As cidades polacas estão entre as mais poluídas da Europa, e os seus cidadãos sofrem de ardor nos olhos devido ao smog (neblina com poluição). Se a anfitriã da cimeira do clima deste ano quer cumprir os objetivos do Acordo de Paris, terá de fazer grandes esforços.
Segundo os especialistas do Instituto de Pesquisas Estruturais (IBS) de Varsóvia, a Polónia teria de diminuir a utilização do carvão para que o recurso a este na produção de eletricidade seja de 39% em 2030.
Mas a Política Energética do Estado (PEP), apresentada a 23 de novembro pelo ministro da Energia, Krzysztof Tchorzewski, prevê que nesse ano 60% da energia elétrica proceda do carvão (em comparação com 80% em 2017).
O ministro mostra-se, no entanto, disposto a conciliar esta previsão com os objetivos da União Europeia (UE) em relação à redução de emissões de dióxido de carbono (CO2). Espera poder reduzi-las em 30% até 2030 em relação ao nível de 1990, principalmente reduzindo o desperdício de energia.
Segundo a PEP, o recurso ao carvão deveria reduzir realmente entre 2030 e 2040, quando o governo espera que caia para 32% no mix energético, graças à energia nuclear. O programa prevê a abertura de seis centrais nucleares a partir de 2033, assim como novas minas de carvão e a redução da energia eólica terrestre em benefício das turbinas marítimas.
Falta de estratégia e interesse político
"A Polónia opõe-se ao aumento dos objetivos de redução de CO2 adotados pela UE para o ano 2030, pois isso teria um impacto negativo no setor da energia elétrica e no conjunto da economia polaca", aponta um documento do ministério polaco de Energia, publicado a 13 de novembro.
Apesar disso, graças às fontes de energia renováveis e à pressão da UE, o recurso ao carvão na produção de energia elétrica da Polónia passou de 98% em 1990 a 80% em 2017, segundo dados oficiais.
Mas a sua produção continuará a ser mais ou menos estável, admitiu recentemente Piotr Naimski, secretário de Estado de Infraestruturas Energéticas.
E ainda que esta baixe, a Polónia continuará a comprar carvão no exterior, sobretudo à Rússia. Em 2018, as importações do mineral aumentaram ligeiramente, até 12 milhões de toneladas entre janeiro e setembro.
"A Polónia não tem estratégia, o que prima é o interesse político a curto prazo, as decisões difíceis adiam-se“, critica Marek Jozefiak, especialista em carvão da Greenpeace. Menciona, por exemplo, que recentemente se começou a construir uma central de carvão a 200 km de uma mina, num círculo eleitoral do ministro da Energia.
Para Piotr Siergiej, ativista na organização "Alarme antismog polaco", o fator económico também influencia, pois o gás ficou mais caro e as pessoas passaram a recorrer mais ao carvão. No entanto, ressalta Siergiej, a lógica económica vai no sentido contrário.
Segundo o Tribunal de Contas polaco, a indústria mineira recebeu mais de 15 mil milhões de euros em subvenções entre 2007 e 2015.
Considerando o custo das doenças causadas pela poluição, aponta o ecologista, essas subvenções deveriam ser destinadas a outras fontes de energia, economizando, além disso, no setor de saúde.
Petróleo e carvão também se sentam à mesa na COP24
As indústrias do petróleo e do carvão também terão espaço na cimeira do clima das Nações Unidas. Na COP24, que reúne delegados de quase 200 países, as federações e associações do setor encontram o espaço habitual, livres - ou quase - para exercer a sua influência.
A Convenção do Clima da ONU (CCNUCC) permite que o processo esteja aberto a atores não estatais, principalmente "organizações empresariais e industriais”.
As entidades creditadas podem participar das sessões como observadoras, algo vetado à imprensa, e frequentar os mesmos corredores que os políticos encarregados de tomar decisões.
"A cada dia sabemos mais coisas sobre o que fazem os grandes poluentes para sabotar as políticas sobre o clima e, apesar disso, as suas associações profissionais continuam livres para circular pelos corredores da CCNUCC", lamenta Jesse Bragg, da ONG Corporate Accountability, dedicada à responsabilidade social das empresas.
Outros processos das Nações Unidas, como a convenção marco da OMS para a luta antitabaco (FCTC), estabeleceram regulamentos para evitar os conflitos de interesse. A CCNUCC, contrariamente, não previu nenhuma.
Em janeiro, o grupo África, que reúne negociadores do clima do continente, apresentou uma proposta formal para dotar a negociação de tais proteções.
“Ameaça à legitimidade”
Um conflito de interesses pode "emergir quando um ator não estatal, cujo interesse implica limitar ou influenciar em certas noções científicas sobre o clima, participa ativamente na CCNUCC", adverte o texto.
O problema da representação das indústrias fósseis é tal que "ameaça a integridade e legitimidade" do acordo de Paris sobre o clima, aponta a proposta.
Segundo fontes próximas das negociações, a proposta foi suprimida pela pressão de países desenvolvidos nas negociações da CCNUCC em Bonn, em maio.
Ovais Sarmad, secretário adjunto da CCNUCC, contraria esta ideia e diz que todos os observadores creditados são avaliados de acordo com as regras adotadas pelos próprios países. "Nenhum grupo de interesse particular tem influência no processo de decisão", assegurou à AFP.
No início do ano, 16 ONGs ambientais fizeram um apelo à CCNUCC, queixando-se de que a ONU só impõe duas condições aos observadores: que se declarem sem vontade de lucro e que o seu trabalho tenha alguma relação com a mudança climática.
"Infelizmente, algumas das organizações mais nocivas ao clima enquadram-se em muitos desses critérios", indicava o texto, "precisamente as que direta ou indiretamente representam os interesses de grupos petroleiros como ExxonMobil, Chevron, Shell e BP”.
Das seis empresas contactadas pela AFP, apenas duas quiseram falar.
A Associação Mundial do Carvão (WCA, em inglês) "pede soluções para reduzir as emissões globais", respondeu seu porta-voz. Nas negociações do clima, "continuará a pedir" que "as tecnologias do carvão de baixa emissão" sejam consideradas uma solução igual às outras, continuou.
Contudo, o Competitive Enterprise Institute, que defende os interesses da indústria petroleira, não irá à COP deste ano, segundo o seu diretor Myron Ebell - cético com a mudança climática -, a quem Donald Trump encarregou de comandar a transição da política ambiental americana. "Realmente não vemos um interesse" em termos de novos benefícios, disse à AFP.
Sobre o país que recebe a COP24, a Polónia, anunciou que o evento será patrocinado por três grandes grupos energéticos, incluindo JSW, primeiro produtor de carvão coque da União Europeia, e o PGE, que gere a segunda maior central de carvão do mundo.
O governo assegurou que se tratam "de patrocinadores como outros”, mas Harjeet Singh, da ActionAid International, advertiu que "enquanto os cientistas anunciam uma 'catástrofe climática', os grupos de pressão das energias fósseis preparam-se para estar no centro das negociações da ONU na Polónia".
*Por Michel Viatteau e Patrick Galey / AFP
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