O debate que colocou frente a frente Pedro Nuno Santos e André Ventura começou por aquele que foi o tema do dia: a decisão do juiz de instrução encarregado do caso de corrupção na Madeira de deixar sair em liberdade as três pessoas que estavam detidas há três semanas, uma delas o presidente da câmara municipal do Funchal e os outros dois empresários da região.

Aquilo a que assistimos foi a um Pedro Nuno Santos contido nas palavras que usou, resumindo a decisão judicial desta quarta-feira a uma frase que é cara ao PS: “é a justiça a funcionar”. O que ficando bem a um candidato a primeiro-ministro de quem se espera serenidade, ficou aquém da possibilidade de este ser um momento em que os líderes políticos deixam a sua assinatura, nomeadamente quando pela frente está André Ventura,  o líder do partido que mais tem surfado nos temas da justiça e corrupção.

Ao fazê-lo deixou espaço a André Ventura para repetir a coreografia que conhece de cor e salteado e que ensaia a cada debate ou entrevista. A de chamar a si a liderança moral do tema da corrupção – passando por cima do facto que nenhum cidadão se sentiria tranquilo perante a perspetiva de ficar preso durante três semanas para depois ser libertado por ausência de evidências até à fase seguinte do processo judicial. E, claro, com o sentido de oportunidade que lhe é reconhecido trazer para cima da mesa a comparação com o caso José Sócrates, o elefante na sala do PS, para concluir que “o programa do PS para a justiça é como o Melhoral, nem faz bem nem faz mal”.

O que seguiu foi um Pedro Nuno Santos a explicar que as medidas anticorrupção propostas pelo Chega já existem na realidade, como é o caso do arresto preventivo e do confisco, mas o momento para desmontar a retórica de aparato judicial de André Ventura já tinha passado. O líder do PS bem disse que “o Chega quer fazer de conta que combate a corrupção”, mas André Ventura já estava instalado no território em que melhor se move que é de atirar casos para a fogueira, comparáveis ou não com o que se está a discutir. Falar de Ricardo Salgado ou de Manuel Pinho é uma receita certa para chegar aos que já desconfiam de tudo e ainda tem de bónus serem nomes que deixam o PS numa posição de inegável desconforto.

Ninguém se surpreende, é esta a retórica de André Ventura. A surpresa poderia ter vindo da resposta de Pedro Nuno Santos mas não aconteceu. Aliás, acabou por pertencer à moderadora da CNN a frase potencialmente mais desconcertante para André Ventura: é também porque a justiça segue os seus trâmites, incluindo os 30 recursos de Sócrates que o líder do Chega recordou, que o mesmo José Sócrates vai mesmo a julgamento após recurso do Ministério Público.

Pedro Nuno Santos corroborou, quiçá tenha visto caminho, e teve uma tirada certeira recordando que André Ventura já foi condenado e que, por ter esse direito também recorreu da decisão. “Não podemos querer para nós uma coisa que não queremos para os outros”, disse o líder socialista.

O segmento que se seguiu foi aquele em que Pedro Nuno Santos se viu manifestamente menos capaz de clarificar as propostas do PS. E era um tema-chave: a saúde e o SNS. As propostas dos socialistas para reter médicos formados nas universidades públicas foram atabalhoadamente defendidas e Pedro Nuno procurou compensar em discurso ideológico o que não foi capaz de apresentar de forma clara. Foi também aqui que usou o argumento de proximidade da AD ao Chega, uma frente que resguardou na maior parte do debate.

Depois, Pedro Nuno Santos teve os seus minutos de melhor prestação, quer técnica quer política. Sobre habitação, primeiro, e em seguida desmontando as contas de André Ventura sobre receitas fiscais e financiamento de promessas como a das pensões e até assumindo a descolagem de Chega e PSD, numa inversão da retórica de intervenções anteriores. “Não dá para levar a sério”, disse Pedro Nuno Santos sobre o Chega, acrescentando que nem “o parceiro que tanto deseja não o leva a sério”.

Este terá sido, porventura, o detalhe mais interessante do debate. Pedro Nuno Santos reconheceu, sem o dizer, a frase tantas vezes repetida por Luís Montenegro face ao Chega: “não é não”. Aliás, terminaria o debate a dizer que André Ventura “não é direita nem é interlocutor”.

Quem ganhou?

É difícil dizer que Pedro Nuno Santos ganhou o debate, mas é impossível dizer que André Ventura o fez. No final de uma sequência de três debates – primeiro com Luís Montenegro, depois com Mariana Mortágua e depois com Pedro Nuno Santos – quem tenha assistido a todos percebe o padrão e, sobretudo, percebe a dificuldade de propostas concretas e sustentadas por parte do Chega.

Quem perdeu?

É difícil dizer que o socialista Pedro Nuno Santos perdeu o debate, mas é impossível dizer que Pedro Nuno Santos, líder do PS e candidato a primeiro-ministro assinou a sua liderança. Era preciso mais que isso, mais preparação e menos medo de correr riscos.

As promessas:

Justiça

  • PS: Dotar a justiça de mais meios
  • Chega: Aumentar penas para corrupção e reduzir recursos judiciais

Saúde

  • PS: Reter quem tenha recebido formação em Portugal na área de saúde no SNS, com tempo obrigatório de permanência; aumento das vagas para medicina, pré-acordo com médicos de aumento de grelha salarial em 15%
  • Chega: Mais incentivos fiscais e horas extraordinárias aos médicos, aumentar oferta dos cursos de medicina, reativar PPP

Fiscalidade

  • Chega: Baixar o IVA em vários bens e serviços; capturar verbas da corrupção  e economia paralela

Habitação

  • PS: Plano de investimento público em habitação, alargar o Porta 65, retirar teto de apoio às rendas, garantia publica aos jovens que querem comprar casa, garantia às famílias em dificuldade

E acordos pós-eleitorais?

Na reta final do debate, Pedro Nuno Santos questionou André Ventura sobre “os 99% de certeza de governo de direita” que afirmou ter. “Tenha a coragem de dizer que tem essa garantia total”. Ventura não clarificou, apenas generalizou com a resposta “não se preocupe que a direita vaio mesmo vencer”.

E no momento em que Pedro Nuno Santos lhe responde “você não é direita nem é interlocutor” ficou a perceção que alguma coisa está a mudar na tática que o PS tem seguido de colocar PSD e Chega na mesma latitude.