“É um ciclo novo que se está a abrir em África, sem dúvida alguma. Há maior transparência na governação, maior seriedade nos negócios, luta contra a corrupção e maior liberdade e multiplicidade de imprensa”, considerou o autor.

Falando aos jornalistas, em Penafiel, onde está a ser homenageado no festival literário Escritaria, o escritor disse que a narrativa do seu último livro, “Sua Excelência, de Corpo Presente”, não “trata só de Angola”.

“Realmente, é uma história que poderá passar-se em qualquer país africano, a sul do Saara”, frisou, recordando que se está a viver uma fase “que vem depois daquele ciclo que foi desaparecendo, de partido único e de chefes muito autoritários”.

Questionado, em concreto, sobre o que se passa atualmente em Angola, um ano depois de João Lourenço ter assumido a presidência do país, Pepetela considerou que o novo chefe do Estado angolano “fez tudo o que podia”.

“Até surpreendeu muita gente, porque fez mais do que muita gente esperava”, acentuou, acrescentando que “o povo angolano está surpreendido e tem apoiado inteiramente”.

“O grau de aceitação do presidente é uma coisa histórica”, reforçou.

Apesar dos progressos, o autor avisa que “ainda é muito cedo para dizer que as coisas estão a caminhar naquele sentido”.

“Ele está a cumprir o que prometeu, sem dúvida alguma, mas há muitas forças que se opõem”, exclamou.

A situação económica e financeira de Angola, recordou ainda o escritor, “é muito complicada, é muito difícil e muito pior do que se pensava”.

Apesar das dificuldades, a imagem que Angola tem agora no exterior, nomeadamente em Portugal e na União Europeia, é mais positiva.

“Claramente a imagem mudou. Temos de aproveitar isso e reforçar essa relação”, sublinhou.

Para Pepetela, a relação com Portugal e com os demais países da CPLP podia ser melhor, defendendo que a cultura permitiria uma maior aproximação dos povos que falam português.

“Infelizmente, a CPLP é uma espécie de sindicato de chefes de Estado que se reúnem de vez em quando para aprovar não sei bem o quê”, criticou, dando como exemplo o facto de ter sido criado um Instituto da Língua Portuguesa que, lamentou, “ficou dez anos sem funcionar”.

O autor angolano que venceu o Prémio Camões em 1997 admite, por outro lado, que os “escritores dos países africanos que escrevem em português têm sido valorizados em Portugal”.

O problema maior, disse, está em África: “Nós é que temos falhado. Nos nossos países há muito pouca valorização dessa aproximação cultural e da própria cultura. Os países africanos deviam fazer mais com o pouco que têm. Portugal tem feito o que pode”.

A homenagem do festival Escritaria

"Isto supera o que tinha imaginado. O Escritaria é um exemplo de uma luta pela cultura, pela literatura e por todas as artes", afirmou, depois de a organização do festival ter inaugurado, num jardim da cidade, uma silhueta do autor, da escultora Rita Melo.

Pepetela
Pepetela créditos: ESTELA SILVA/LUSA

Naquele espaço nobre, no sopé do Sameiro, foi também descerrado um monumento com a seguinte frase do autor: "A transferência de conhecimentos, ideias e emoções através dos livros devia ser eterna, mas está em risco".

Em várias ruas e praças da cidade, como ocorreu nas anteriores edições do festival, é possível ver elementos de arte pública que refletem a vida e a obra do escritor homenageado.

Pepetela disse hoje estar grato e comovido com o momento e prometeu nunca mais esquecer Penafiel.

"Esta homenagem toca fundo. Não imaginava uma cidade a girar à volta da minha obra", comentou, enquanto agradecia a participação de um grupo de jovens atores trajados com vestes africanas, que dançaram ritmos angolanos e interpretaram excertos das suas obras.

Para o autor, a forma como estava a ser recebido em Penafiel traduz os "laços de amizade" que ainda existem entre os povos português e angolano, depois de vários anos de "afastamento dos dois países, por razões políticas".

"Estivemos longe, agora estamos mais próximos, espero que para sempre", comentou, enquanto se regozijava com o facto de haver em Portugal uma "curiosidade grande" pela literatura e pela música angolanas.

Na receção ao autor, o presidente da Câmara de Penafiel, Antonino Sousa, recordou que Pepetela é o segundo escritor africano, depois do moçambicano Mia Couto, em 2011, a ser homenageado pelo Escritaria, contribuindo assim para uma aproximação da lusofonia.

O autarca destacou, por outro lado, a "singularidade" do festival literário de Penafiel, por permitir o contacto da população com a vida e a obra de autores vivos de língua portuguesa, como vai ocorrer até domingo, com várias atividades abertas à participação dos munícipes, tendo como ponto central a presença de Pepetela.

A silhueta e a frase hoje inauguradas perpetuarão em Penafiel a homenagem, reforçou o presidente município.

Nas dez edições anteriores, o festival Escritaria homenageou Urbano Tavares Rodrigues, José Saramago, Agustina Bessa-Luís, Mia Couto, António Lobo Antunes, Mário de Carvalho, Lídia Jorge, Mário Cláudio, Alice Vieira e Miguel Sousa Tavares.