadamente o contacto com o produto, aliado ao 'toque humano' no aconselhamento especializado".
Teletrabalho não é só isto, também é outra coisa
Desde que a pandemia causada pelo novo coronavírus obrigou o Governo a impôr medidas para travar a aceleração do número de contágios que grande parte da população deixou de trabalhar para passar a teletrabalhar, ou seja, deixou de se levantar para se sentar no carro ou nos transportes para passar a sair diretamente da cama para o computador.
Nos casos em que é possível, o teletrabalho passou a ser obrigatório, fazendo com que os trabalhadores fizessem da sua própria casa o seu local de trabalho, evidenciando, em vários casos, que talvez não fosse necessário uma empresa ter todos os funcionários a trabalhar no mesmo local e colocando uma grande questão: quando nos aproximarmos daquilo que definíamos como sendo normal, vamos voltar a trabalhar onde trabalhávamos e como trabalhávamos?
Primeiro, uma explicação que se impõe, através das palavras de Gonçalo Hall, da Remote Portugal, uma plataforma de educação e conexão no mundo do trabalho remoto: “Existe muita confusão do que é o trabalho remoto e o que é o trabalho a partir de casa durante a pandemia. É verdade que durante a pandemia está toda a gente a trabalhar a partir de casa, mas o trabalho remoto não é necessariamente trabalhar a partir de casa. O trabalho remoto é trabalhar num espaço de cowork, num café, de Las Palmas ou de Bali”.
Estabelecido que aquilo a que hoje chamamos de trabalho remoto ou teletrabalho, e que este é feito a partir de casa e não do sítio que preferimos estar por imposições legais, prossigamos para a primeira questão, desta feita para o segundo convidado a debruçar-se sobre o tema, Fernando Neves de Almeida, partner da Boyden, com uma experiência de mais de 20 anos na gestão e consultoria da área de Recursos Humanos, na sua forma mais extremada: alguma vez voltaremos aos nossos locais de trabalho?
“Eu não acredito que o teletrabalho, da maneira que agora foi implementado por obrigação jurídica, vá continuar nestes modos. Agora, se me perguntar se vai ser exatamente como era, se calhar não. Se calhar vai haver mais liberdade para uma pessoa trabalhar de casa mais vezes, mas por ventura vão existir dias específicos em que as pessoas se juntam num espaço físico para comemorações, eventos, socialização. Acho que não vai mudar assim tanto no futuro. Até porque as pessoas em termos de trabalho de grupo, criatividade, etc., estão melhor quando estão fisicamente”, explica.
Para Fernando de Almeida, a componente social é um dos pontos a que as empresas deverão estar mais atentas e não descurar num futuro. “O trabalho em si encerra sempre uma componente social que esta pandemia está um bocadinho a fazer desvanecer. A parte mais processual do trabalho, das pessoas que trabalham em serviços e não tenham de fazer atendimento, etc., é verdade que pode ser feita remotamente. Mas o trabalho não é só a parte laboral, tem a ver também com a satisfação das necessidades sociais das pessoas, do trabalho, o estar com os colegas, o criar espírito de corpo... uma pessoa que nunca na vida vai à empresa não tem um sentimento de pertença”, afirma.
Gonçalo Hall vai inclusive mais longe: “acho que aquilo que acontece é, como muitas pessoas tiveram de sair dos seus locais de conforto, das suas cidades, vilas ou aldeias para ir para Lisboa trabalhar, por exemplo, isso levou a que muitas pessoas acabassem por perder relações sociais que substituíram em parte por relações laborais - o que acaba também por não ser muito saudável. Com a possibilidade de teletrabalho, as pessoas podem voltar a viver dentro das suas comunidades e não depender tanto das suas empresas para construir vínculos sociais, e isso é o grande medo das empresas”.
Para o cofundador da Remote Portugal, é evidente que o futuro passará por “um sistema híbrido”. “Vão existir trabalhadores 100% remotos, vão-se reduzir os escritórios em 50% e com isto o escritório não só vai ser reduzido, como se vai alterar. Vai deixar de ser um sítio onde as pessoas vão por norma trabalhar e vai passar a ser um sítio muito mais de colaboração, muito mais de brainstorming, de conexão”.
Neste processo híbrido os espaços de cowork surgem como candidatos ao Óscar de melhor cenário. Um desses exemplos é a LACS, um cluster criativo com três espaços em Lisboa.
“Os escritórios flexíveis serão o futuro seguramente. A ideia de que estes espaços de trabalho eram fundamentalmente para freelancers e startups está a mudar e as grandes empresas, de diferentes áreas, olham para os seus espaços de trabalho, reforçando o posicionamento dos escritórios flexíveis como opção. Começam agora a perceber os benefícios quer económicos quer de networking de um espaço de trabalho partilhado e flexível”, explica Miguel Chito Rodrigues, Sócio Fundador LACS.
Para Miguel, as vantagens de uma mudança de uma empresa para um local flexível são evidentes: “primeiro, porque cumprem as medidas de segurança e higiene exigidas durante a pandemia; em segundo lugar, porque existe uma maior otimização dos custos operacionais e logísticos em comparação com os escritórios convencionais, já que estes espaços já incluem na mensalidade o mobiliário, internet, água, eletricidade, limpeza, segurança ou manutenção; por último, porque através deste tipo de soluções mantém-se a aposta na presença física dos colaboradores, importante para motivar e criar espírito de equipa, o que é essencial para cada negócio. Além de tudo isto, este tipo de espaços permite ainda o acesso a uma nova rede de contactos, tornando o ambiente dinâmico, criativo e motivador”.
Tudo o que é acima descrito, colocado numa tigela e misturado daria a seguinte analogia para Fernando Almeida: “É um bocadinho o conceito da dialética. A dialética é tese, a antítese e depois a síntese. A tese era o modelo que nós tínhamos anteriormente, a antítese é isto que o estado de emergência obrigou e depois há-de haver uma coisa que há-de emergir destas duas coisas que é a síntese. É o processo dialético de mudança”.
A mudança parece certa, até porque a Internet já inscreveu nos seus anais, ou nos memes, uma frase que é sumária sobre todo o processo de transformação a que assistimos: “o teletrabalho mostrou que aquela reunião podia ter sido um e-mail”.
A pergunta final a que se obriga é mesmo essas: as empresas portuguesas estão preparadas para transformar as reuniões em e-mails?
Para Gonçalo a resposta é não, o que não quer dizer que não estejam a tentar o melhor de si.
“Não [as empresas em Portugal, não estão preparadas para dar este salto], mas muitas estão a procurar ajuda. A maioria das empresas são Pequenas e Médias empresas e não estão prontas para dar o salto, mas acho que cada vez mais temos excelentes casos de estudo de empresas que estão a fazer bem”, diz.
Uma "nova escola"
A primeira vaga da pandemia tirou os alunos da sala de aula e ligou-os à escola fazendo recurso das tecnologias. Através das mais diversas plataformas de ensino, de uma chamada de videoconferência ou da telescola, que voltou à televisão pública e que continua a ser transmitida na RTP Memória, o ensino à distância passou a ser uma solução para uma aprendizagem covid free e uma solução que ficou para os tempos de hoje, sempre que um aluno ou turma tem de ficar em casa devido ao contacto com um caso suspeito de covid-19.
“As tecnologias com a pandemia entraram em força na educação e, por mais que se diga, a educação não vai mais ficar igual. Com a pandemia verificamos que a única coisa que nos resta mesmo nesta altura é reimaginar uma situação nova de escola, mas com a certeza de todos de que terá de ser sempre presencial, com o olhar do professor nos alunos, dos alunos e alunas nos professores e mantemos uma escola de toque, de afetos, uma escola para todas e para todos”, explica Paula Carqueja, presidente da Associação Nacional de Professores ao SAPO24.
Para a dirigente há uma nova escola que já começou a ser construída, que se encontra entre as mais valias do digital e do ensino presencial. Aliás, o modelo a que a pandemia obrigou trouxe, inclusive, uma série de soluções para o futuro: “Muitas vezes aquilo que acontecia era que os alunos ficavam doentes, o professor ficava doente e naquele espaço de tempo havia um vazio entre o período em que o aluno ficava em casa e o professor. E agora sabemos perfeitamente que isso pode ser resolvido através da utilização destas novas ferramentas”.
Nesta “nova escola” o “ensino presencial continuará a ser a base porque só com essa interação há uma maior apreensão dos conhecimentos e ao mesmo tempo tanto há da parte do aluno como do próprio professor que através do olhar, da postura, do comportamento global do aluno consegue perceber aquilo que a própria criança está a interiorizar”.
Para Paula Carqueja o próximo grande desafio “será diminuir as desigualdades das nossas crianças”.
“A nossa escola é uma escola massificada, de todos e para todos, mas para se manter de todos e para todos, temos que abrir também a esses todos um maior número de recursos. E não é só dar [recursos] é também explicar, para que quando forem utilizadas todas as ferramentas, utilizados todos esses recursos físicos, as pessoas percebam o que estão a fazer e como estão a fazer. Equipamos uma família, entregamos o equipamento, mas se não dermos uma formação, a família não pode acompanhar o seu filho e o filho também, se não tiver conhecimento, não pode dizer aos pais 'ajudem-me'. Aqui é importante ninguém ficar desamparado e quando os recursos estiverem todos já dados ou todas as crianças estejam numa linha horizontal”.
Outro recurso que é fundamental que se mantenha é a telescola, que pode funcionar como “uma alternativa aos outros programas em que no fundo só se houve rir e não leva a lado nenhum. Aqui promove-se o conhecimento diário". "Até deveria ser aconselhado às famílias a estarem a ouvir e a ver”, sublinha.
E os professores, estão preparados para ‘assumir as rédeas’ desta “nova escola”? Não, mas vão estar, afirma a dirigente.
"Não tínhamos de todo um grupo de professores preparados para esta nova escola digital. Tivemos professores que nos disseram que estavam com muito receio da utilização dessas novas ferramentas, curiosamente muitos despertaram também para elas. Existe uma classe de professores muito envelhecida, em que os seus interesses são muitas vezes mais de leitura e não de explorar as ferramentas e as tecnologias. E de certeza absoluta que pediram muitas vezes ajuda para perceberem como é que as ferramentas funcionavam através de tutoriais, exploração, links com recursos... Houve uma colaboração e uma maior partilha desses recursos utilizados entre professores, independentemente de muitas vezes eles estarem confinados como aconteceu da primeira vez”, explica.
Na Saúde, não deixaremos cair a máscara: queremos mais e melhor antecipação
O que é que vai restar desta pandemia? Da luta contra a Gripe A pouco prevaleceu para além dos doseadores de álcool gel vazios nas paredes das escolas, empresas e instituições. É incomparável o impacto que a H1N1 teve nas nossas vidas em relação à Covid-19, mas a questão é importante para o nosso futuro, primeiro enquanto indivíduos, no que diz respeito aos nossos comportamentos, e depois em relação ao Estado e sobre a curva de aprendizagem que os ministérios e organizações farão para lidar com um problema semelhante no futuro.
“Infelizmente, apesar de ser ano novo, não é vida nova. Temos todos a expectativa que isso venha a acontecer, mas ainda estamos longe de, alguma forma, conseguir regressar aquilo que é o nosso quotidiano. O ritmo de chegada das vacinas é lento e por isso até termos um verdadeiro impacto na população ainda vai demorar algum tempo. Aquelas medidas que já se tornaram para nós muito familiares, infelizmente, ainda vão ter de se manter durante algum tempo e obviamente que isso é uma situação que muda muito a nossa vida”, explica ao SAPO24 o especialista em Saúde Pública, Ricardo Mexia.
Para o epidemiologista e também presidente da Associação Nacional dos Médicos de Saúde Pública, há várias coisas que poderão vir a permanecer deste período, “as máscaras talvez venham a ser uma delas, na medida em que nós todos os invernos tínhamos uma mortalidade importante associada à gripe e este ano o que constatámos é que esse impacto é passível de ser eliminado, praticamente. Já temos a experiência hemisfério sul em que praticamente não houve gripe e aqui em Portugal e na Europa o que se está a verificar é também uma baixíssima circulação do vírus. Portanto, eventualmente, em futuras épocas de gripe podemos ter que pensar que aquilo que de alguma forma sabíamos era mortalidade evitável e que efetivamente é possível evitar. Provavelmente a questão de também não irmos trabalhar doentes, também é uma das situações que contribui para a disseminação da doença, enfim, esta questão do teletrabalho que agora também se enraizou também é algo que, de uma forma ou de outra, espero que verifique durante os próximos tempos”.
No entanto, a grande expectativa de Ricardo Mexia é que “a eternamente adiada reforma da saúde pública possa finalmente ver avanços importantes” para que não voltemos a ser apanhados desprevenidos.
“Se há de facto uma realidade que se tornou cristalina para todos, e não é só em Portugal, é que nos temos de preparar melhor. Já havia alguma preocupação com as insuficiências que tínhamos nesta área, mas verdadeiramente nunca houve um grande investimento nisto. Já tivemos os últimos 10 anos, digamos assim, com maior dimensão, a quarta ameaça. Tivemos a gripe aviária, tivemos o Ébola, tivémos o Zica e agora esta situação. Eu espero que a mensagem se tenha tornado muito clara e que haja efetivamente uma aposta importante na preparação de uma futura ameaça deste género porque infelizmente, atendendo à globalização, atendendo a um conjunto de fenómenos que se foram verificando, é muito provável que tenhamos situações parecidas num horizonte relativamente breve. Nesse sentido tenho, como digo, expectativa e esperança que finalmente possa haver aqui um investimento importante na saúde pública e que possamos efetivamente a passar a estar dotados de meios para responder de forma mais eficaz a uma crise deste género, não só a nível da prevenção, evitando estas situações, na deteção destes problemas, portanto, melhorar os nossos sistemas de vigilância e também obviamente depois também na resposta e na mobilização de recursos que é necessária para fazer face a este tipo de ameaça”, sublinha.
A sequela do “para fora cá dentro”
O slogan ficou no ouvido. No verão passado, o Governo convidou os portugueses a irem “para fora cá dentro”, convidando-os a redescobrir o país no período de férias de verão em vez de atravessar fronteiras numa altura em que as situações eram muito voláteis de país para país.
É este o simples prefácio para um verão em que as redes sociais foram inundadas por o verde dos Açores, do Gerês e do Centro de Portugal e pela calma do Alentejo, tudo numa tentativa de fintar as multidões que, em menor número, também se concentraram nos destinos balneares mais famosos do país.
Mas será que conseguimos cativar as pessoas ao ponto de continuarem a ter todo o país como opção de férias para o verão? Pedro Castro, presidente do Turismo do Centro de Portugal acredita que sim.
“2021 vai ser muito caracterizado, sobretudo nos [primeiros] seis, sete meses deste ano com dificuldades de caráter operacional ou operativo das empresas associadas ao setor do turismo e pelas limitações que os fluxos turísticos, sobretudo os internacionais. Vamos ter fortíssimas restrições nos fluxos turísticos internacionais”, antecipa.
Para Pedro Castro, “teremos os mercados essencialmente focados naquilo que é mais valia dos seus mercados domésticos”.
“Estaremos a disputar o Centro com o Norte, o Alentejo, o Algarve. Teremos seguramente também — e este será o caráter diferenciador — destinos regionais cujo foco na natureza é maior, com mais aptidão para os circuitos pedestres, para o cicloturismo, para o turismo de montanha, para o turismo de natureza". Uma oferta que no presente contexto poderá ter maior adesão, "em detrimento dos [destinos] city break, que foram durante muitos anos a marca de Portugal."
Pedro Castro estima assim "uma inversão daquilo que eram os fluxos tradicionais muito alavancados nas duas principais cidades [Lisboa e Porto] e na cultura, para um turismo muito focado na natureza, no ar livre, no desportivo, na segurança”, diz.
Mas há outras tendências que para o Presidente do Turismo do Centro irão marcar os próximos anos.
A primeira é a opção pela mobilidade suave, mais segura do ponto de vista sanitário, e que priveligia aas deslocações de carro em pequenos grupos, em vez de viagens de longo curso de avião ou autocarro.
A segunda será “o alojamento horizontal versus o vertical”, que permite um menor encontro entre pessoas em espaços de pequena dimensão, como elevadores ou longas escadarias.
A terceira será “um reforço daquilo que é já uma matriz das gerações jota, das gerações x, dos nómadas digitais" e que "não é entendidos como um estilo de turismo, mas mais como um modo de vida”. "Vamos ter estas camadas a querer viajar para sítios mais recônditos, que lhes oferecem segurança" e isso irá potenciar um novo paradigma para os operadores, que vão ter de se adaptar à ideia de um cidadão que chega para “fazer uma reserva não para uma ou para duas noites, como era habitual, mas para um mês ou para dois meses”.
O verão de 2020 é o ponto de partida para toda esta previsão, até porque ofereceu desde logo bons indicadores para a oferta turística de turismo de natureza. Dando como exemplo a zona Centro, Pedro Castro garante que houve “muitos relatos [no mês de agosto e setembro] de muitos estabelecimentos, de alojamento e de restauração que tiveram um volume de negócio superior ao período homólogo de 2019", ainda que longe da média pretendia".
“Há muitos exemplos que aqui poderíamos apontar, sobretudo ligados às barragens de Castelo de Bode ou da Aguieira, às praias fluviais, restaurantes que se reinventaram e que para além do take away criaram o delivery e conseguiram chegar a casa das pessoas através de cabazes completos, desde a entrada à sobremesa. Foi e é uma estratégia que muitos vão continuar a seguir em 2021, os que resistirem, e que pode muito bem ficar para 2022 e para os anos seguintes”, aponta.
Segundo Pedro Castro, “aquilo que até aqui não eram destinos que estavam na primeira linha, o caso do Interior, o Alentejo, o Centro de Portugal, o Norte, os Açores, que estavam fora daquele campeonato que normalmente é responsável por mais de 75% do turismo em Portugal, aquele triângulo, Lisboa - Algarve - Madeira, que agora são as áreas mais atingidas, são precisamente as áreas que mais crescimento e atratividade tiveram”, diz, sublinhando que considera que esta “é uma tendência que veio para aqueles portugueses que este ano experimentaram e gostaram e que em 2021 vão repetir e vão aconselhar os amigos”.
Rumo a uma sociedade cashless
O dinheiro é cada vez mais só um número. Deixámos de o carregar nos bolsos e nas carteiras ou até de fazer a parte de baixo do nosso colchão o nosso porquinho mealheiro. Os cartões de multibanco, as aplicações afetas aos mais diversos bancos e os métodos de pagamento integrados nos smartphones fizeram com que as notas e moedas passassem a ser meros números num ecrã, sem formatos, cores ou pesos diferentes. Aquilo que estava a ser uma transação lenta, ganhou um ritmo tremendo, impulsionado pela pandemia.
"2020 acelerou muito ritmo rumo a uma sociedade cashless, ou seja, uma sociedade cada vez com menos dinheiro. Não acredito que o dinheiro físico desapareça, agora, tendencialmente o ritmo a que está a crescer a economia versus o ritmo a que estão a crescer os meios de pagamento eletrónicos... é quase duas vezes o que cresce a economia. Os meios eletrónicos crescem exponencialmente todos os anos e este ano notou-se uma coisa perfeitamente única", explica ao SAPO24 Tiago Oom, diretor da REDUNIQ.
Para justificar o parágrafo anterior, bastaria dizer que em 47 anos de atividade em Portugal, durante o período de confinamento, em 2020, a Unicre teve o melhor ano de sempre no que diz respeito à colocação de terminais. Mas falta o porquê, para deixar tudo em pratos limpos. A resposta é simples, a pandemia, pois claro.
Regra número um da pandemia: menor contacto possível entre pessoas. O que é que circula entre pessoas, de mão para mão? O dinheiro. Esta é a forma mais breve de resumir como é que num entendimento geral enquanto sociedade, de um momento para o outro, largámos o dinheiro para passar a usar maioritariamente os cartões e aplicações para fazer pagamentos — ou não estivessem também na moda os cartões contacless, aqueles em que, até uma transação de 50 euros, basta encostar ao terminal para fazer a compra, qual pin qual quê. Nem de propósito: as transações contacless, que antigamente representavam 7% do total de pagamentos em multibanco, tiveram um crescimento de 350% durante o ano de 2020 e atualmente dizem respeito a 40% do total das transações realizadas.
"Havia uma sapataria, onde eu trabalho, na Avenida António Augusto Aguiar, que antes do confinamento só aceitava dinheiro. Após estarmos em casa, tive de ir arranjar os sapatos que usei durante o confinamento, que estavam todos destruídos e o senhor diz-me, "não se importa de pagar em contacless?", conta Tiago entre sorrisos.
"No mercado, em termos de levantamento de dinheiro nas redes multibanco, a diferença foi brutal. Acho que vai haver uma tendência que é ter dinheiro na reserva e fazer o dia à dia com cartão. Eu hoje em dia já não tenho vergonha, que era uma coisa que existia, de pagar um café com cartão. Antigamente era capaz de ir levantar dinheiro e pagar um café com uma nota de 20 euros porque tinha vergonha de pagar com multibanco. E o comerciante não se importa nada. Já o dinheiro desaparecer completamente, não acredito. É uma segurança, mas está cada vez a ser mais residual e caminhamos a passos largos para uma sociedade cashless", assume.
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