São já vários os estudos que apontam para que num futuro próximo seja possível prever um sismo. Um dos mais recentes, do final de agosto, foi realizado pela Universidade do Alasca (UAF), que, com base em dois terramotos, utilizou um algoritmo para estudar ambos os acontecimentos e tirar conclusões "empolgantes" quanto à dita previsão de "grandes sismos".
Os dados são revelados ao SAPO24 por Társilo Girona, do Instituto Geofísico da UAF, que explicou como treinou então um algoritmo para analisar 30 anos de dados de terramotos no Alasca e na Califórnia.
"O nosso algoritmo, inspirado por pesquisas de ponta na comunidade de vulcanologia, identifica padrões anormais em pequenas atividades sísmicas. Especificamente, calculamos uma série de parâmetros estatísticos de pequenos sismos que ocorreram no sul da Califórnia e no centro-sul do Alasca entre 1989 e 2012. Em seguida, treinámos um algoritmo baseado em aprendizagem automática que rotulava certos valores desses parâmetros e que refletiam períodos que levaram a grandes terramotos (agitação), enquanto outros refletiam momentos sem grande atividade sísmica (quiescência). Depois de preparado, o algoritmo, tivemos apenas que executá-lo em dados mais recentes para determinar se episódios de agitação semelhantes também surgiram antes da sequência de Ridgecrest na Califórnia e do terramoto de Anchorage no Alasca", começa por dizer, apresentando depois as conclusões do estudo.
"Ouvi várias vezes dizer que era impossível prever terramotos e que apenas pessoas 'loucas' seguiam esse campo. É definitivamente um tópico controverso, em parte devido à desinformação introduzida por muitos aldrabões nas redes sociais, mas o otimismo científico está a crescer"Társilo Girona
"Os resultados foram empolgantes e levaram a duas conclusões principais: primeiro, a fase inicial de grandes terramotos mostra um alto grau de similaridade, pelo menos nas duas regiões analisadas. Segundo, podemos usar essa similaridade para antecipar quando futuros grandes terramotos podem ocorrer", diz o vulcanologista.
Boas notícias ou falsas esperanças?
Alguns especialistas dizem que será complicado prever o 'Quando' para os sismos, mas Társilo Girona diz que as "tendência pessimistas não devem limitar aqueles que se sentem motivados a ultrapassar os limites da ciência".
"Estou otimista e realmente acredito que estamos a chegar mais perto de obter previsões confiáveis de terramotos, graças aos avanços na instrumentação, maior poder computacional e técnicas de estatísticas aprimoradas, juntamente com modelos baseados em física", refere, salientando depois que tem notado uma mudança nos últimos anos no que diz respeito ao discurso sobre a previsão de sismos.
"Há cerca de quinze anos, quando era ainda um estudante na universidade, ouvi várias vezes dizer que era impossível prever terramotos e que apenas pessoas "loucas" seguiam esse campo. É definitivamente um tópico controverso, em parte devido à desinformação introduzida por muitos aldrabões nas redes sociais, mas o otimismo científico está a crescer. Acredito firmemente que tendências pessimistas não devem limitar aqueles que se sentem motivados a ultrapassar os limites da ciência, especialmente jovens estudantes e pesquisadores em início de carreira. Hoje em dia, mais do que nunca, há pesquisas a serem conduzidas mais robustas e meticulosas, com ideias e descobertas de alta qualidade. A ciência robusta está a avançar rapidamente, e estou otimista de que os métodos de previsão serão testados em tempo quase real por muitas agências governamentais de vigilância, assim como estamos a começar a ver em observatórios de vulcões", diz Társilo, que aponta à Inteligência Artificial um papel muito importante neste desenvolvimento.
"Antecipar o momento exato dos terramotos é certamente mais desafiador, mas, como a nossa pesquisa e outros estudos detalhados mostraram, há boas razões para permanecer otimista"
"Não tenho dúvidas de que a Inteligência Artificial desempenhará um papel fundamental no desenvolvimento de métodos para prever terramotos. É importante lembrar que a aprendizagem automática envolve essencialmente técnicas estatísticas avançadas, que ajudam a detetar padrões subtis, muitas vezes ocultos nos dados. Previsões mais precisas exigirão esforços contínuos na instalação de instrumentos, análise de dados e investimento em recursos computacionais", diz, apontando também outra 'arma' para a previsão de sismos.
"Outra área promissora de estudo é aquela focada no desenvolvimento de técnicas de assimilação de dados, que integram dados com modelos baseados em física para fornecer previsões informadas pela física, semelhantes à previsão do tempo. Posso imaginar um futuro em que agências de vigilância combinam técnicas de aprendizagem automática e assimilação de dados para fornecer previsões confiáveis de terramotos", refere o especialista, pedindo mais 'ajuda' para que o seu sonho se torne uma realidade.
"Antecipar o momento exato dos terramotos é certamente mais desafiador, mas, como a nossa pesquisa e outros estudos detalhados mostraram, há boas razões para permanecer otimista. Estou esperançado sobre o progresso que está a ser feito e encorajo novos alunos e a comunidade em geral a continuar à procura de avanços nesta área. É um sonho que algo assim se torne possível", diz o cientista.
A preparação da população e os conselhos aos governos
Mais ainda do que tem sido feito para a previsão dos sismos, este especialista refere ser muito importante outro aspeto, nomeadamente a preparação da população para este tipo de avisos futuros.
"A comunicação eficaz também deve ajudar o público a distinguir entre ciência confiável e desinformação, o que pode minar a credibilidade de pesquisas rigorosas"
"Falando sobre o futuro, do meu ponto de vista, também é importante iniciar discussões aprofundadas sobre como comunicar previsões de terramotos ao público assim que elas se tornarem rotineiramente disponíveis. Previsões precisas trarão novos desafios, então desenvolver estratégias para gerir o seu impacto social será essencial. Este assunto requer reflexão cuidadosa", refere, deixando também alguns conselhos aos governos de todo o mundo.
"Da minha perspectiva, os governos devem concentrar-se em três áreas principais. Primeiro, é importante aderir a regulamentações rígidas de resistência a terramotos e melhorar os padrões de construção em áreas sismicamente ativas. Segundo, melhorar a comunicação pública e as atividades de divulgação são cruciais, garantindo que as pessoas saibam como responder e comportar-se durante e logo após um terramoto. A comunicação eficaz também deve ajudar o público a distinguir entre ciência confiável e desinformação, o que pode minar a credibilidade de pesquisas rigorosas. Terceiro, é essencial alocar recursos em pesquisas científicas que visem detetar e entender melhor os sinais que ocorrem durante a fase preparatória de grandes terramotos", concluiu.
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