O observatório é publicamente apresentado na terça-feira, em Lisboa, e pretende ser um “contributo para a monitorização dos direitos das crianças envolvidas em processos judiciais de natureza cível e/ou penal”.

A iniciativa junta a Associação de Mulheres Contra a Violência (AMCV), a Dignidade — Associação para os Direitos das Mulheres e das Crianças, a APC — Associação Projeto Criar e a União de Mulheres Alternativa e Resposta (UMAR) na vontade de criar o Observatório Crianças e Direito(s).

Em declarações à agência Lusa, Elisabete Brasil, da UMAR, explicou que o observatório nasce da constatação “que nem tudo corre bem em termos dos direitos das crianças”, tendo em conta a legislação nacional e as recomendações do comité dos direitos das crianças.

De acordo com a responsável, as várias associações verificaram que, apesar da existência de várias convenções, tanto de defesa dos direitos das crianças, como dos direitos das mulheres, “há ainda um grande corte entre aquilo que são processos de violência doméstica (…) e aquilo que são as decisões em matéria de regulação de responsabilidades parentais”.

Apontou que desde 2015 que foram introduzidas alterações ao nível da lei da regulação e proteção, bem como recomendações no sentido de a decisão jurídica final ter em conta os dois processos.

No entanto, Elisabete Brasil diz que na prática não é isso que se passa e que, na maior parte das vezes, “a matéria crime não é tida em conta”, e que os juízes “regulam as responsabilidades parentais sem ter em conta o crime que lhe deu origem”.

“A maior parte dos magistrados entende que o crime de violência doméstica é uma área distinta da área da família, não há um cruzamento, e que sendo um crime será resolvido no tribunal criminal e que em sede de regulação das responsabilidades parentais não há motivo para se alegar a conflitualidade”, denunciou.

Admitiu que também há casos em que as decisões dos tribunais tiveram em conta os dois processos, mas na maior parte das vezes constatam que “não se faz um cruzamento entre uma decisão e a outra e que na área da família tenta-se que o crime ocorrido e o impacto dessa vitimação não seja transportado”.

“No fundo nega-se uma realidade e decide-se sem ter e conta um contexto que levou à necessidade da existência daquele processo em matéria cível”, sublinhou Elisabete Brasil, acrescentando que isto não vai nem ao encontro do que está definido pela Convenção de Istambul nem dos direitos das crianças.

Deu como exemplo casos de decisões judiciais que vão no sentido de responsabilidades parentais conjuntas ou visitas amiúde quando a mãe é vítima de violência doméstica e está numa casa abrigo juntamente com os filhos, não tendo em conta o contexto e a razão pela qual as crianças estão na casa abrigo com a mãe.

“Há também decisões com medidas de coação de afastamento do progenitor, pela mãe, e que são suspensas no momento da visita. E temos também situações em que as mulheres voltam a ser agredidas à frente das crianças nestes momentos”, adiantou.

Por outro lado, chamou a atenção para as alterações ao Código Civil feitas em 2008 que, em matéria cível, ficaram “ligeiramente aquém” porque deixaram para o juiz avaliar se há ou não uma situação de conflito parental que lhe permita invocar excecionalidade e decidir de forma diferente.

Elisabete Brasil diz que esta é uma “visão imperfeita da realidade” porque há uma ligação entre a matéria cível e a criminal e que, por isso, o Código Civil deveria ser alterado no sentido de clarificar as excecionalidades, não as deixando à mercê da subjetividade do julgador, já que, na prática, a maioria entende que não há conflito.

Perante tudo isto, explicou Elisabete Brasil, o observatório pretende ser uma ferramenta para fazer um levantamento de casos, analisar e, posteriormente, “dar pistas no sentido da melhoria do sistema”.