A iniciativa em questão é o projeto sem fins lucrativos Portugal-UK 650, criado com o propósito de celebrar os 650 anos da Aliança Luso-Britânica. Inicialmente o objetivo era simples: unir a sociedade civil em volta da união de dois países.
Ao contrário de Portugal, o Reino Unido já desenvolve este tipo de projetos com bastante frequência, recorrendo a financiamento privado, patronos e doações para financiar uma iniciativa. Por isso, como convencer a sociedade portuguesa a responder ao chamamento?
Em entrevista ao SAPO24, a investigadora conta-nos que não foi uma tarefa fácil que exigiu muito trabalho, em especial com uma equipa pequena. Porém, o resultado não podia ter sido melhor, reuniram-se 210 instituições, que fizeram 57 atuações culturais, colaboraram com 1500 artistas e desafiaram 240 académicos a desenvolver conteúdos para enriquecer a mensagem da aliança.
Mas não se ficou por aqui. Maria João Araújo ainda criou um projeto social na Índia, agregado ao Portugal-UK 650, tendo em conta a ligação de ambos os países com esta parte do mundo. O projeto em questão foi uma angariação de fundos para a Associação Novo Diálogo/New Dialogue Organization, uma organização não governamental presente em Portugal e no Reino Unido que promove os valores sociais, os direitos humanos e ajuda crianças em necessidade em várias partes do mundo.
Além deste projeto, mostra particular orgulho na parceria com o English National Ballet, com o Conservatório de Música Calouste Gulbenkian e com o Guildhall School of Music & Drama, um dos conservatórios mais prestigiados o Reino Unido, bem como em todos os projetos ligados à cultura que foi desenvolvendo desde 2018.
A entrevista com o SAPO24 foi feita no dia a seguir ao culminar destes anos de trabalho, depois de celebrar o Tratado de Paz, Amizade e Aliança, selado na Catedral de São Paulo, em Londres, a 16 de junho de 1373, na companhia do Rei de Inglaterra, Carlos III, e do Presidente da República, Marcelo Rebelo de Sousa.
Ao fechar esta página, disse que esta missão estava cumprida, e respondeu às nossas perguntas sempre a falar do futuro e do trabalho que ainda está para vir.
O encontro entre Carlos III e Marcelo Rebelo de Sousa fez o mundo olhar para o Portugal-UK 650. Como correu a cerimónia?
De facto, a cerimónia desta quinta-feira foi um sucesso, tanto que saiu destacada na maior parte da imprensa internacional, desde o Evening Standard, até ao The Times. Mas talvez a coisa mais importante a salientar é o facto de poder reconhecer o trabalho de todas as instituições e organizações que trabalharam connosco desde 2018.
Naquele dia, na Capela da Rainha do Palácio de Saint James, estavam dois chefes de Estado, mas estava sobretudo em peso um conjunto de organizações que colaboram connosco e o clima era de agradecimento.
Tenho a agradecer à equipa do Palácio de Buckingham que foi excepcional para com a nossa organização, transferindo inclusivamente a parada militar prevista para Saint James para os terrenos do Palácio.
Foram 25 militares portugueses representar as nossas forças armadas no quadrangulo do palácio, houve uma revista de tropas e disseram-me que quase nunca fizeram isto por nenhum país.
"Foi um sucesso e agora só nos resta pensar no futuro e como vamos levar este projeto a novos portos"
A sensação é de missão cumprida?
Missão totalmente cumprida, não posso mentir. Tinha um Rei e um Presidente extremamente contentes na mesma capela, queriam saber de tudo, falaram com todas as pessoas e leram todos os briefings previamente fornecidos, e fizeram perguntas. Foi um sucesso e agora só nos resta pensar no futuro e como vamos levar este projeto a novos portos.
Esteve presente o coro da Casa Real e o coro da Universidade de Oxford da King’s College, dirigido pelo maestro Owen Rees, especialista em musica inglesa e portuguesa do século XIV a XVI. Cantaram em português, até o Rei os elogiou e foi tudo perfeito.
Durante todo este tempo qual foi a atividade que mais marcou o Portugal-UK 650?
É difícil escolher uma das 300 atividades que organizámos, mas se tivesse de nomear uma talvez a colaboração com o English National Ballet, que também esteve presente nas comemorações e que em colaboração connosco criou o projeto “Dança em Perpetuidade”, que estreou o ano passado em Braga e agora está prestes a começar no Reino Unido.
O tema desta performance é precisamente a união que existe nesta aliança e os valores comuns como a amizade, a paz, entre outros. São 45 minutos de música em português e inglês com valores comuns de diálogo intercultural, amizade e colaboração entre culturas.
O mais fascinante é que eles já me ligaram a propor um programa para o próximo ano, querem continuar o legado.
E quanto aos resultados, em retrospetiva, quantas pessoas beneficiaram com as iniciativas?
Não sei precisar, mas acredito que tenhamos chegado a milhões de pessoas. Recordo que envolvemos 1500 artistas, entre 57 espetáculos e 14 estreias mundiais, e houve 240 académicos envolvidos em projetos de investigação e oradores de conferências. Foi muita gente a produzir coisas para uma só causa em regime de voluntariado.
Qual o momento mais comovente?
O Conservatório de Música Calouste Gulbenkian colocou toda a escola a trabalhar connosco, fizeram uma obra para o Portugal-UK 650, com artistas de todos os níveis de ensino, incluindo orquestra, coro, composição e estúdio de ópera. Foi toda uma escola a trabalhar por um objetivo comum pela Aliança, pela nossa ideia. Estavam todos felizes, comoveu-me.
E depois fizemos um projeto na Índia para crianças desfavorecidas, em Kandhamal, Odisha. Escolhemos este sítio porque tem fortes relações históricas com ambos os países, tendo em conta que Mumbai foi parte do dote de casamento da Rainha D. Catarina de Bragança quando se casou com o Rei Charles II do Reino Unido.
Nos concertos promovemos sempre as doações e nas escolas fizemos atividades como chás solidários, desenhos e projetos, que eram organizados para doar a estes meninos na Índia.
Além destas situações, criámos ainda recursos educativos desde a pré-primária em conjunto com o British Council sobre os valores da aliança, para criar novos embaixadores da relação entre os dois países. Não foi um trabalho para ir para a televisão nem para ser falado, mas aconteceu e vai ficar para o futuro gratuitamente.
Por fim, fizemos ainda projetos com hospitais, nomeadamente com pediatrias, numa parceria com a Marinha chamada Marinheiros da Esperança. O objetivo foi encorajar crianças e jovens hospitalizados a consolidar os vínculos entre os povos protagonistas das histórias da História.
Os participantes fizeram trabalhos lindíssimos que foram expostos e foram envolvidos médicos, pacientes, e pais de ambos os países.
No caso deste projeto, ainda envolvemos a Misericórdia do Porto e os alunos do ensino especial, que expuseram trabalhos na Alfândega do Porto, com a exposição a ser inaugurada pelo Embaixador britânico.
Pensando mais no Portugal-UK 650, como é que se convence a sociedade civil a colaborar neste tipo de projeto?
Em Inglaterra é efetivamente normal existirem muitos projetos de mecenato de cariz social como este. Celebram eventos históricos, alianças, projetos de solidariedade, monumentos, eventos culturais, entre outros. Em Portugal a realidade é bem diferente e até nisso o Portugal-UK 650 foi especial.
"O Portugal-UK 650 é composto por pessoas, empresas e organizações da sociedade civil que se juntaram por uma causa comum"
Demos tudo de coração e todos nos apaixonámos pela causa, é tudo o que posso dizer. Tivemos empresas a apoiar-nos como a Cunha Vaz & Associados, a Sociedade Rebelo de Sousa Advogados, a Lancet, uma agência de comunicação aqui em Inglaterra, a Delta, a Vista Alegre, os CTT, a Taylor's Port, o nosso maior patrocinador que é uma empresa importante para ambos os países, entre centenas de organizações.
Não nos foi atribuído nenhum dinheiro do governo, não custamos nada ao contribuinte em nenhum dos países. O Portugal-UK 650 é composto por pessoas, empresas e organizações da sociedade civil que se juntaram por uma causa comum.
E em termos académicos o que foi produzido?
Como resultado de toda esta iniciativa vai agora sair um livro com 30 artigos académicos, escritos neste contexto. Mas durante todos estes anos tivemos inúmeras conferências, online e presenciais, com a presença de grandes universidades, como Oxford, a Universidade Católica, a Universidade do Minho, entre outras instituições.
No futuro próximo vamos lançar um projeto de investigação com os National Archives de Londres, que é onde estão os principais documentos da Aliança. Fizemos um levantamento de todos os documentos luso-britânicos, fizemos uma nova tradução do tratado para inglês e vamos continuar a investigar e colaborar entre a investigação portuguesa e britânica. É conhecimento multicultural e colaboração intercultural promovida por um projeto social, não podíamos querer melhor.
Como é que tudo começou? Como surgiu a ideia de criar uma organização sem fins lucrativos para celebrar a Aliança?
Bom, foi muito trabalho. O primeiro sítio onde eu fui, em outubro de 2018, foi ao Palácio de Buckingham falar com a Rainha Isabel II, para saber a sua opinião sobre esta minha ideia, e tive logo luz verde para celebrar.
Depois também em outubro reuni-me logo com o primeiro-ministro de Portugal e em novembro com Marcelo Rebelo de Sousa. Nessa altura recebemos logo o apoio institucional do Instituto Camões e do Ministério dos Negócios Estrangeiros.
Depois disso pedi à Igreja de Estado do Reino Unido, a Igreja Anglicana, para se manifestar sobre estas comemorações, e falei com o Arcebispo da Cantuária, Justin Welby, para nos apoiar e imediatamente se juntou a nós para celebrar a paz. Respondeu imediatamente e escreveu uma carta a apoiar-nos. Mais tarde, o Papa Francisco também fez o mesmo e deu a sua benção às comemorações e aos participantes. Foi muito especial.
Seguidamente chegaram os contactos com as empresas, as forças armadas, que prontamente nos apoiaram desde o início, e todos os parceiros das mais diversas áreas desde culturais até universitárias.
Em 2019 foi o nosso primeiro evento, no mesmo sítio onde celebrámos esta quinta-feira - a capela da Rainha em Saint James. Os anos seguintes foram de pandemia, mas nunca parámos, mesmo de forma digital. Promovemos eventos, conferências e fizemos recursos digitais. E em novembro de 2021 começámos de novo a ter eventos físicos e foram mais de 300 até agora.
"A relação entre os dois países, Portugal e Reino Unido, nunca este tão viva. Todos os sítios onde fui em Inglaterra e Portugal acolheram o projeto de braços abertos".
Depois de todos estes anos a trabalhar, que ideia tem da relação entre os dois países?
A relação entre os dois países, Portugal e Reino Unido, nunca este tão viva. Todos os sítios onde fui em Inglaterra e Portugal acolheram o projeto de braços abertos. E o mais importante foi a passagem dos valores da paz, da amizade e da solidariedade.
Estes são valores extremamente necessários hoje em dia, até tendo em conta os problemas que o mundo está a atravessar em termos geoestratégicos.
Nos eventos fazíamos sempre um convite às pessoas, que era: Como é que cada um pode ser embaixador da aliança nos dias de hoje? E a resposta é promovendo estes valores nas nossas comunidades.
O objetivo de trabalhar com recursos desde a pré-primária era precisamente que ficasse um legado para a história e formar embaixadores destes valores desde pequenos. Estas são as futuras gerações que daqui a 50 anos vão manter as relações entre os dois países e vão manter estes valores.
Focamo-nos sempre na ideia de que os dois países tiveram momentos difíceis na sua relação mas superaram-nos, e se tudo fosse assim todos os dias o mundo era um lugar melhor. Fomos um exemplo, e ambos os países beneficiaram.
Que relíquias ficam para o futuro?
Além do trabalho desenvolvido, ficam também um conjunto de obras que produziram os nossos parceiros: temos um prato que oferecemos a Rei e ao Presidente, temos um relógio comemorativo de uma empresa britânica, a Isotope Watches, a Taylor’s Port fez uma caixa especial destas comemorações, vão sair livros, já saiu um livro infantil, foi feita plantação de árvores, um CD com música coral portuguesa e inglesa dirigido pelo Professor Doutor Owen Rees, Diretor Artístico do Portugal-UK 650, um documentário do realizador Martin John Dale, um postal feito pelos CTT, entre muitos outros projetos.
O nosso objetivo com as peças que produzimos era que tudo o que fizemos ficasse bonito e fosse feito com a melhor qualidade. Foi produzido sem nenhum financiamento mas tinha de ser bom, e foi.
De onde surgiu a sua vontade de contribuir pessoalmente para a sociedade?
Eu vim estudar para o Reino Unido em 1992, e fiz este intercâmbio, e também tenho uma amizade pelo Reino Unido pessoalmente. Conheço todas as coisas que nos ligam - o futebol, o chá, a marmelada, a história.
Além disso, todos os meus anos em Inglaterra deram-me acesso a muitos contactos na rede europeia dos serviços educativos de ópera, dança e música, trabalhei com centenas de instituições em todo o mundo, fui relatora da Comissão Europeia na China e tudo isso deu-me um currículo e contactos que me permitiram trazer para estas comemorações.
Também fui responsável pela abertura da Casa da Música, no Porto, e por isso sabia como fazer grandes eventos. Na altura, criámos a Direção de Educação e Investigação e fizemos cerca de 2000 eventos por ano, o que me ajudou a gerir este projeto.
A diferença no projeto Portugal-UK 650 é o orçamento e a equipa limitada e tudo isto é extraordinário.
Quantas pessoas fazem parte desta organização?
"Todas estas pessoas trabalharam de coração, gratuitamente, sem receber nenhum dinheiro e tudo através da sociedade civil. Foram envolvidas centenas de pessoas"
Temos uma estrutura pequena. Sou eu, como presidente, e depois existe uma comissão coordenadora composta por um representante de cada governo e o Presidente da Câmara Municipal de Braga e de Vizela, porque foram sítios onde aconteceram comemorações.
Temos ainda o professor Owen Rees como diretor artístico, um conselho científico composto por sete personalidades académicas, e um conselho pedagógico com três colaboradores.
De seguida, segue-se toda uma equipa executiva e os inúmeros parceiros que nos forneceram a assessoria mediática, apoio legal, financeiro, entre outras áreas.
Mas destaco: todas estas pessoas trabalharam de coração, gratuitamente, sem receber nenhum dinheiro e tudo através da sociedade civil. Foram envolvidas centenas de pessoas, posso afirmar.
Quais as maiores dificuldades durante este processo?
Desde que começámos, em 2018, aconteceram 8 mudanças de governo, uma pandemia, a crise financeira, a guerra e o Brexit, que separou bastante os dois países. Tudo contra nós mas chegámos aqui, e posso dizer que a missão ficou cumprida. Foi um dos projetos mais exigentes da minha vida, mas sei que foi um trabalho bem feito.
Porque é que muitas coisas aconteceram sem sair na comunicação social?
Muitas vezes, eram tantos eventos que não tínhamos tempo para estar sempre a partilhar com a imprensa. O nosso objetivo era fazer diferença no terreno.
Este evento com o Rei e com o Presidente da República foi o mais mediático porque eles são personalidades incomparáveis, ambos, e a isso não se pode fugir.
Como reagiu a sociedade portuguesa à realidade do mecenato, algo tão britânico?
"Normalmente [estas comemorações] parte do Estado para a sociedade civil mas aqui foi ao contrário. A iniciativa civil deve ser valorizada. Em Portugal isto é raro e foi bom conseguirmos. É uma história de união como a Aliança"
É importante salientar que desde o início foi claro que não íamos pagar staff e, logo aí, percebemos que iria ser tudo menos custoso. E depois as pessoas perceberam que tudo o que estavam a dar era diretamente investido nas causas e nos eventos. Não se gastou em coisas materiais ou supérfluas.
O apoio das Câmaras e das autoridades também foi importante, isto é que não é comum. Normalmente parte do Estado para a sociedade civil mas aqui foi ao contrário. A iniciativa civil deve ser valorizada. Em Portugal isto é raro e foi bom conseguirmos. É uma história de união como a Aliança.
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