Edson torna-se Pelé

Em 23 de outubro de 1940, na pequena cidade de Três Corações, nasceu o menino Edson Arantes do Nascimento, filho de Dona Celeste e Seu Dondinho, jogador de futebol nas divisões inferiores no Brasil.

Seu Dondinho não teve uma carreira de destaque, mas passou o amor pela bola para o filho desde cedo. Pelé conta que, quando viu o pai chorar a derrota na final da Copa de 50, o famoso "Maracanaço", prometeu que venceria uma Copa para o Brasil. O seu ídolo era Zizinho, camisola 10 dessa trágica final e que seria eternizada pelo menino que ficaria marcado por essas lembranças.

Virou Pelé por brincadeira. Acompanhava os treinos e jogos do pai, no Vasco da Gama de São Lourenço, cujo guarda-redes chamava-se Bilé. Como era criança, quando gritava “Boa, Bilé” ou fingia ser Bilé ao defender as metas, pronunciava Pilé. Acabou por tornar-se Pelé com o passar do tempo e, mesmo que não tenha gostado da alcunha no começo, abraçou o nome que virou marca mundial.

O começo de um reinado "da cabeça aos pés"

Ainda menino, mudou-se para Bauru, onde o pai foi jogar no seu final de carreira. E foi por lá que o menino Pelé deu os seus primeiros toques competitivos. Logo se destacou, chegando a ser pago para ir jogar numa equipa amadora da cidade aos 10 anos.

Com 15, foi levado para o Santos pelo ex-jogador Waldemar de Britto que atuava como um olheiro para o clube praiano e foi apresentado como sendo o futuro melhor do mundo. Waldemar estava certo, mas não era difícil de ver no menino, tão destacado desde sempre, física e tecnicamente, o talento bruto que ali estava. Tanto que não tardou e já estreava nos profissionais.

Aos 16 anos, já era motivo de curiosidade entre os adeptos paulistas, mas numa época sem telemóveis e internet, Pelé demorou até ao Campeonato Paulista de 1957 para ganhar o destaque que o seu talento pedia. Fez 36 golos, foi o artilheiro e chegou à Seleção Brasileira.

Já nesta altura, qualidade de Pelé era tamanha que a ideia de que ele era o rei do futebol surgiu antes mesmo da conquista de um título de expressão pela seleção.

Ainda com 17 anos, antes da Copa de '58, chamou a atenção de Nelson Rodrigues, expoente da crónica desportiva brasileira na época, que se referiu a Pelé da seguinte forma após um jogo entre o Santos e o América do Rio de Janeiro: “O que nós chamamos de realeza é, acima de tudo, um estado de alma. E Pelé leva sobre os demais jogadores uma vantagem considerável: a de se sentir rei, da cabeça aos pés. Quando ele apanha a bola e dribla um adversário, é como quem enxota, quem escorraça um plebeu ignaro e piolhento”.

Campeão do mundo aos 17 anos, lenda aos 30

Menos de 10 meses depois da sua estreia profissional, Pelé chegava à Seleção e já marcava no seu primeiro jogo.

Em 1958, Pelé jogou o seu primeiro Mundial, no que foi a sua apresentação para o Mundo. Aos 17 anos, foi o mais jovem a marcar e o mais jovem a ser campeão de uma Copa do Mundo, com dois golos na final, um deles antológico.

Curiosamente, recebeu a camisola 10, que também utilizava no Santos, por acaso. O Brasil não tinha enviado a listagem oficial com os números e foram atribuídos pela FIFA aleatoriamente. Pelé começou a competição no banco, mas na terceira partida assumiu o posto de titular e de lá nunca mais saiu.

A Copa de '58 foi a sua coroação. O futebol brasileiro estava em baixa, pelo mau desempenho nos últimos Mundiais. Vivia-se, segundo os meios de comunicação da época, um “complexo de vira-lata”, um sentimento de inferioridade que unia os problemas sociais do Brasil com as derrotas em campo. A Seleção de '58 deu fim a este sentimento e trouxe orgulho de ser Brasileiro. Pelé passava a ser, pelo desempenho nos anos a seguir, a principal cara a nível mundial do Brasil bem-sucedido.

No Chile, quatro anos depois, conseguiu o bicampeonato e já era, então, reconhecido globalmente como o melhor do mundo. Nesta Copa, entretanto, lesionou-se, e ficou de fora a partir do segundo jogo.

Em 66, falhou junto com a Seleção, após lesionar-se mais uma vez. Disputou contra Portugal o terceiro lugar, mas saiu mais cedo desse jogo após ser muito caçado em campo e sentir a lesão. Chegou até a cogitar não participar em mais Mundiais depois dessa deceção, mas felizmente voltaria atrás para disputar a Copa de 70, no México, no que foi a sua consagração como Rei.

Entre as suas conquistas, esta ocupa um lugar especial na história do futebol. Foi nesta competição que Pelé mostrou todo o potencial como jogador. Já mais velho, passou a ser o maestro de uma equipa que reuniu alguns dos maiores craques brasileiros de todos os tempos, como Jairzinho, Rivellino e Tostão.

Clodoaldo, um dos companheiros de Pelé naquela campanha, citou: “Foi o melhor momento do Pelé na Seleção Brasileira. Vi-o em 1970 como nunca, preparado nos aspectos físico, técnico e psicológico. Ele estava voando. Foi o momento no qual atingiu o máximo da sua carreira.” Nesta competição, o futebol brasileiro alcançou um novo patamar, passando a ser admirado em todo o mundo.

Ao todo, disputou quatro Copas do Mundo e venceu três. Foram 95 golos em 114 jogos com a camisa canarinha.

Do Benfica de Eusébio ao Milan de Rivera, ninguém meteu medo ao Santos de Pelé

Se o desempenho de Pelé pela Seleção foi marcante, o que se acostumou a fazer, época após época, pelo Santos é ainda mais impressionante. Na década de 60, a equipa praiana atingiu um nível notável. Mas antes de mais nada, é preciso traçar um paralelo entre o futebol da época e o futebol atual.

No Brasil com tamanho continental, até 1971 não existia um campeonato nacional regular e os campeonatos estaduais eram muito importantes. Sem a venda de talento para o exterior, os principais jogadores do Brasil jogavam nos clubes brasileiros e a rivalidade nos estados era grande. Taças nacionais cresciam, mas tinham menos jogos do que estamos acostumados atualmente. A Libertadores não era tão interessante financeiramente para as equipas brasileiras, por isso priorizavam, muitas vezes, os campeonatos locais. Além disso, por dinheiro e por estatuto, durante muitos anos o Santos focou-se em excursões para a Europa para medir forças com os clubes do exterior, havendo assim um grande número de jogos amigáveis.

Em 1961, após conquistar o campeonato paulista pela terceira vez consecutiva, Pelé levou o Santos ao seu primeiro troféu nacional: a Taça Brasil de 1961. Neste ano, Pelé fez 111 golos, sendo 59 em jogos oficiais e 62 em jogos e torneios amigáveis. Como consequência do título nacional, a equipa praiana classificou-se para a Taça dos Libertadores em 1962 e não dececionou: com quatro golos de Pelé durante a campanha, o Santos foi campeão continental pela primeira vez ao bater o Penãrol na decisão.

Vencedor continental, enfrentou o então campeão europeu, o Benfica de Eusébio, um dos poucos que poderia desafiar o seu posto de Rei. Em dois jogos memoráveis, vencidos pelo Santos (3-2 no Brasil e 5-2 em Portugal), o Santos alcançou o topo do mundo pela primeira vez, conduzido pelo seu Rei Pelé à conquista da Taça Intercontinental.

No ano seguinte, mais uma vez, a equipa de Pelé dominaria o futebol mundial. Na Libertadores, foi bicampeão ao derrotar o Boca Juniors na final. O segundo título mundial, por sua vez, viria ao superar o poderoso Milan de Gianni Rivera e Giovanni Trapattoni.

O Rei e os seus súbditos dominaram o futebol paulista e brasileiro, especialmente na primeira metade dos anos sessenta. Entre 1960 e 1965, foram pentacampeões paulistas e pentacampeões brasileiros. Após os “pentas”, o Rei foi campeão brasileiro mais uma vez, em 1968, e campeão paulista outras quatro.

Jogou no Santos até 1974, quando decidiu aventurar-se nos Estados Unidos, no ambicioso projeto do NY Cosmos que reuniu Pelé, Beckenbauer e Carlos Alberto Torres. A sua despedida foi contra a Ponte Preta, no dia 2 de outubro de 1974. Jogou apenas 21 minutos quando, mergulhado em lágrimas, pegou a bola nos braços, ajoelhou-se no centro do relvado e chorou. Depois levantou-se e desceu, pela última vez, as escadas para o vestiário da Vila Belmiro.

Ao todo foram 1116 partidas pelo Santos, com uns incríveis 1091 golos, numa média de quase um golo por jogo ao longo dos 18 anos de Peixe. Ficou ainda mais três anos nos EUA, no NY Cosmos, onde se aposentou definitivamente em 1977.

O melhor golo de Pelé — que (quase) ninguém viu

Dentre os mais de mil golos de Pelé, o mais bonito, escolhido por ele e pelos colegas de equipa, foi um que não tem registo histórico. Não foi gravado, sendo visto apenas pelos apenas cerca de 10 mil adeptos presentes no estádio da Rua Javari, casa do tradicional clube paulistano Juventus.

Foi em 1959, Pelé tinha apenas 19 anos e marcou três golos naquela noite. O último foi uma verdadeira obra de arte. Após receber passe de Dorval, Pelé aplicou quatro chapéus para passar dos adversários, incluindo o guarda-redes da equipa da Juventus, antes de cabecear para a baliza vazia. Segundo as notícias da época, todo o estádio se rendeu e aplaudiu Pelé de pé.

O lance foi recriado com o advento da tecnologia para o filme documentário "Pelé Eterno":

Mil golos, espalhados pelos quatro cantos do mundo

Em toda a sua carreira, foram 1281 golos em 1363 partidas pelo Santos, Seleção e Cosmos. Considerando apenas partidas oficiais, foram 757 golos em 812 jogos, número entretanto superado por Cristiano Ronaldo.

Mesmo considerando que nestas estatísticas estão jogos pela Seleção do Exército e muitas excursões do Santos por África e pelas Américas, é impossível descartar os jogos não oficiais do Rei, pois estão incluídos, também, amigáveis contra seleções nacionais, grandes clubes europeus e muitos jogos pela Seleção Brasileira. Era um período com muitos mais jogos por ano e com outra configuração de torneios, mas são números impressionantes com uma média altíssima de golos por jogo.

O milésimo golo, muito esperado pelos adeptos e a imprensa, veio num jogo contra o Vasco da Gama no Maracanã. Pelé foi derrubado na área após driblar dois marcadores que o impediram de fazer do milésimo um belo golo. Foi uma cobrança de pénalti, ironicamente uma forma que Pelé não gostava de marcar, que entrou para a história.

Após o golo, o campo foi invadido por jornalistas e adeptos. Pelé foi carregado para uma volta olímpica no estádio e dedicou o golo às "crianças, "pessoas pobres" e "velhinhos cegos". O jogo esteve suspenso por 20 minutos antes de ser concluído.

O rei fora de campo

Com a carreira encerrada, Pelé usou a sua imagem para tentar ajudar em causas que acreditava. Foi embaixador da Boa Vontade  da UNESCO, Ministro do Desporto no Brasil e Embaixador da ONU para causas como Ecologia e Meio Ambiente. Apoiou as candidaturas do Brasil para sediar os Jogos Olímpicos e o Campeonato do Mundo de Futebol.

Pelé teve três casamentos e sete filhos. Envolveu-se em polémicas na sua vida pessoal e familiar que lhe renderam muitas críticas, principalmente nos conflitos com as suas filhas fora do casamento, que Pelé se negava a reconhecer.

Ao longo da sua carreira, a maior parte durante a Ditadura Militar no Brasil, foi bastante criticado por não se posicionar politicamente, mas para alguns, a sua personalidade e o ícone Pelé exigiam dele uma certa neutralidade. Anos depois, apoiou a campanha popular pela regresso da democracia com as “Diretas Já”.

Após pendurar as chuteiras, o Rei recebeu inúmeras condecorações reconhecendo a sua carreira e legado. Em 1981, o jornal francês L'Equipe elegeu Pelé o atleta do século. Em 1998, a FIFA deu ao camisola 10 o título de melhor jogador do século XX.