Durante mais de quatro horas de alegações no debate instrutório do processo Operação Marquês, o advogado José António Barreiros tentou desmontar todas as imputações feitas contra Zeinal Bava (corrupção passiva, branqueamento de capitais, falsificação de documentos e fraude fiscal qualificada), rebatendo aquilo que considera ser uma narrativa acusatória errática e incoerente do Ministério Público (MP).
“Coerência é coisa que não subjaz à acusação”, disse Barreiros nas alegações, criticando ainda a “lógica errática [da acusação] que sustenta a imputação de corrupção”, justificando que a transferência de 25,2 milhões de euros pelo Grupo Espírito Santo para contas nominais de Zeinal Bava têm explicação e fundamento num contrato (que começou por ser verbal) com o então presidente do BES e agora arguido Ricardo Salgado.
O advogado insistiu que o contrato é genuíno e não forjado como diz a acusação e que nunca houve a intenção de Zeinal Bava de “camuflar ou esconder o destino do dinheiro”, sendo que o ex-presidente executivo da PT devolveu mais de 18 milhões de euros em 2014 à Espírito Santo Internacional (ESI), embora ficando com 6,7 milhões de euros porque era essa a parte a que tinha direito a receber nos termos do contrato.
A defesa insistiu que os milhões transferidos pelo GES destinavam-se a que Zeinal Bava pudesse comprar ações da PT quando esta empresa fosse privatizada, tanto mais que o antigo presidente executivo da PT – que já detinha mais de 63 mil participações da PT – pretendia tornar-se num acionista crescente da empresa.
José António Barreiros alegou que o investimento de Bava com esse dinheiro não chegou a concretizar-se porque a privatização da PT foi “deferida no tempo”, ou seja, sofreu atrasos.
A acusação sustenta que, após as detenções no caso Operação Marquês em 2014, Bava, numa jogada de antecipação, resolveu adiantar-se e devolver o dinheiro (18,2 milhões de euros), utilizando para o efeito um contrato forjado, que lhe valeu a imputação do crime de falsificação.
Pelo contrário, Barreiros alega que “nunca esteve em causa a devolução do dinheiro” e apontou a ausência de quaisquer “contrapartidas” na questão da transferência do dinheiro pelo GES para que se possa falar do crime de corrupção passiva por parte do ex-administrador da PT.
O advogado refutou também o crime de branqueamento de capitais, notando que o dinheiro do GES entrou em “contas nominais” de Bava, pelo que não houve intenção de ocultar nada, logo a imputação daquele crime não faz qualquer sentido.
Contestou também o crime de fraude fiscal imputado a Bava, alegando que o dinheiro em causa não são “valores tributáveis”, pelo que a acusação neste aspeto também não tem “consistência ou coerência”.
José António Barreiros alegou ainda que o ex-administrador da PT não possui o estatuto de “funcionário público”, como defende a acusação, apresentando argumentos e legislação em torno das funções da PT como empresa.
A defesa negou que Bava tivesse ajudado Salgado ou interferido junto do então primeiro-ministro, José Sócrates, no sentido de levar ao fracasso a OPA da Sonae sobre a PT, alegando que a “OPA da Sonae pôs a PT em perigo” e que Bava foi alheio à votação da Assembleia Geral da PT que chumbou a OPA. Alegou ainda que o voto da Caixa Geral de Depósitos (CGD), acionista da PT, foi irrelevante para o desfecho final.
Citando palavras de Bava no processo, o advogado referiu que “o que a Sonae queria era negociar com o pelo do cão”, ou seja “comprar a PT através do endividamento da própria PT, utilizando o dinheiro da operadora para o efeito. Mas nestas situações – ironizou Barreiros – “há sempre o risco de sermos tosquiados”, numa alusão à Sonae.
Durante as alegações, a defesa alegou ainda que “Bava foi sempre contra a alienação da Vivo (operadora brasileira)” e que desconhecia que o “GES tinha intenção de investir na OI (outra operadora brasileira)”, refutando igualmente que Bava tivesse tido encontros com políticos brasileiros para discutir a entrada da PT na OI, negócio este que viria a ser ruinoso para a PT.
Quanto aos investimentos da PT no Grupo GES, incluindo na Rioforte, José António Barreiros afastou também quaisquer responsabilidades de Bava na escolha dessas participações, focando baterias no ex-diretor financeiro da PT Carlos Cruz e em outros responsáveis do departamento financeiro.
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