"Isto não é muito pouco 25 de Abril" atira uma mulher que tenta comprar cravos, ainda no Marquês de Pombal, e se apercebe que este ano estão a dois euros. Logo ao início da Avenida , também Eduarda vende os cravos desta vez de papel, mas isso não faz alterações ao preço quando comparados com os verdadeiros. A venda é intensa e não tempo para responder às perguntas do SAPO24, enquanto faz contas apenas diz escondendo o orgulho que é a própria que os faz.

Em relação ao preço do cravo de 2024 não houve inflação, mas na avenida ainda se encontram alguns achados. É o caso dos cravos bracarenses que Carolina vende, 1,5 euros por cada. Trá-los da cidade minhota por uma "coincidência", uma vez desceu a Avenida com dois molhos de cravos para distribuir pelos amigos e, à falta de cravos à venda, todos com quem se cruzou lhos tentaram comprar. Agora, precavê-se e traz cravos extra para poder vender. É mais uma tradição de 25 Abril,  que juntou às que criou desde que estudou em Lisboa e viveu pela primeira vez  “o dia mais bonito do ano”em  que se “sente parte de uma coisa maior”. As celebrações em Lisboa, assegura, “ao contrário de Braga" são maiores "em Lisboa vive-se mesmo o 25 de Abril” de forma muito “sentimental”. E, por isso, continua a vir de Braga, primeiro para ouvir a "arrepiante" Grândola, à meia noite no largo do Carmo. E, no dia seguinte para descer a Avenida.

A Liberdade passa todos os anos por ali, e os que já nasceram em Liberdade gostam de assinalar o dia de cravo ao peito para a agradecer aos que lhes mudaram o país. Ainda que, acreditem, o trabalho não está concluído.  Mafalda Baptista faz parte desse grupo e segura um cartaz que diz “O 25 de Abril abriu portas, agora é tempo de abrir mentes”. Saiu à rua com 18 amigos, 16 raparigas e dois rapazes e, ao SAPO24, lembra que isso não seria possível antes de 74. De portas abertas, diz que falta abertura para aceitar imigrantes, mulheres e homossexuais. Celebra o 25 de Abril, porque este permite-lhe “ser quem é e amar quem quer”.

Se os cravos se tornaram símbolo em 74, os cartazes são marcantes anualmente na marcha. Há um concurso de criatividade e entre Girândolas e frases de ordem os olhares apontam em busca da frase mais marcante. O de André Imenso cumpre todos os parâmetros e alude ao adiamento das celebrações de Abril pelo Governo.. “Neste dia maravilhoso” empunha um cartaz para mostrar a indignação que sente pelo adiamento de algumas celebrações com “a desculpa da morte do Papa”. Numa altura em que, lembra, a liberdade não está garantida” e essa será sempre a sua luta.

Cândida e Carlos não têm cartazes na mão, mas não passam despercebidos. Tanto que Cândida questiona se os dois terão mel para tanta gente os interpelar. Mel não terão, mas têm na pela gravada a memória de quem viveu em ditadura e que lutou pela democracia.  O casal continua a descer a Avenida, aos 83 anos, porque se lembra do tempo em que Carlos foi saneado “antes da guerra” e que tiveram a PIDE a bater-lhes à porta às duas da manhã porque tinham um “camarada escondido”, Cândida desce a liberdade porque não quer “abrir essa porta outra vez”. E para esta mulher, mais que o muito tempo que viveu em ditadura é o “muito que viveu” sempre “a ser afastada de casa”. Carlos continua a marchar  para que nunca se esqueça dos tempos “em que fomos dominados pelo fascismo e pela ditadura”. Espera que os netos “tenham sempre em mente aquilo que foram os tempos difíceis que os avós e os bisavós viveram”.  Ao contrário dos milhares que hoje descem a Avenida em direção ao Rossio, naquele tempo não tinham "liberdade para afirmar as nossas decisões, e a nossa forma de estar na vida". Carlos hoje vive "em liberdade e com paz", mas antes do 25 de Abril foi "muitas vezes assaltado com problemas de fome e de subsistência bastante graves".

A preocupação dos avós em fazer chegar a história aos netos é quase diretamente proporcional à curiosidade dos netos em conhecer a história dos avós. João veio à marcha com o neto de seis anos, com quem partilha o nome. Quando o SAPO24 se cruza explica o cântico “fascismo nunca mais.” Motiva a explicação do que foi o fascismo “que na realidade nem houve bem na ditadura em Portugal”, mas acima de tudo quer passar ao neto a ideia de “moderação” que considera “essencial para manter a vida em liberdade”, diz João que viveu sem ela.

Também Gabriel, o pequeno super-herói de Abril, desce a Avenida às cavalitas do pai. E às suas costas segura uma capa, criada pelo ateliê FICA e a loja Fofo, os motes e a vida que Abril permitiu às crianças. A mãe, Nádia, achou que a capa pintada com cravos, e com "liberdade, brincar, sonhar, debater, brincar" escrita era o ideal para o filho que desenvolveu uma paixão por cravos, e “faz cada vez mais perguntas”

O 25 de abril hoje é a ignição da curiosidade das crianças, mas já foi a ignição para outras revoluções. Gisele vive em Portugal há 28 anos. Brasileira, celebra com amigos e conterrâneos uma data que foi tão importante para Portugal e uma “esperança” para a ditadura militar no Brasil. Descer a Avenida devolve-lhe todos os anos a crença na Liberdade e na democracia.