A 6 de abril, o Santuário de Fátima anunciou que a Peregrinação Internacional Aniversária de Maio seria este ano celebrada sem a presença física de peregrinos, devido à covid-19. Assim, vão realizar-se "as principais celebrações na Basílica de Nossa Senhora do Rosário de Fátima, que serão presididas pelo cardeal D. António Marto e transmitidas pelos meios de comunicação social e digital".

Contudo, a história que parecia bem definida desde início sofreu uma reviravolta quando a ministra da Saúde, Marta Temido, referiu em entrevista à SIC, a 2 de maio, que as celebrações do 13 de Maio, em Fátima, seriam "uma possibilidade", desde que fossem uma opção dos organizadores e se cumprissem as regras sanitárias.

Na conferência diária da DGS, no dia seguinte, porém, a ministra deixou clara a posição assumida, salientando a "diferença entre peregrinos e celebrantes". "Nós estamos obviamente totalmente disponíveis para apoiar a Igreja Católica, ajudando à definição daquilo que sejam as regras específicas para essas celebrações, mas não se confundam celebrantes com peregrinos. Da mesma forma que noutros contextos nenhum evento aconteceu da exata forma como tinha acontecido antes. Penso que estará clara a ideia de que não há aqui nenhuma situação diferente daquela que estava prevista e prudentemente definida pela nossa Igreja", frisou.

O Santuário de Fátima referiu ter sido "apanhado de surpresa" pelas "declarações do Governo" sobre as celebrações religiosas de 12 e 13 de Maio, tendo sido reunidos "todos os elementos para tomar uma posição”, que acabou por ser divulgada na tarde de 3 de maio. Depois de discutido o assunto, nada mudou: o 13 de Maio no Santuário de Fátima será celebrado sem peregrinos.

Ao SAPO24, D. Manuel Clemente, presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP) e Cardeal Patriarca de Lisboa, refere que "a decisão sobre o 13 de Maio em Fátima foi tomada pelo respetivo Bispo Diocesano, Cardeal D. António Marto, a única autoridade competente para a tomar", acrescentando ainda que concorda "plenamente" com a medida. "Com as autoridades públicas, seguiremos o evoluir da situação [da pandemia], com toda a cautela que o Papa recomendou. O que importa é o bem das pessoas, sempre e prioritariamente", frisou.

Mas a decisão está longe de ser consensual, sobretudo depois de autorizadas as celebrações do 25 de Abril e do 1.º de Maio — com moldes bastante distintos entre si.

É preciso "ter a cabeça no sítio e pensar no contágio"

Fiéis em todo o país aguardavam com expectativa a resposta final do Santuário quanto à realização das celebrações. A medida foi recebida das mais diversas formas: há quem concorde e quem considere que a Igreja está a abandonar as pessoas, com as suas "portas fechadas", ou que o Estado está a fazer distinções entre celebrações. Estas são as vozes dos peregrinos sobre um dia que vai ficar na história de Fátima.

"Não podemos arriscar-nos a que toda a gente queira ir para lá"

Carla Rocha é voluntária no Santuário de Fátima há 14 anos e, ao SAPO24, conta ter acolhido a decisão com tristeza mas sabendo que é o mais acertado. "Fátima é uma parte de mim, da minha história, algumas das grandes decisões foram tomadas ou lá ou com o coração em oração. Como voluntária no serviço de acolhimento/informações a ligação fica ainda mais fortalecida pelas vivências dos peregrinos", começa por contar.

"A decisão do Santuário, embora cause tristeza, é no meu entender a mais correta, porque não podemos arriscar-nos a que toda a gente queira ir para lá, é um lugar em que não é fácil prever quem vai, nem em que condições. Por isso, a medida só mostra cuidado e preocupação com os outros. Não terá sido fácil para ninguém tomar essa decisão, mas é de louvar", salienta Carla.

Filipe Ressurreição, acólito e catequista na Paróquia de S. José de Algueirão, Mem Martins e Mercês, conta também a sua experiência ao SAPO24, enquanto peregrino de Fátima.

"A Igreja Católica Portuguesa tem sido exemplar nesta batalha contra o vírus. Fátima não poderia deixar de o ser"

"A minha relação com Fátima começou muito cedo. Desde pequeno que me lembro de ir com a família à Cova de Iria. Ao longo dos anos, foi-se tornando mais forte: eu gosto de lá ir, de lá estar. Só porque sim. Já a minha relação com as peregrinações anuais começou bastante tarde. Lembro-me de com 10/12 anos ficar acordado só para ver a transmissão da Procissão de Velas e, no dia 13, acordava à pressa para poder assistir à Eucaristia e à Procissão do Adeus. No entanto, digo que foi tarde porque a primeira vez que estive presente no Santuário numa peregrinação anual do 13 de Maio foi em 2017, no centenário. A partir daí, voltei em 2019, com a minha mãe e uma amiga nossa, que foram pela primeira vez, e tencionava voltar este ano", diz.

Apensar da vontade em estar presente, vê, tal como Carla, a decisão como "a mais acertada e mais responsável".

"A Igreja Católica Portuguesa tem sido exemplar nesta batalha contra o vírus. Fátima não poderia deixar de o ser, sabendo a multidão de gente que a Senhora de Fátima chama àquele local", refere Filipe.

Para quem costuma ir a Fátima, estes serão dias diferentes. A voluntária, que a 12 e 13 de Maio vai "quase sempre, mas nesse dia como peregrina porque são os servitas a fazer o trabalho de acolhimento", faz questão de viver a data com igual intensidade, apesar da distância. As alternativas são "seguir as propostas do Santuário" e "aprofundar o conhecimento sobre a mensagem de Fátima lendo as memórias da Irmã Lúcia".

E estas são datas assinaladas em família. "Podemos acompanhar as celebrações oficiais, ler as memórias e ver filmes e documentários sobre o tema. Criámos ainda em casa um espaço mariano para nos sentirmos mais próximos", conta. Também o filho de Carla, com 10 anos, está preparado para viver este mês, com um oratório no seu quarto. "O Francisco para já ainda não verbaliza nada sobre não irmos a Fátima, é um miúdo de momentos. Só na data ao ver que é diferente é que falará de certeza", garante. "Eu tenho chorado por não poder lá ir  — e não só no dia 13 —, mas tenho de ter a cabeça no sítio e pensar no contágio".

"A Igreja não está a abandonar ninguém, muito pelo contrário"

Também Filipe segue estas alternativas. "Nunca será a mesma coisa viver o 13 de Maio à distância. No entanto, temos de compreender que este ano tem mesmo de ser assim. A melhor forma é mesmo rezar. Podemos assistir às celebrações pelas televisões  — e vai ser muito triste ver a Senhora de Fátima sozinha nesse dia — e acompanhar como se lá estivéssemos: rezarmos o terço, celebrar a Eucaristia, cantar à Mãe".

Em casa, diz também ter "um pequenino altar com a imagem da Senhora de Fátima", para lembrar o mês e estar mais perto do Santuário.

A decisão de D. António Marto trouxe muitas críticas, que se ouvem um pouco por todo o lado. Estará a Igreja a abandonar os fiéis? É mesmo preciso cancelar a peregrinação? Sobre o tema, Carla não hesita. "A Igreja, no meu entender, não está a abandonar ninguém, muito pelo contrário: está é a ter bom senso e cautela, coisa que não existiu noutras comemorações que se viram no país há alguns dias", atira, numa referência às celebrações do 25 de Abril e do 1.º de Maio.

Filipe Ressurreição refere que as celebrações do 25 de Abril e do 1.º de Maio em nada diferem, na prática, da peregrinação a Fátima. "Para cada pessoa a data será mais ou menos importante de celebrar. Mas não interessa. Já está, foram celebradas. Ainda que eu ache que, principalmente o 1.º de Maio, tenha sido celebrado de forma errada. E, exatamente por achar isso, não posso concordar que façamos o mesmo no 13 de Maio. Pelo contrário!", reitera.

"Eu estarei sempre com os meus Bispos, independentemente da decisão. Como católico, acredito que tenham rezado muito esta questão. E estou, em particular, com o meu Bispo de Lisboa. É indecente a maledicência e o enxovalho a que os nossos Bispos têm vindo a ser sujeitos por parte de muitas ovelhas do seu rebanho. A situação por que passamos é difícil e não nos podemos separar: devemos estar unidos, mesmo quando que não concordemos", realça o catequista.

"Como é que os padres vão decidir quem entra ou quem não entra?"

Carla deixa ainda um exemplo das dificuldades igreja enfrenta. "Eu pessoalmente não gosto de futebol, mas não vejo tanto stress e tantas críticas ao facto de os jogos serem sem adeptos. Mal comparado, podem dizer, mas no fundo vai dar ao mesmo. Podem ver na televisão, ora nós também. Nós, católicos, até podemos escolher a igreja e o sacerdote que queremos para assistir à missa, a oferta é enorme, estão muito mais acessíveis. Está muita gente preocupada com o comungar, mas será que estamos sempre preparados para comungar quando vamos à missa? Se calhar não é só o facto de estarmos presentes ou não que decide o ato", reflete.

O acólito e catequista da Paróquia de S. José de Algueirão, Mem Martins e Mercês partilham a mesma opinião. "É normal termos todos saudades da Eucaristia. Mas temos de compreender que o que está em jogo é a saúde pública. As igrejas, e nomeadamente o Santuário, são locais que juntam uma grande quantidade de pessoas num mesmo espaço e muitas de idade avançada", começa por explicar.

"Claro que surgiu a ideia de limitar a entrada de pessoas aos locais sagrados. Mas vejamos: quem tem coragem de ir para a porta de uma igreja dizer a uma senhora idosa que talvez tenha caminhado durante bastante tempo para ali chegar que não pode entrar porque já se atingiu o limite de pessoas permitidas? Isto é uma questão que me assusta! A igreja não é uma loja ou um cabeleireiro, nem um cinema ou um teatro, com todo o respeito. No cinema, eu posso negar a entrada a alguém e a pessoa, se quiser, compra o bilhete para a sessão seguinte. Numa igreja, eu não tenho coragem de negar a um filho a entrada na Casa do Pai. Nem ninguém deveria ter!", refere.

Sobre a possível limitação do número de pessoas nas igrejas, Carla Rocha deixa também duas perguntas, em forma de reflexão. "Como é que os padres vão decidir quem entra ou quem não entra? Terão as igrejas verbas para os meios de higienização necessários?", questiona.

"Se há exceções para umas coisas, tem de se abrir para outras"

Contudo, são também muitas as pessoas que consideram que é essencial haver peregrinos em Fátima durante as celebrações de Maio. Desde há 103 anos que a Cova da Iria é local das gentes e assim devia continuar, mesmo que com cuidados diferentes.

António Mucharreira é servita no Santuário há quase 26 anos e é "a primeira vez" que não vai a Fátima em serviço. "É triste, é impensável. São anos consecutivos a ir a Fátima nesta data, não só em maio, mas nos outros meses, em quase todos, mas principalmente em maio, porque é uma data importante. Este ano, pela primeira vez, não estarei presente", começa por dizer ao SAPO24.

"A Igreja está a ser espezinhada por esta gente que manda neste país"

Sobre a decisão de não haver peregrinos no recinto, mostra-se em dividido. "Concordo e não concordo. Realmente temos de nos precaver, mas não concordo, depois do que aconteceu no passado fim de semana [no 1.º de Maio], em que se viu aquilo que se passou na Alameda. Eu não tenho nada contra [as celebrações do Dia do Trabalhador], não interessa aqui se gosto ou não gosto, se comemoro ou não, mas temos de ver que não pode haver portugueses de primeira e portugueses de segunda", começa por explicar.

"O que mais me ofende como cristão, como católico apostólico romano, é que a Igreja está a ser espezinhada por esta gente que manda neste país e parece que querem voltar aos tempos antigos, em que os primeiros cristãos não se podiam reunir, celebrar, fazer nada. E agora estamos a voltar a isso. Se há exceções para umas coisas, tem de se abrir para outras, para todas", refere. "Não se pode proibir os fiéis, que isto engloba milhares e milhares de pessoas. É triste, é desagradável e eu acho que começa a haver já uma perseguição à Igreja católica, com este ateísmo que está a invadir o nosso país".

"Limitar tinha que se limitar sempre. Mas era melhor haver [peregrinação] do que não haver"

Quanto a soluções, António Mucharreira refere que poderia ter sido encontrada uma formulação conjunta para a celebração, entre a Igreja e o Governo, antes de tudo ser cancelado. "Acho que se poderia contornar, como se fez na Alameda, com as devidas precauções. Era preciso marcar o recinto do Santuário, delimitava-se de maneira a que houvesse o distanciamento social, para ficarmos devidamente espaçados. Depois, quem entrava, entrava, e tinha de ficar naquela disposição. Quem não entrava, não entrava; ficava na rua. Mas é certo que se tinha de apelar às pessoas para não irem para Fátima a correr porque ia ser muito difícil, para não dar luz verde a toda a gente que quisesse aparecer para encher o recinto", esclarece.

"Limitar tinha que se limitar sempre, porque o recinto não podia ficar cheio. Mas era melhor haver do que não haver. Com umas fitas ou qualquer coisa tudo se podia fazer", conclui.

Além da questão do Santuário, o servita refere que os católicos, por todo o país, "estão a ser prejudicados" devido às restrições impostas quanto às missas. "Inclusivamente nas celebrações dominicais, há paróquias que têm uma afluência na ordem das 40 ou 50 pessoas e portanto era facilmente ultrapassável [a questão do distanciamento]. Mas podem depois dizer-me que depois acorriam ali pessoas de outros lados, mas isso também era controlável. O próprio pároco ou alguém da igreja poderia contornar isso, vendo se a pessoa era ou não de lá. Se não fosse, não podia ficar porque há lugares marcados para os da terra. Mas nos sítios em que as igrejas estão sempre cheias, como é o caso em algumas cidades, já era mais difícil. A hipótese poderia ser com senhas — já fui a uma missa com convites, quando o Papa veio ao Estádio do Restelo. Tudo isso tinha de ser equacionado, mas proibir radicalmente acho que não devia acontecer", atira.

"Fátima está onde eu estou com a Imagem Peregrina"

Enquanto alguém que vive o as celebrações no Santuário de Fátima com uma intensidade diferente há vários anos, António Mucharreira não consegue ignorar todas as diferenças. "Vou viver estas datas com uma profunda tristeza no meu coração, porque não é fácil estar ali todos os anos e este ano não estar", diz.

No entanto, o servita tem uma missão por estes dias que acaba por compensar as restrições. "Felizmente estou a acompanhar a visita da Imagem Peregrina de Nossa Senhora de Fátima à Paróquia de S. João das Lampas. Ainda ontem [3 de maio] fizemos lá um bonito cortejo que percorreu as localidades todas. No dia 31 a Imagem vai sair de lá, passa por algumas paróquias do Oeste. Refugio-me nesta possibilidade que tenho, que é a de não ir a Fátima, mas andar com Fátima junto de mim. Fátima está onde eu estou com a Imagem Peregrina, embora não seja o mesmo que estar lá", conta.

"É um grande orgulho para mim, é um grande privilégio e penso naqueles que não o podem fazer, que não podem estar num lado nem no outro. Tenho pena, tenho muita pena, e tento também levar Nossa Senhora Peregrina o mais possível junto das pessoas nestes dias em que ando com ela. Na transição de umas paróquias para as outras, passarei por outras localidades, embora não estivesse previsto, e vou avisar as comunidades, tendo a certeza que será um grande júbilo para essas pessoas verem passar a Imagem Peregrina n.º2, a mais antiga em circulação pelo mundo. É uma imagem com um historial enorme. Ontem, quando as pessoas se abeiravam para ver as imagens das suas casas, porque devido ao confinamento não é possível haver grandes multidões na rua, viram-se choros, pessoas completamente sintonizadas com Nossa Senhora e é uma grande alegria poder dar isso às pessoas", reflete.

José Bernardes, de 65 anos, é cursista [participa em Cursilhos de Cristandade] e diz-se devoto e "apaixonado por Fátima". Ao SAPO24, conta como começou a relação com a Cova da Iria.

"Se não houver cuidado, vai tudo voltar atrás. E depois vão cair em cima de nós, os católicos"

"Costumo ir a Fátima no dia 13 de Maio, todos os anos. Não vou dizer que vou lá desde pequenino, mas aí desde 1993. A minha querida mãe já partiu, teve vários problemas de saúde, cancros. Lembro-me de ir num dia 12 de maio a Lisboa fazer uma TAC com ela e quando vim de lá soube que ela tinha um tumor no rim, gravíssimo. Tinha de ser operada o mais depressa possível. E nesse dia cheguei a casa e disse à minha esposa que não íamos jantar nem nada porque íamos para Fátima, porque era preciso agradecer a Nossa Senhora para que ela nos ajudasse. E fomos. No dia em que a minha mãe foi operada eu estava meio chorão e ela disse-me 'ó filho, não estejas preocupado, nós acreditamos na Senhora de Fátima e eu sei que ela está comigo'. Foi ela que me animou e nunca mais deixei de ir. É a fé que nos salva. Nunca vi Cristo, mas senti-o muitas vezes. Também nunca vi o vento e sinto-o, ainda hoje senti bastante", afirma.

No caso de José, a principal crítica vai para o facto de se estabelecerem diferenças entre as celebrações dos outros feriados recentes e as do 13 de Maio, que na sua opinião deveria ter sido também considerado à partida.

"Não concordo com aquilo que se passou no 25 de Abril e no 1.º de Maio. Se há um alerta, se as pessoas deviam estar em confinamento, não posso concordar. Acho que, neste momento, até para dar uma chapada de luva branca a essa gente, não se deve celebrar o 13 de Maio, porque é um risco. Não que eu não quisesse lá estar, porque queria muito lá estar. Só que também sei que as pessoas abusam e não conseguem manter o distanciamento. Neste momento posso dizer que tenho de concordar com aquilo que foi determinado pelo bispo de Fátima", confessa.

"São milhares e milhares de pessoas todos os anos. Se não houver cuidado, vai tudo voltar atrás. E depois vão cair em cima de nós, os católicos. E eu não quero isso. Quero que haja dignidade da parte dos católicos", diz.

"A prudência aconselha-nos a que desta vez não seja assim"

A decisão inicialmente tomada pela Igreja — um 13 de Maio sem peregrinos — manteve-se apesar da aparente abertura do Governo para que as celebrações ocorressem num outro molde.

"Tendo surgido informações de que o Santuário de Fátima poderia fazer a peregrinação de 12-13 de Maio com a presença de peregrinos no recinto de oração", o bispo de Leiria-Fátima, cardeal António Marto, "esclarece que se mantém a decisão anteriormente anunciada de realizar estas celebrações com o recinto fechado, sem a habitual participação dos peregrinos", podia ler-se em comunicado.

"Mantemos esta opção dolorosa na expectativa de, quanto antes, podermos ter neste Santuário as multidões"

"A decisão da Igreja Católica de seguir as indicações das autoridades civis, no sentido de suspender as celebrações religiosas comunitárias, decorre da responsabilidade de fazer o que está ao seu alcance para não colocar em perigo a saúde pública, cumprindo também deste modo o mandato evangélico do amor ao próximo", continuava a nota.

"Estamos conscientes de que um aglomerado imprevisível de pessoas na Cova da Iria, a 12 e 13 de Maio, numa altura em que o risco epidémico é elevado, contraria as orientações das autoridades de saúde, que optaram por fazer um desconfinamento gradual e faseado", refere.

"Respeitamos, por isso, numa atitude de colaboração com as diversas autoridades, as orientações de realizar estas celebrações com uma presença simbólica de participantes: intervenientes na celebração e funcionários do Santuário", explicita o bispo.

Como "estava previsto, em articulação com as autoridades civis, as celebrações dos dias 12 e 13 de Maio, este ano, não podem contar com a presença física dos peregrinos e serão transmitidas pelos órgãos de comunicação social e digital", acrescenta.

"Por mais que o nosso coração desejasse estar em Fátima, a celebrar comunitariamente no mesmo lugar, como acontece desde 1917, a prudência aconselha-nos a que desta vez não seja assim", adverte o cardeal António Marto.

"Mantemos esta opção dolorosa na expectativa de, quanto antes, podermos ter neste Santuário as multidões que, na alegria da fé, se reúnem para celebrar e rezar", conclui o bispo de Leiria-Fátima.

Até lá, é o silêncio da prevenção e do cuidado que se ouve no recinto.

"Este é um momento doloroso"

Já esta terça-feira, o reitor do Santuário, Pe. Carlos Cabecinhas, apelou também aos peregrinos para não se deslocarem até ao Santuário, referindo que o 12 e 13 de Maio devem ser vividos em casa, num clima de oração.

"Este é um momento doloroso: o Santuário existe para acolher os peregrinos e não o podermos fazer é motivo de grande tristeza; mas esta decisão é igualmente um ato de responsabilidade para com os peregrinos, defendendo a sua saúde e o seu bem-estar", refere o reitor do Santuário de Fátima numa mensagem dirigida a todos os peregrinos.

"Pedimos-vos que não venhais nos dias 12 e 13, mas que façais esta peregrinação pelo coração"

"Tomar agora esta decisão dolorosa significa procurar criar condições para podermos retomar, o mais rapidamente possível, as peregrinações a este lugar", sublinha o reitor, deixando um apelo a todos os que tinham intenção de se dirigir ao Santuário. "Neste Maio, pedimos-vos que não venhais nos dias 12 e 13, mas que façais esta peregrinação pelo coração e que acompanheis a transmissão das celebrações através dos meios de comunicação social, da internet e das redes sociais".

Em alternativa à deslocação dos peregrinos à Cova da Iria, o reitor do Santuário desafia os fiéis a fazerem "um caminho espiritual a partir de uma proposta concreta de oração para cada dia", que pode ser encontrada no site do Santuário e nas suas redes sociais, a partir de segunda feira à tarde e diariamente até dia 13 de Maio.

"Não podemos contar com a vossa presença física, mas gostaríamos de poder contar convosco. Porque não se peregrina só com os pés, mas também com o coração, propomos-vos que façais connosco uma peregrinação pelo coração: uma peregrinação por etapas, do dia 4 ao dia 13; uma peregrinação em que o caminho não é físico, mas interior”, afirma o padre Carlos Cabecinhas, desafiando os peregrinos a acenderem, todos os dias, nas janelas de suas casas, uma vela, um dos gestos mais icónicos de Fátima.

"Faremos uma bela procissão de velas, difundida por todos os lugares onde viveis e vos encontrais"

"Que, em cada dia, cada um faça um momento de reflexão e oração, de acordo com as propostas que disponibilizaremos; e que, em cada noite, acenda à janela uma vela, até à procissão de velas do dia 12. Faremos, assim, uma bela procissão de velas, difundida por todos os lugares onde viveis e vos encontrais".

O reitor deixou ainda uma breve mensagem aos vários grupos de peregrinos que tiveram de cancelar a peregrinação a Fátima neste mês, cerca de três centenas e meia, de todo o mundo, incluindo muitos portugueses. "Quero saudar todos aqueles que, habitualmente, ano após ano, se fazem peregrinos de Fátima: sentimos a vossa falta! Mas estaremos unidos na oração comum. Saúdo igualmente todos aqueles que desejariam estar presentes, este ano, aqui no Santuário: rezaremos por todos vós!", disse.

"A bem da saúde pública"

A Igreja Católica tem vindo a defender a manutenção da suspensão das celebrações comunitárias, alertando que o fim do estado de emergência não significa o fim da pandemia de covid-19.

É necessário manter a suspensão das celebrações comunitárias, "a bem da saúde pública", pois "o fim do estado de emergência não significou o fim da pandemia e do grande perigo de ela alastrar", se não se mantiver "o cuidado necessário", afirmou o Cardeal-Patriarca de Lisboa, D. Manuel Clemente, numa nota ao clero da diocese.

"O Governo não autorizou celebrações religiosas em geral até ao fim deste mês" e "o Santo Padre pediu para todos nós a graça da prudência e da obediência às orientações oficiais, para que a pandemia não regresse", sublinha.

"Custa-nos certamente, mas temos de cumprir, a bem da saúde pública. Atentos ao bem de todos e de cada um, com o cuidado que a sua vida nos requer, da saúde do corpo à do espírito, totalmente considerada e respeitada, para ser vida em abundância", escreve o responsável.

"Defendemos a saúde dos fiéis e anunciamos a vida ressuscitada de Cristo"

Na "Carta aos sacerdotes ao serviço no Patriarcado de Lisboa", Manuel Clemente diz que o adiamento, para 30 de maio, do "regresso das celebrações comunitárias da Missa" constitui uma "dificuldade" para si, mas que tem de ser assim, "a bem de todos", reconhece.

"Como vós, fui formado para acompanhar presencialmente o Povo de Deus, em especial na celebração eucarística e demais sacramentos, cuja administração nos define e realiza. Assim voltará a ser, logo que possível, como o Povo de Deus tanto anseia – e nós com ele", acrescenta o presidente da Conferência Episcopal Portuguesa (CEP).

"No que nos cabe, defendemos a saúde dos fiéis e anunciamos a vida ressuscitada de Cristo. Essa mesma que não precisa que lhe abram a porta para se manifestar perto ou longe", refere ainda Manuel Clemente, que saúda os sacerdotes pela "dedicação demonstrada ao Povo de Deus".

Especialmente, destaca o cardeal-patriarca, "neste tempo difícil, em que a presença física tem de ser quase substituída pelos meios de comunicação, antigos e novos, ao nosso alcance. Tem sido grande a vossa ação e criatividade neste sentido".

Algumas das medidas já divulgadas pela CEP quanto às celebrações, em comunicado de 2 de maio:

  • As celebrações dos sacramentos que implicam contacto físico, como as unções, devem ser adiadas para o próximo ano pastoral. Alguns casos particulares como o batismo e a unção dos doentes podem ser realizadas com a devida segurança;
  • Para o sacramento da confissão é preciso seguir as normas de segurança de saúde e garantir o devido distanciamento entre o confessor e o penitente;
  • Os funerais devem ser celebradas nas igrejas e/ou no cemitério com a presença dos familiares, tendo em conta as normas de segurança que impeçam a transmissão do coronavírus;
  • As catequeses e outras ações formativas continuam a ser realizadas recorrendo a plataformas online até ao final deste ano pastoral;
  • Procissões, festas, concentrações religiosas, acampamentos e outras atividades similares são adiadas para o próximo ano pastoral;
  • As igrejas podem estar abertas durante o dia para visitas individuais, desde que se observem os requisitos determinados pelas autoridades de saúde.

(Artigo atualizado às 16h55 de 8 de maio, com fotografias cedidas pelo Arquivo do Santuário de Fátima)