Quando Lazersfeld chegou a Erie County, no Ohio, percebeu que aquele era o sítio indicado para analisar o comportamento do eleitorado americano na corrida presidencial de 1940. Na região moravam cerca de 46 mil pessoas, mais ou menos metade na zona industrial e urbana, e metade na zona rural. O eleitorado também seguia as tendências de resultados e de participação a nível nacional.

Para estudar o comportamento eleitoral, Lazersfeld pegou em 600 pessoas e falou com elas sete vezes por mês entre maio de 1940 e a semana depois das eleições, que aconteceram a 5 de novembro de 1940.

O democrata Roosevelt e o republicano Willkie tiveram uma corrida marcada pela Segunda Guerra Mundial, num país que ainda vivia as consequências da Grande Depressão que tinha marcado a década de 30. A rádio vivia a sua época de ouro e os jornais mantinham uma grande influência num país com uma elevada taxa de alfabetização (97,1% em 1940). Será que tudo isso influenciou a escolha dos americanos? 

A campanha é assim tão importante?

O sociólogo americano observou que a relação entre o comportamento eleitoral e o grupo social em que as pessoas se inseriam era de tal forma intenso que se podia definir através de um Índice de Predisposição Política pautado por apenas três fatores: religião, estatuto socioeconómico e zona de residência. Estas três variáveis chegavam para explicar as escolhas das pessoas nos atos eleitorais.

A principal conclusão a que Lazarsfeld chegou é que a maioria dos eleitores votou de acordo com a sua predisposição política inicial, ou seja, durante os longos meses de campanha eleitoral americana não tiveram a intenção de mudar o seu sentido de voto. Dos 600 indivíduos que faziam parte da amostra, apenas 54 alteraram o candidato que escolheram ao longo do processo.

Mas tudo se explica pela nossa posição dentro de um determinado grupo. À medida que a campanha avança, as pessoas ficam mais inclinadas a votarem no partido que prevalece e reúne mais consenso no seu grupo social. Para Lazarsfeld, “a campanha apenas ativa a predisposição política das pessoas”.

créditos: AFP

Uma questão de grupos sociais

Dentro dos grupos onde estamos inseridos há sempre processos de mediação. É aqui que surgem os influenciadores sociais, normalmente falamos da pessoa dentro de um determinado grupo que tem mais conhecimento sobre uma dada matéria. É esta pessoa que absorve a informação dos media, a descodifica e transcreve para dentro do grupo. E isto tanto funciona com uma opinião sobre um filme ou a opinião sobre um determinado candidato político.

Se tomarmos esta relação com um exemplo pessoal basta pensar: se tivesse de pedir um conselho a um amigo sobre um filme para ver esta noite, não pediria ao que percebesse mais sobre o mundo do cinema? Muito provavelmente a pessoa que contactava é um líder de opinião no seu grupo social no que toca a essa temática.

Desta análise percebemos que os resultados eleitorais são definidos pelos acontecimentos entre duas eleições e não diretamente no período de campanha eleitoral, uma vez que a influência é um fator permanente e duradouro no tempo.

Mas será o voto um ato individual? A resposta é não. A relação que temos com os grupos sociais onde estamos inseridos e a importância dos contactos pessoais na definição das nossas escolhas eleitorais dizem-nos que o voto é mais do que um simples ato individual, mas define-se como um dos processos de coesão grupal. 

O perigo das sondagens

Agora que percebemos que a campanha eleitoral não é verdadeiramente decisiva, podemos declarar já a vitória de um dos candidatos presidenciais americanos a pouco mais de quatro semanas do fim da corrida? É tentador, temos de admitir, mas a revelação de um vencedor à partida é perigosa e pode incentivar a que o resultado se altere.

Se algum jornal, rádio ou televisão revelasse que é impossível Hillary Clinton perder eleição, será que todos os seus apoiantes iriam às urnas? E aqueles que vão votar em Hillary, mas que não gostam da candidata e só o fazem para evitar uma eleição de Trump, continuariam a querer votar na candidata Democrata se soubessem que Trump não tinha qualquer hipótese de ser eleito?

Talvez este seja o maior perigo das sondagens que levam o eleitor a pensar que a sua participação não é essencial num resultado que à partida já está decidido. E se formos sinceros, se fosse apenas um eleitor a pensar isto não teria qualquer problema num universo de milhões de eleitores. A realidade é que são muitos os que pensam assim e este problema acaba por ter proporções nacionais e, por isso, acaba por ser decisivo na determinação de um vencedor de um ato eleitoral.

Quem vê caras não vê corações, nem lê programas eleitorais

A forma mais simples de representação do espetro político leva-nos a uma divisão através de um eixo cartesiano dois vetores. Algo que conhecemos por bússola eleitoral e que em Portugal é da autoria do Instituto de Ciências Sociais da Universidade de Lisboa. É aqui que nos podemos enquadrar dentro das nossas determinadas preferências e opiniões.

O eixo vertical diz-nos como nos posicionamos a nível social e o eixo horizontal diz-nos como nos posicionamos a nível económico. A posição é definida numa escala entre o liberal e o conservador, que podia ser transcrito para uma definição mais comum de esquerda ou direita. Esta representação esquemática leva-nos a dividir o posicionamento político em quatro grandes grupos: liberais, cosmopolitas, populistas e conservadores. É a partir desta divisão que tiramos todas as restantes subdivisões de classificação política.

Mas será que isto é verdadeiramente importante? Para a grande maioria das pessoas talvez não. Quem vê caras não vê corações, nem lê programas eleitorais.

créditos: JEFF SWENSEN / GETTY IMAGES NORTH AMERICA / AFP

A ideologia presidencial do próximo presidente americano

A ideologia acaba por ser remetida para um segundo plano, uma vez que as pessoas acabam por escolher os candidatos de acordo com fatores subjetivos como o “grau de confiança” ou do “grau de afinidade” e das opiniões do grupo social onde se insere.

Podemos situar os quatro principais candidatos presidenciais americanos como maioritariamente liberais, à exceção de Donald Trump que é assumidamente conservador. Trump e Johnson situam-se à direita no espetro económico, defendendo as grandes empresas, enquanto Stein e Clinton se situam à esquerda no posicionamento económico. 

créditos: Vox Pop Labs

Trump preenche as preferências do eleitorado conservador e, para além disso, é reconhecido como um candidato “antissistema”, uma vez que não possuí uma carreira política. Este facto acaba por justificar que, apesar do seu discurso, consiga reunir as preferências de cerca de 41% do eleitorado americano, nomeadamente nos estados do interior norte-americano, tendencialmente mais conservadores.

Qualquer pessoa pode, através desta bússola eleitoral realizada pela Vox, saber qual o candidato que mais se identifica consigo, mas não são conhecidos dados sobre a real influência do resultado deste teste no sentido de voto.

 O político como sedutor  

O político acima de tudo funciona como um sedutor de grupos sociais. O ar confiável e seguro das ideias que defende acabam por ser decisivos na escolha dos eleitores.

A máquina política também ajuda a potenciar a participação e discussão política dentro dos grupos sociais, que acabam por debater os acontecimentos políticos, mas a campanha está longe de ser decisiva.

Se o próximo Presidente já está escolhido ainda antes das eleições? Sim, é bem provável que esteja. Mas nós vamos manter o suspense e dizer a única coisa que podemos confirmar neste momento: vai poder acompanhar tudo no SAPO24.

Esta é uma reportagem que está inserida num especial rumo às Eleições Americanas que se realizam a 8 de novembro deste ano.