Dados avançados de 2019 avançados à agência Lusa indicam que o gabinete de Ponta Delgada (ilha de São Miguel) da Associação Portuguesa de Apoio à Vítima (APAV) registou um total de 1.011 atendimentos a 285 vítimas de 1.048 crimes.
Maria José Raposo, coordenadora da UMAR — União de Mulheres Alternativa Resposta/Açores alerta que a pandemia originou casos com “contornos mais severos”, por exemplo de mulheres “com mais de 60 anos, que toda a vida tiveram na conjugalidade comportamentos graves de violência e chegaram uma altura em que, física e psicologicamente, já não conseguem suportar tamanha violência”.
Para a responsável, a elevada incidência de casos de violência doméstica nos Açores poderá ser justificada por padrões de uma “sociedade patriarcal” incutidos e “transmitidos pela mãe ou pelo pai”.
Isto faz com que as vítimas “minimizem todos os sinais de violência conjugal”, submetendo-se a comportamentos agressivos, descreveu.
“Estamos ainda com resquícios bastante acentuados de uma sociedade patriarcal, em que o homem ainda prevalece nas relações. Se isto for incutido às raparigas, elas partem para aquela relação já em desigualdade. Portanto, vão ser submetidas a uma subjugação emocional, física, psicológica, económica e financeira”, explicou à Lusa a coordenadora da UMAR/Açores.
Paralelamente à violência conjugal, a técnica de apoio à vítima da UMAR revela ainda a existência com “muita frequência” de casos de violência dos filhos sobre pais, em concreto “sobre as mães” e que “têm muito a ver com consumos de álcool e outras substâncias”.
Apontando uma “ligeira diminuição no número de processos de apoio de 2019 para 2020”, a gestora do gabinete de apoio à vítima da APAV de Ponta Delgada, Raquel Rebelo assinala que “os casos tiveram uma maior severidade”.
Este ano ainda não existem números totais, mas a APAV assinala “um aumento” de situações, cuja “complexidade de atuação se manteve”.
A ilha de São Miguel, onde está situado em Ponta Delgada o gabinete de apoio à vítima da APAV, tem perto de 80% dos de casos de violência.
Mais de 80% das vítimas foram do sexo feminino, enquanto os restantes pertenciam ao sexo masculino.
As denúncias surgem “via contacto telefónico, através da própria vítima e da comunidade, nomeadamente vizinhos, conhecidos, amigos, familiares, e até de colegas de trabalho”, segundo dados da APAV.
Relativamente às faixas etárias, as vítimas mais frequentes têm entre os 25 e os 54 anos de idade. Na maioria dos casos, os agressores são cônjuges ou ex-cônjuges.
Em 2020, ano que abrange a pandemia de covid-19, a APAV “apoiou 250 pessoas vítimas de crime”.
“Há uma tendência de aumento a nível de processos e a severidade continua a manter-se comparativa a 2020”, sublinha Raquel Rebelo.
Em causa estão situações que “já vinham ocorrendo”, mas que se intensificaram com o confinamento e a convivência mais permanente entre as vítimas e os agressores, levando a uma atuação que implicou “mais articulações com outras entidades”, nomeadamente ao nível da saúde, habitação e com a PSP.
Segundo a responsável, “as convivências prolongadas vieram a acentuar escaladas de violência”.
Maria José Raposo adiantou que a UMAR tem realizado, por ano, “entre 60 a 70 ações de formação de igualdade de género”.
Nos Açores existe uma rede integrada de apoio à mulher vítima de violência que junta várias instituições com repostas nestas áreas e linhas telefónicas que funcionam diariamente.
A Assembleia Legislativa da Região Autónoma dos Açores aprovou em junho, por unanimidade, um voto de protesto apresentado pelo PSD contra “toda e qualquer forma de violência doméstica”.
“Os Açores têm sido, sucessivamente, a região do país com maior taxa de incidência de casos de violência doméstica”, justificou na ocasião a deputada social-democrata Sabrina Furtado, no plenário da Assembleia Legislativa dos Açores.
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