O também reitor da Universidade Técnica de Moçambique, refere-se ao Presidente de Moçambique e da Frente de Libertação de Moçambique (Frelimo), Filipe Nyusi, e a Afonso Dhlakama, líder do principal partido da oposição, a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo).
“Há duas pessoas que falam ao telefone e tomam uma decisão. A decisão é lida em comunicação pública e só depois enviada ao parlamento. Afinal, o que é realmente o parlamento? Não é o primeiro lugar de debate público”, questiona o académico.
Filipe Nyusi anunciou na última semana que os governadores das províncias e os administradores dos distritos vão passar a ser indicados por quem ganha as eleições para as respetivas assembleias, em vez de serem nomeados pelo poder central, de acordo com uma proposta de revisão da Constituição que depositou no parlamento.
O chefe de Estado anunciou que a proposta faz parte de um acordo com a Resistência Nacional Moçambicana (Renamo) para a paz em Moçambique.
Na mesma proposta, os presidentes de município deixam de ser eleitos diretamente e passam também a emanar das assembleias municipais.
“Este acordo é estruturalmente fraco porque ele compreende a dinâmica de dois partidos e deixa de lado aquilo que é a vontade popular”, reiterou Severino Ngoenha, acrescentando que se cria um bipartidarismo, com os outros partidos políticos moçambicanos a passar a peças de figurino.
Ao analisar o conteúdo da proposta de revisão da Constituição, Ngoenha entende que o maior vencedor desta reforma será o partido, enquanto instituição do sistema político, na medida em que o esquema que foi montado favorece o surgimento de grandes “aparatos partidocráticos”.
“A descentralização, que se propunha, recentrou o poder. O partido político vai ser o novo monarca”, sublinhou o filósofo, que acrescenta que retirar o direito de voto direto ao povo, nas eleições dos presidentes dos municípios, revela que a política está a fugir dos problemas reais do povo.
Na fundamentação da proposta de revisão da Constituição, justifica-se a alteração ao nível autárquico como forma de simplificar o processo eleitoral (um voto apenas, para a assembleia municipal), tornando-o, ao mesmo tempo, igual para todos os níveis da administração – ou seja, com eleição de uma assembleia, que indica quem dirige.
A proposta de revisão da Constituição gerou um outro debate em Moçambique, com organizações não-governamentais e o Movimento Democrático de Moçambique, terceiro partido do parlamento, a defenderem a necessidade de um referendo.
Justificam-no com o facto de a Constituição dizer ser “obrigatoriamente sujeitas a referendo” alterações “ao sufrágio universal, direto, secreto, pessoal, igual e periódico na designação dos titulares eletivos dos órgãos de soberania das províncias e do poder local”.
Para Severino Ngoenha, o referendo seria positivo se o debate tivesse sido aberto, desde o princípio.
Mas da forma como o processo decorreu, entende que a resposta do povo será obrigatoriamente um sim, sob pena de o país voltar a um conflito militar, como ocorreu entre 2015 e 2016.
“Um grande referendo ou um grande debate devia ter sido feito à priori para uma alteração da Constituição que não fosse a acomodação do partido no poder e da sua oposição”, concluiu o académico.
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