A economia falou mais alto e na altura de votar os eleitores indecisos quiseram saber mais dos preços e da imigração do que da agenda woke. Donald Trump, que em Janeiro assumirá a presidência dos Estados Unidos, promete acabar com a inflação ao mesmo tempo que garante que vai aumentar as tarifas aduaneiras.
As duas medidas podem ser contraditórias - ao aumentar as tarifas aduaneiras Trump está a contribuir para a subida dos preços -, mas o problema maior é que os Estados Unidos são o principal destinatário das exportações da União Europeia, 502,3 mil milhões de euros em 2023, 20% do total. E são o quarto maior mercado para Portugal, depois de Espanha, de França e da Alemanha.
"A poupança dos europeus (que são mais ricos quando comparados com o resto do mundo) continua a sair para investir nos Estados Unidos e fazer aí crescer os negócios"Clara Raposo
As tarifas aduaneiras universais de 10% sobre todas as importações dos EUA podem representar uma dor de cabeça para a UE e perturbar significativamente o crescimento europeu, nomeadamente em setores como o automóvel, e intensificar a divergência da política monetária, ou seja, enfraquecer o euro.
"A poupança dos europeus (que são mais ricos quando comparados com o resto do mundo) continua a sair para investir nos Estados Unidos e fazer aí crescer os negócios, em vez de os cultivar e desenvolver na Europa, o que pode não ser uma estratégia de futuro", alerta a vice-governadora do Banco de Portugal, Clara Raposo.
"A previsibilidade de políticas dos Estados Unidos deixou de ser o que era. Tudo pode acontecer. Não temos certezas, mas em termos económicos, é possível termos mais tarifas, maior protecionismo e mais dívida. Algumas empresas exportadoras poderão ter de rever os seus planos se dependerem desse mercado, mas nada é certo", continua.
Mas também há certezas. "A União Europeia sabe hoje melhor do que nunca que o nosso sucesso económico depende de nos entendermos e de sabermos ganhar escala dentro das nossas (muitas) fronteiras, de termos uma estratégia para nos podermos assumir como uma potência económica com liderança. Isso implica aprofundar a União e gerar capacidade e vontade de investir (capital público e privado), com o grau de risco e inovação adequados, dentro do nosso espaço", considera a vice-governadora.
"Os americanos não querem saber da Europa" João Duque
"A eleição de Donald Trump significa uma coisa: a vida como a conhecemos hoje – em particular na Europa - vai mudar. Com a eleição de Kamala Harris seria previsível de que forma os Estados Unidos iriam conduzir política comercial e diplomática, enquanto aliados e parceiros da União Europeia nas grandes causas. Com a eleição de Donald Trump, ficamos a saber que não será assim", resume Clara Raposo.
No meio do caos, "temos guerras aqui ao lado, alterações climáticas a darem sinais evidentes de impacto desastroso e dependência de gigantes tecnológicos americanos", Clara Raposo tem esperança: "Talvez a necessidade aguce o engenho e na Europa tomemos as rédeas do nosso futuro comum".
João Duque, presidente do ISEG, é mais cético. "Somos desorganizados e por isso menos eficientes. E gastamos mais dinheiro", diz. E vai mais longe: "Os americanos não querem saber da Europa. Antes vinham à Europa para lutar pelo ocidente, agora só sonham em ir a Washington, a Nova Iorque e à Disneylândia".
Numa coisa está de acordo, Trump é imprevisível. E se critica o candidato republicano pelo populismo - "há um problema, como a inflação, e Trump diz "eu resolvo", sem explicar como, quando, se as soluções fossem fáceis, os problemas já tinham sido resolvidos" -, também critica a União Europeia: "A UE acha que o seu modelo é que é bom, ela é que é democrata, socialmente orientadas, moralista, solidária, igualitária, mas não está a pagar esse modelo. Temos de pagar o modelo que queremos, não podemos impingir a fatura aos outros".
Já o ex-ministro das Finanças, Eduardo Catroga, diz que não vê "diferenças substanciais nas políticas económicas, mas Trump aparece à partida como mais protecionista. Talvez seja uma posição negocial, pois ele é um homem de negócios, disposto a defender os seus objetivos, mas também disposto a fazer cedências".
Também Eduardo Catroga considera que o maior risco é Trump ser "psicologicamente imprevisível". Ainda assim, acredita que "o bom senso vai prevalecer" e a subidas das tarifas aduaneiras não será uma "política duradoura", até porque "o proteccionismo generalizado nunca foi uma solução".
E escava mais fundo a questão europeia: "Existe um ambiente de desconforto na Europa, mas a UE não sendo uma união política nunca terá a força dos EUA. Mas deverá procurar o reforço da unidade transatlântica e de entender que precisa de políticas mais viradas para os mercados para reforçar a economia das suas empresas, a inovação, e a defesa e segurança no quadro da sua aliança tradicional com os Estados Unidos" e assim vencer "na competição com as autocracias".
"O futuro da União Europeia dependerá dela própria e não dos Estados Unidos"Eduardo Catroga
"O futuro da União Europeia dependerá dela própria e não dos Estados Unidos", afirma o ex-ministro. A UE "tem de aumentar os seus níveis de produtividade e competitividade. Existem muitos diagnósticos e pouca ação neste sentido, a nível europeu e nacional, e as prioridades têm de ser revistas: mais vigor no crescimento económico, na produtividade e na inovação, maior competitividade relativa face aos concorrentes".
Eduardo Catroga também pede "menos fundamentalismo em muitas políticas", como por exemplo "no ambiente, na imigração, na regulação e concorrência ou nas ajudas do Estado", e maior alocação de recursos à defesa e segurança. "É preciso entender que o Estado Social só será sustentável se criar mais riqueza".
De resto, diz, "além de perturbações de curto prazo, os Estados Unidos precisam da Europa e de acordos com a China", pelo que, "a prazo, os seus interesses permanentes guiarão a sua ação". Ou seja, o antigo ministro das Finanças acredita que haverá "perturbações no curto prazo na cena internacional para novos e desejáveis equilíbrios no médio prazo".
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