Peixe-escorpião, peixe-morcego e peixe-lagarto são exemplos de alguns nomes de animais marinhos que remetem a animais terrestres. Mas os exemplos não ficam por aqui, e muitos são nomeados com base em jóias ou objetos, como é o caso do tubarão-martelo.

Para Emanuel Gonçalves, membro do conselho de administração e cientista-chefe da Fundação Oceano Azul, isto é indicativo do afastamento que existe entre os humanos e o oceano. "Existe uma desconexão fundamental entre nós e o oceano porque não vivemos lá", diz o cientista, aquando da quarta edição da Global Exploration Summit (GLEX), cimeira que ocorreu em Angra do Heroísmo, nos Açores, entre o dia 14 e 16 de junho, na qual o SAPO24 esteve presente.

Um predador terrestre, como o leão, faz-nos pensar em vida selvagem e representa a natureza, explica Emanuel Gonçalves. Pelo contrário, o atum, que é um predador do oceano, é visto como alimento ou como recurso. Na opinião do cientista, é preciso resolver esta desconexão.

Antes de mais, porque apesar de "o oceano ser invisível para a maior parte da sociedade", sem os oceanos "o planeta não seria habitável", o que demonstra a sua importância. E, depois, porque o ser humano está a destruir o planeta, sendo que "as evidências não poderiam ser mais claras". Segundo Emanuel Gonçalves, a situação está a acelerar, todos os recordes estão a ser quebrados e o estado do planeta está a ficar totalmente fora de controlo.

As ondas de calor estão a acontecer com cada vez mais frequência, um pouco por toda a parte, e também afetam os oceanos. De acordo com o cientista, se se observarem os níveis de CO2 na atmosfera, é muito clara a pegada humana e o resultado da evolução industrial. As mudanças afetam os oceanos, onde nas próximas décadas será cada vez mais difícil habitarem espécies que dependem de um oceano estável. Por exemplo, alguns grandes predadores já não podem andar em águas tão profundas porque não há oxigénio suficiente.

"Estamos a caminhar para o apocalipse. E sabemos que estamos a caminhar para o apocalipse porque temos a evidência. Temos ciência que nos mostra o que se está a passar. E não temos 200 mil problemas para resolver. Temos dois. Temos a emergência climática, que precisamos de enfrentar, mas menos conhecida por todos, temos uma crise de extinção de espécies", explica o cientista, sublinhando que "não podemos continuar a alegar que não sabemos o que estamos a fazer".

Cabo Pulmo, no México, era uma área desértica quando as comunidades decidiram unir-se, há 20 anos, para proteger o oceano, e agora é uma zona turística, explica. Nos Açores, o programa Blue Azores, que nasceu de uma parceria entre o Governo Regional, o Instituto Waitt e a Fundação Oceano Azul, gere 30% do mar dos Açores através de áreas marinhas protegidas, promove o uso sustentável dos recursos e dinamiza empregos azuis.

Emanuel Gonçalves diz ao SAPO24 que acredita ser possível valorizar os Açores de forma sustentável, ao qualificar a natureza, proteger o mar e evitar a destruição, degradação e extinção. "Se nada fizermos, o que conhecemos hoje vai desaparecer", diz o cientista. "O mar ainda é uma área selvagem, vibrante, mas com muitos riscos se não tomarmos as ações corretas".

O fascínio pelo mar é partilhado por Nuno Sá, diretor de fotografia subaquática. Estava a tirar um curso de direito na Universidade de Lisboa quando teve a primeira aula de scuba diving. "Abriu-me um novo mundo e apaixonei-me imediatamente pelo oceano", conta o fotógrafo aquando da cimeira na ilha Terceira, na qual o SAPO24 esteve presente. Marcou uma primeira viagem com amigos às ilhas Flores e Corvo, nos Açores, onde sentiu que estava a viver experiências no mar completamente únicas. "Era como se fosse completamente inexplorado, como um oásis no meio do Atlântico que ninguém conhecia realmente".

Depois de terminar o curso, com a sensação de que nunca seria feliz num escritório ou num tribunal, e fascinado com viver em contacto com o oceano, comprou um bilhete para São Miguel - desconfiado de que as ilhas mais pequenas talvez fossem "demasiado pequenas" para alguém que vinha de uma grande cidade - e arranjou o primeiro trabalho numa empresa de observação de baleias. "Foi surreal, porque eu nunca tinha visto uma baleia ou um golfinho na minha vida".

Começou a estudar biologia marinha numa universidade local, e a explorar as águas dos Açores, que são casa para cerca de um terço de todas as espécies de golfinhos e baleias que existem no mundo. "Todos os dias era algo novo, algo que eu nunca tinha visto, e uma nova experiência", conta o fotógrafo, que começou com uma câmara muito modesta numa altura  onde o dinheiro não era muito, e o investimento em equipamento requeria tempo.

Primeiro pedia favores entre as diferentes ilhas, depois investiu no seu próprio barco, pequeno e antigo, para fazer explorações. "Lembro-me das orcas virem diretas a mim, e eu pensar que devia ter tirado um minuto para pesquisar no Google se as orcas comem seres humanos", contou Nuno Sá, a rir. "Hoje em dia sei que nunca houve um ataque de orcas em qualquer parte do mundo, exceto em cativeiro".

As explorações continuaram, e os prémios começaram a surgir. Tornou-se fotógrafo profissional subaquático em 2008, publicou livros e exibiu imagens em museus de história natural. Em 2012, apostou no vídeo e criou a produtora nacional especializada em imagens subaquáticas Atlantic Ridge Productions. Desde então, já trabalhou com a BBC, a National Geographic Channel, entre outros canais de televisão internacionais. Fez parte da série da BBC - Blue Planet 2, e foi premiado em 2018 com o BAFTA Award e um Panda Award. Nuno Sá também foi reconhecido pelo Governo Regional dos Açores pelo seu papel ativo na promoção da conservação da vida marinha.

"Eu tento, sempre que tenho tempo entre expedições, fazer documentários sobre a vida marinha em Portugal. Assim, posso promover a consciencialização da marinha local". O fotógrafo acredita que, deste modo, as pessoas vão perceber o lugar especial em que vivem.

"Recentemente percebi que estava a viver o sonho. Aconteceu especialmente em janeiro, quando estava a chegar à Antártida pela primeira vez", conta Nuno Sá, enquanto mostra um vídeo que também publicou no seu Instagram. "Eu estava simplesmente sentado e a pensar: 'Consegui mesmo. Estou a explorar as partes mais remotas do nosso planeta e estou finalmente a viver a vida que sonhei'".

No dia seguinte, as condições atmosféricas eram extremas. O colega que o acompanhava nas gravações perguntou-lhe se estava a conseguir focar a câmara no pinguim, ao que Nuno Sá respondeu: "Eu nem sequer consigo ver o pinguim". Como explica, mal pôs a cabeça debaixo de água, em menos de um segundo a máscara congelou e tornou-se impossível ver alguma coisa.

"Claro que às vezes um sonho também se pode tornar num pesadelo", diz o fotógrafo. "Fomos atingidos por uma das maiores tempestades dos últimos anos" e o navio ficou de tal modo danificado que tiveram de cancelar a expedição sem conseguir fazer uma única filmagem. "Gravei uma mensagem para a minha mulher e os meus filhos a dizer adeus (...) Pensei que não íamos sobreviver, mas felizmente sobrevivemos".

As maravilhas dos oceanos, a riqueza dos Açores e as experiências no mar foram alguns dos temas explorados nesta cimeira organizada pela Expanding World, com a curadoria do The Explorers Club, de Nova Iorque, no ano em que passam 187 anos da visita de Charles Darwin à ilha. Numa reunião que uniu exploradores do planeta e pioneiros da exploração espacial, a terra, o espaço e o mar foram discutidos sob o mote: O que se segue?

*Pesquisa e texto pela jornalista estagiária Raquel Almeida. Edição pela jornalista Ana Maria Pimentel

** O Sapo24 foi a convite da Expanding World