Haraguchi tinha 11 anos quando o mais forte terramoto já registado no Japão abalou o país em março de 2011, provocando um tsunami que deixou 18.500 mortos ou desaparecidos.

A muralha de água colidiu com a central nuclear de Fukushima, na costa nordeste, causando uma fusão devastadora dos reatores.

Na altura, o jovem estudioso Haraguchi, que cresceu em Osaka, bem longe dali, temia que a radiação tornasse todo o país inabitável.

Mas agora, com 25 anos, o novo habitante da cidade rural de Okuma diz acreditar no futuro da região de Fukushima.

“Todos conhecem o acidente nuclear. Mas poucas pessoas conhecem esta zona e a forma como está a seguir em frente”, disse Haraguchi à AFP, com a pele bronzeada pelo trabalho agrícola.

“Ao cultivar kiwis aqui, quero despertar o interesse das pessoas e mostrar como é realmente Fukushima hoje em dia.”

A região de Fukushima é famosa pelas suas frutas deliciosas — de peras a pêssegos —, mas o desastre nuclear levou muitos japoneses a evitar os produtos cultivados lá.

Mais de 14 anos depois, após um extenso processo de descontaminação que incluiu a remoção de camadas de solo agrícola, as autoridades garantem que os alimentos da região são seguros, tendo sido rigorosamente testados quanto à radioatividade.

No ano passado, pêssegos de Fukushima foram vendidos nos armazéns Harrods, em Londres, enquanto no Japão alguns consumidores passaram a comprar produtos da região para apoiar os agricultores locais.

“A segurança está comprovada”, disse Haraguchi, que frequentemente usa um chapéu de pescador estampado com kiwis. “Acho importante que façamos isto aqui.”

Começar do zero

Haraguchi estudou engenharia de software na universidade, mas sempre sonhou tornar-se agricultor de fruta.

Visitou Okuma pela primeira vez em 2021, num evento destinado a estudantes, e conheceu habitantes locais que procuravam relançar a produção de kiwis como forma de reconstruir a comunidade.

Conheceu também um agricultor veterano, que se mudou após o desastre e cujo sabor intenso dos kiwis o deixou impressionado.

Inspirado, Haraguchi voltou muitas vezes para fazer investigação antes de lançar o seu projeto, chamado ReFruits, com um sócio que se formou recentemente numa universidade de Tóquio.

Juntos, gerem 2,5 hectares de terreno e esperam colher os primeiros kiwis no próximo ano.

Para Haraguchi, a destruição sofrida pela região de Fukushima não representa um obstáculo, mas sim uma oportunidade.

“Como tudo chegou a zero, temos agora a possibilidade de testar novas ideias desafiantes”, afirmou.

Após o desastre, a contaminação radioativa obrigou os 11.000 habitantes de Okuma a abandonar as suas casas.

No total, em toda a região de Fukushima, cerca de 80.000 pessoas foram evacuadas por ordem das autoridades, enquanto outras 80.000 saíram voluntariamente.

Desde então, os reatores da central afetada foram estabilizados, embora os trabalhos de desmantelamento devam durar várias décadas.

Partes de Okuma, anteriormente interditas, foram consideradas seguras para o regresso de residentes em 2019.

Apenas uma pequena parte da população original voltou — mas novos habitantes, como Haraguchi, estão a instalar-se, aproveitando os subsídios do governo para habitação e apoio a negócios.

Atualmente, das cerca de 1.500 pessoas a viver em Okuma, mais de 1.000 são recém-chegadas, incluindo centenas de trabalhadores da central, mas também agricultores e até startups tecnológicas.

Testes de radiação

Hoje em dia, dezenas de sensores monitorizam os níveis de radiação em Okuma, que se mantêm dentro dos limites oficiais de segurança, embora ainda sejam mais elevados do que noutras zonas afastadas da central nuclear.

Algumas áreas, como encostas não utilizadas, continuam interditas.

Na quinta de Haraguchi, análises ao solo indicam um nível ligeiramente elevado de radiação, mas dentro dos padrões alimentares aceites a nível internacional.

Testes feitos a fruta da região também demonstraram que os níveis de radiação são suficientemente baixos para consumo, segundo o governo.

Kaori Suzuki, responsável do grupo de ciência cidadã “Mothers' Radiation Lab Fukushima – TARACHINE”, alerta, no entanto, que podem existir riscos, agora ou no futuro.

Entre outras atividades, o grupo realiza os seus próprios testes de radiação no solo e nos alimentos para ajudar os habitantes que optam por consumir produtos locais.

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“Embora a decisão do que comer seja individual… é melhor manter alguma cautela, porque as pessoas relaxaram bastante”, disse.

Haraguchi, que tem viajado para o estrangeiro para partilhar a sua história e a da região, espera que o seu trabalho ajude, eventualmente, a aliviar receios em relação às frutas de Fukushima.

“Não precisamos de forçar os nossos produtos a quem se sente inseguro com esta zona e os seus cultivos”, disse, sublinhando o seu compromisso com a transparência.

“Temos de vender os nossos produtos a quem compreende o que está em causa.”