“Reiteramos o pedido de perdão, a nossa solidariedade total e o compromisso para ajudar no presente e prevenir no futuro”, disse o cardeal-patriarca numa mensagem quaresmal, na cerimónia da Quarta-Feira de Cinzas, na Sé de Lisboa.

Manuel Clemente demonstrou tristeza pelos atos cometidos pela Igreja e “por quem sofreu”, afirmando que “nunca devia ter sofrido”.

“Tristeza, vergonha, arrependimento não podem faltar neste momento”, salientou, reforçando que a Igreja deve “tentar aliviar o que possa ser aliviado para quem sofreu na altura e ainda sofra hoje”.

No final da cerimónia, em declarações aos jornalistas, Manuel Clemente comentou a abertura de 15 inquéritos, pelo Ministério Público, na sequência das 25 participações remetidas pela comissão independente que estudou os abusos sexuais na Igreja Católica, dizendo que “está para colaborar”.

“Aquilo que tiver de ser tratado pelo Ministério Público é tratado no Ministério Público. Certamente, terá uma vertente canónica (…), terá de ir para a Santa Sé, para o Vaticano”, disse.

O Ministério Público abriu 15 inquéritos na sequência das 25 participações remetidas pela comissão independente que estudou os abusos sexuais na igreja católica, confirmou hoje a Procuradoria-Geral da República (PGR), que também recebeu quatro denúncias do Patriarcado de Lisboa.

“Todas as participações recebidas na PGR foram remetidas às competentes estruturas do Ministério Público. Em duas situações, sendo a informação demasiado vaga, foram solicitados elementos complementares à Comissão Independente, estando a aguardar-se resposta. Nas restantes, foram instaurados os competentes inquéritos. Ao todo, foram instaurados 15 inquéritos, sendo que alguns inquéritos concentram mais do que uma participação”, lê-se na resposta da PGR hoje enviada à Lusa.

Manuel Clemente sublinhou que se houver mais casos serão “tratados da maneira que estão previstos serem tratados”, com o Ministério Público, o Tribunal Eclesiástico e o Vaticano.

“Aquilo que houver a corrigir, corrige-se. Não há outra maneira de a gente mudar a vida”, realçou.

O patriarca de Lisboa lembrou ainda que o relatório da comissão independente não o surpreendeu.

“Foram dando sinais de que as coisas seriam mais ou menos nesta ordem. Assim foi. Assim é. Vamos corrigir. Apoiar o que é preciso apoiar e vamos andar para a frente”, acrescentou.

O tema dos abusos sexuais no seio da Igreja Católica marca hoje algumas mensagens quaresmais já conhecidas de bispos portugueses, com o bispo de Viseu a referir-se a “crimes hediondos” e o prelado de Coimbra a manifestar solidariedade às vítimas.

António Luciano, bispo de Viseu, recordou os “crimes hediondos” dos abusos sexuais de menores, defendendo que este seja um tempo para pedir perdão a todas as vítimas.

“Façamos desta Quaresma um autêntico tempo de conversão interior para pedirmos, carregados de vergonha, perdão a todas as vítimas de abusos sexuais de crianças na Igreja Católica em Portugal”, escreveu, acrescentando: “condenemos tais atos como crimes hediondos, que tanto fazem sofrer as vítimas, as famílias e a Igreja. Rezemos para que mais ninguém seja vítima destes abusos”, acrescenta o responsável católico.

O bispo de Coimbra, Virgílio Antunes, na mensagem dirigida aos diocesanos, expressou “solidariedade” e o pedido de perdão às vítimas de abusos sexuais, assegurando que a diocese “tudo fará” para que estas situações “não tenham lugar na Igreja”.

“Pedimos perdão a todas e a cada uma das vítimas, na esperança de que acolham a verdade dos nossos sentimentos; garantimos-lhes a nossa solidariedade e acolhimento, como contributo para ajudar a reparar os danos humanos, morais, e espirituais que persistem nas suas vidas; asseguramos que tudo faremos para que não tenham lugar na Igreja os abusos que agora conhecemos”, escreveu Virgílio Antunes na sua mensagem para a Quaresma, citada pela agência Ecclesia.

Virgílio Antunes vai mais longe e questiona: “Como transmitir a fé a todos quando entramos na Quaresma marcados pela vergonha e pela dor dos abusos sexuais cometidos contra crianças no seio da nossa Igreja?”.

O bispo do Algarve, Manuel Quintas, defende que o relatório da Comissão Independente para o Estudo dos Abusos Sexuais de Crianças na Igreja Católica Portuguesa, divulgado na semana passada, “constitui um veemente apelo à conversão”.

Para o responsável da diocese do Algarve, “ninguém pode abafar ou ignorar este grito. Trata-se de uma realidade inqualificável”.

Também o bispo de Vila Real, António Augusto Azevedo, considera que a Igreja faz o caminho quaresmal “com o coração carregado de dor e tristeza por causa das notícias dos graves abusos cometidos contra crianças”.

O bispo do Porto, Manuel Linda, alerta que “a recente publicação do relatório sobre o abuso sexual no seio da Igreja Católica veio demonstrar uma tristíssima realidade: a de que alguns padres e leigos pastoralmente empenhados cometeram crimes repugnantes, causaram imenso sofrimento às vítimas e, com o seu pecado, mancharam a face da Igreja e desacreditaram-na perante algumas parcelas da sociedade”.

(notícia atualizada às 23h37)