Desde que as forças de Moscovo invadiram o território ucraniano em 2022, o Telegram, que tem mais de 900 milhões de utilizadores ativos, tornou-se uma plataforma crucial para os blogueiros pró-guerra justificarem a ofensiva e espalharem desinformação na Ucrânia e no Ocidente.
O presidente ucraniano, Volodimir Zelensky, também publica seu discurso noturno diário neste serviço de mensagens criptografadas, embora a aplicação não pareça ter a mesma importância militar para Kiev.
Observadores afirmam que, na ausência de um sistema moderno de gestão do campo de batalha, as tropas russas também passaram a depender do Telegram tanto nas suas operações diárias, como na transferência de inteligência ou na orientação de mísseis.
A prisão do fundador do Telegram em França chocou as autoridades russas e os propagandistas de guerra, que temem que Durov entregue as chaves de encriptação aos serviços de inteligência ocidentais.
"Estão apavorados", disse o especialista em propaganda de Moscovo Ivan Filippov, em referência aos influentes blogueiros pró-guerra com dezenas de milhares de seguidores. "Seria um desastre absoluto" para a Rússia se a inteligência ocidental obtivesse as chaves, acrescenta.
Autoproclamado libertário, Durov defende a confidencialidade na internet e rejeita qualquer tipo de moderação de sua plataforma. Moscovo tentou bloquear o Telegram em 2018, mas desistiu dois anos depois.
Para o blogueiro pró-guerra Andrei Medvedev, o Telegram emergiu como o "principal mensageiro" da invasão russa na Ucrânia, como "uma alternativa às comunicações militares confidenciais".
Segundo Alexei Rogozin, diretor do Centro para o Desenvolvimento de Tecnologias de Transporte em Moscovo, muitos brincaram que a prisão de Durov seria equivalente à "prisão do diretor de comunicações das Forças Armadas" russas.
"A transferência de inteligência, a correção de curso de artilharia, a transmissão de vídeo de helicópteros e muitas outras coisas são, de facto, muitas vezes realizadas com a ajuda do Telegram", explica.
"Preso ao passado"
Mikhailo Samus, diretor da Rede de Pesquisa sobre Nova Geopolítica, com sede em Kiev, afirmou à AFP que embora a Rússia tenha sistemas de comando e controlo, "eles não são eficazes no campo de batalha" e que o "Exército russo está preso ao passado".
Samus observa que as forças ucranianas confiaram com sucesso no Delta, um sistema de gestão de campo de batalha desenvolvido por Kiev em colaboração com a NATO.
Embora os observadores militares não esperem que a detenção de Durov tenha repercussões imediatas na guerra, poderá estimular o desenvolvimento de sistemas alternativos de comunicações criptografadas na Rússia.
Medvedev diz que agora é "vital" para os militares russos criar o seu próprio sistema de mensagens militares, visto que "é difícil prever quanto tempo o Telegram continuará" com sua configuração atual.
"Arma de guerra"
França emitiu um mandado de prisão contra Durov no âmbito de uma investigação por supostos crimes de fraude, tráfico de drogas, assédio cibernético, crime organizado e promoção de terrorismo. É acusado de inação para impedir o uso criminoso do Telegram.
O Kremlin declarou esta terça-feira que as acusações são "muito graves" e alertou França para que não tente "intimidar" Durov.
A equipa e os apoiantes do falecido líder opositor russo Alexei Navalny também usam ativamente o Telegram, e a prisão de Durov dividiu posições.
Muitos críticos do governo russo consideraram as ações de França um ataque à liberdade de expressão, enquanto outros afirmaram que o Telegram deveria ser mais responsabilizado.
O jornalista búlgaro Christo Grozev, que investigou os serviços de inteligência russos, declarou que eles usaram o Telegram para recrutar sabotadores e planear "atos terroristas".
Já para o Fórum Rússia Livre, fundado pelo crítico do Kremlin e ex-campeão mundial de xadrez Garri Kasparov, Durov permitiu "voluntariamente ou involuntariamente" que o Telegram se tornasse uma "arma de guerra", acrescentando que espera que a aplicação deixe de ser uma "ferramenta" bélica para Putin.
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