Em declarações à agência Lusa a propósito do caso sob investigação na Madeira, em que os três arguidos foram detidos há uma semana e apenas hoje começam formalmente a ser interrogados sobre os factos, Cristina Borges de Pinho disse que a prática se tem generalizado em casos mediáticos mais recentes – como a Operação Influencer, que investiga os negócios do Lítio, Hidrogénio e 'data center' de Sines, ou a Operação Picoas, que visou negócios do grupo de telecomunicações Altice -, indo além do prazo legalmente previsto de 48 horas.
“A prática judiciária vem contornando essa obrigatoriedade: interroga o arguido no prazo de 48 horas no sentido da identificação [perante o juiz], dá a conhecer um ou outro aspeto do processo e tem-se por cumprido o prazo legal. É uma violação evidente dos direitos dos arguidos”, refere a presidente da CDHOA, traçando uma distinção entre um cumprimento formal e um incumprimento material do prazo.
Segundo Cristina Borges de Pinho, é necessário encontrar uma de duas soluções, apontando a prioridade ao respeito pelos direitos dos arguidos detidos.
“A situação seria terminar a detenção e instituir desde logo uma medida que permitisse a localização dos arguidos e assegurar a sua liberdade. Ou então assumamos que o prazo tem de ser alargado, por insuficiência de meios humanos e técnicos para o interrogatório. O que seria pior”, frisou a presidente da CDHOA.
Sublinhando que os advogados têm contestado esta prática, Cristina Borges de Pinho recusou considerar que tal situação seja uma manobra deliberada para se conseguirem confissões dos arguidos detidos, preferindo apontar como motivo a crescente complexidade dos designados megaprocessos.
“Julgo que o excesso não é propositado pelos magistrados do Ministério Público [MP] para obter confissões, não vou nessa teoria da cabala de meter os arguidos numa situação de desconforto. Entendo também que em situações de megaprocessos possa ser difícil para os magistrados do MP gerirem a volumetria. Não sei neste caso concreto o que se passa”, disse.
A Ordem dos Advogados divulgou também hoje um comunicado no qual assumiu a sua preocupação com detenções sem conclusão do primeiro interrogatório num prazo razoável, defendendo que a privação de liberdade dos detidos deve ocorrer “apenas e sempre pelo tempo estritamente necessário” e que é necessário preservar a presunção de inocência.
“Não é aceitável que este tipo de atuação se torne frequente e banalizada, seja em casos mediáticos seja em processos contra o/a cidadão/ã anónimo/a”, vincou a Ordem, acrescentando: “A Ordem dos Advogados espera que este tipo de atuação seja revisto rapidamente e todos os agentes da justiça percebam (…) que situações como estas não podem continuar a existir”.
O ex-presidente da Câmara do Funchal, Pedro Calado (PSD), e os empresários Avelino Farinha, líder do grupo de construção AFA, e Custódio Correia, principal acionista do grupo Socicorreia, foram detidos na passada quarta-feira e estão a pernoitar no estabelecimento prisional anexo à Polícia Judiciária, em Lisboa, até serem conhecidas as medidas de coação.
Em causa nas investigações ligadas à região autónoma da Madeira estão, sobretudo, matérias ligadas à contratação pública, que levantam suspeitas de corrupção ativa e passiva, participação económica em negócio, prevaricação, recebimento ou oferta indevidos de vantagem, abuso de poderes e tráfico de influência.
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