
Com uma política que muitas vezes roça o surrealismo, aquilo que mais chama a atenção neste Brasil em crise - apesar de por vezes ignorado - é que grande parte dos políticos que pedem a cabeça de Dilma Rousseff ou que a defendem como mártir deveriam estar numa situação tão ou mais complicada que a da presidente. Dilma enfrenta um processo de impeachment sob a acusação de ter "maquilhado" as contas públicas em 2014, ano da sua reeleição. Ela não nega as "pedaladas", como a manobra é chamada no Brasil, mas argumenta que presidentes anteriores, governadores e autarcas usaram esses mesmos mecanismos até 2015. "Querem condenar uma inocente e salvam os corruptos", afirmou Dilma Rousseff num artigo publicado neste sábado no jornal Folha de S. Paulo.
Dilma Rousseff e os seus partidários apontam em primeiro lugar o presidente da Câmara de Deputados, Eduardo Cunha, arquiteto do processo que pode levar à sua destituição. As acusações, no entanto, não são capazes de tirar Cunha, do PMDB, do seu cargo. Cunha nega todas as acusações e continua a exercer um enorme poder, enquanto se defende no Comité de Ética da Câmara por supostamente ter mentido sobre contas que manteria na Suíça. Este domingo, Cunha conduzirá a votação crucial que decide se a Câmara dos Deputados abre ou não o processo de impeachment contra Dilma, sua adversária política.
Já o vice-presidente Michel Temer, que eventualmente assumirá a Presidência se a Câmara decidir a favor do impeachment e o Senado o ratificar, está sob suspeita de ter participado em transações ilegais de etanol.
Suspeitas e investigações de corrupção atingem mais de metade dos políticos
Temer e Cunha são os dois políticos que encabeçam a linha de sucessão de Dilma. Depois deles, o presidente do Senado, Renan Calheiros, também tem a sua lista de problemas, incluindo suspeitas de fuir aos impostos e de receber dinheiro de um lobista para pagar a manutenção de uma ex-amante com quem teve uma filha.
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À medida que se desce a pirâmide do poder, a mancha da corrupção transforma-se num oceano, do qual poucos se salvam. A ONG Transparência Brasil calcula que 58,1% dos 513 deputados da Câmara presidida por Cunha enfrentam - ou enfrentaram - acusações, que vão de corrupção a violação e assassinato.
No Senado, onde Dilma Rousseff pode ser finalmente destituída, os números são ainda mais contundentes: pelo menos 60% dos 81 senadores têm, ou tiveram, processos judiciais abertos. O pouco edificante espetáculo formado pelos políticos manchados por escândalos que tentam derrubar a presidente impressionou o juiz do STF Luís Roberto Barroso. Depois de ver como Cunha e outros pesos-pesados do PMDB festejavam a ruptura com o governo, Barroso afirmou: "Meu Deus do céu! Essa é nossa alternativa de governo".
Ex-presidentes sob suspeita
Uma das razões pelas quais os políticos parecem invulneráveis é que os seus casos são julgados pelo respeitado, embora lento, Supremo Tribunal Federal (STF). Outro motivo é a amplitude de uma corrupção arreigada, como demonstra a operação Lava Jato, que envolve poderosos empresários, diretores da Petrobras e políticos de quase todos os partidos. Entre eles, o ex-líder do PT no Senado, Delcídio do Amaral, e o tesoureiro do partido, João Vaccari.
Num país com tanta corrupção - a Transparência Internacional classifica o Brasil em 76º lugar no seu ranking, empatado com o Burkina Faso e a Índia - os envolvidos neste tipo de crime podem estar em qualquer lugar. O ex-senador Gim Argello, por exemplo, foi preso esta semana acusado de pagar subornos no valor de R$ 5,3 milhões (mais de 1,3 milhões de euros) para tentar impedir que alguns empreiteiros fossem convocados para depor nas comissões parlamentares que investigaram irregularidades na Petrobras.
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Os tentáculos da trama também chegaram a ex-presidentes. O ex-presidente Luiz Inácio Lula da Silva é suspeito de ter recebido subornos de construtoras envolvidas no escândalo. E Fernando Collor de Mello teve carros de luxo (um Ferrari, um Porsche e um Lamborghini) apreendidos em sua casa em julho do ano passado.
Entre os políticos importantes do Brasil, Dilma Rousseff é uma das poucas a não ser alvo de acusações. "Aqui temos uma pessoa que não sofre qualquer indagação, qualquer condenação, qualquer acusação em julgamento. E encontramos, entre aqueles que vão julgá-la no Congresso, políticos imputados, acusados, indagados e com expedientes pendentes", defendeu na sexta-feira, em Brasília, o secretário da Organização de Estados Americanos (OEA), Luis Almagro.
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