"Foi antes deste caos, mas já estava a adivinhar", confessa. Uma PlayStation e alguns jogos — foi isto que Marco Almeida encomendou a 23 de novembro. O objetivo era ter tempo suficiente para receber a consola antes do Natal. A expedição do produto aconteceu dias depois, a 29 de novembro, a cargo da SEUR. O prazo previsto para a entrega era 4 de dezembro, ligeiramente atrasado por causa dos feriados em Portugal.
"Enviar a 29 e chegar cá a 4 é perfeitamente normal, tendo em conta que havia feriado e fim-de-semana pelo meio", afirma Marco. Porém, a normalidade não foi duradoura. E logo no dia 30, “logo após a Amazon entregar a encomenda à SEUR, há uma atualização no sistema da SEUR a dizer que a encomenda está atrasada e passam de 4 para 11 de dezembro, que é a segunda-feira seguinte”, conta.
"Ao chutarem aquilo para dia 11, a Amazon fica logo de mãos atadas", diz Marco. É que, ao ter uma nova data — 11 de dezembro —, a loja online só pode agir a 12. "No dia 11 não recebi a encomenda, no dia 12 não recebi a encomenda. No dia 13 falei com a Amazon e eles ainda tentaram descobrir junto da SEUR onde é que a encomenda estava, mas nada. No sistema da SEUR a última atualização era dia 30 [de novembro] a dizer que a encomenda estava atrasada e que ia ser entregue dia 11."
Porém, nem um indício da consola se avistou.
Por fim, a própria retalhista decide reenviar a encomenda, através de uma outra distribuidora. Marco acabou por receber esta nova remessa a 19 de dezembro. "Ainda consegui resolver tudo antes do Natal", alegra-se. "Mas comprei com um mês de antecedência”.
No Portal da Queixa, rede de partilha de reclamações dos consumidores portugueses, são às dezenas as queixas. Quase todas vão no mesmo sentido: a encomenda não chegou a tempo.
A SEUR não é a líder no número de queixas na plataforma. Esse posto cabe a outra distribuidora — CTT. Só nos primeiros quatorze dias de dezembro, o Portal da Queixa recebeu mais de meio milhar de reclamações dirigidas a transportadoras. Nas semanas que antecederam o Natal, pelo menos desde o início de outubro, o Portal da Queixa registou um aumento de 212% no número de reclamações dirigidas a empresas como a SEUR, face ao período homólogo do ano passado.
Este volume de 2.165 reclamações em apenas dois meses e meio deve-se, explica a equipa da plataforma online em comunicado, sobretudo ao “atraso na entrega das encomendas, falta de apoio ao cliente, entregas falhadas, dificuldades de contacto e entrega danificada”.
Marco desistiu cedo de tentar chegar à fala com a SEUR. Ainda falou com a transportadora espanhola nos primeiros dias, mas depois deixou de tentar. "Os telefones deles são à meia hora e aos 45 minutos de espera e são pagos”.
No início ainda conseguiu falar através de um número alternativo à linha de valor acrescentado que a empresa disponibiliza aos clientes. De lá diziam-lhe que a encomenda continuava do outro lado da fronteira. "Como ainda não saiu de Espanha, em Portugal não sabiam, nem podiam dizer nada", conta.
O Natal aproximava-se e nas redes sociais as queixas acumulavam-se. Eram “os lesados da SEUR”, escrevia Marco na rede social Facebook, dando conta dos atrasos, onde várias pessoas repetiam os casos.
Jorge Martins Rosa é outro desses exemplos. Encomendou alguns livros e um presente de aniversário a 6 de novembro. A previsão era que chegassem dali a quatro dias, a 10 de novembro. Mas “nesse dia, como seria de esperar”, conta, “não estava em casa”. Fez, por isso, o reagendamento da entrega, através do site, “para dia 15 de manhã, mas não apareceu ninguém. A partir daí, nada.”
“O site continuava a dizer que a encomenda estava prevista para dia 15 (que já tinha passado), mas também não me deixava reagendar nem mudar, por exemplo, para a morada do trabalho. Literalmente emperrou”, conta Jorge. Semana e meia depois, tentou falar com o atendimento ao cliente, mas não conseguiu “falar com nenhum humano”.
Tornou a esperar. Entretanto, novembro estava a acabar e da encomenda nem vestígio. É então que entra em contacto, por email, com a própria Amazon. “Fizeram a devolução do dinheiro e considerei o assunto como encerrado, adiando para outra altura a repetição da encomenda”, explica.
Até que, no pico da confusão com as encomendas, Jorge recebe uma mensagem no telemóvel: era a Chronopost, “indicando que a encomenda tinha sido entregue num pick-up point [ponto de levantamento de encomendas] desta última (uma papelaria perto de casa, onde já tinha levantado encomendas via Chronopost)”.
Marco conta a mesma história. Diz ter sabido de camiões vindos de Espanha com as encomendas para "despejar" os pedidos da SEUR nos postos de levantamento da Chronopost, uma marca do mesmo grupo da transportadora espanhola, "porque eles não conseguiam fazer entregas", diz.
"Nalgumas lojas estava um caos", diz. Um amigo, que trabalha num desses pontos de recolha, disse-lhe que a Setúbal “chegaram cinco paletes da Amazon no mesmo dia”.
Nunca lhe tinha acontecido. “Faço bastantes compras na Amazon e nunca tinha tido más experiências", todavia, desta vez "a coisa colapsou", aponta.
Jorge também reconhece que a estrutura desmoronou. Porém, diz que “no essencial” continua a confiar no comércio online. Admite, porém, que vai tentar informar-se primeiro “acerca da companhia de entregas com que trabalha a empresa” a que faz a encomenda.
“Tende a ser uma lotaria”, afirma. “Nos melhores casos, o site funciona, o tracking number [código para seguir a entrega] dá indicações precisas acerca do estado da encomenda, e é possível redirecionar para outra morada ou para um pick-up point, mas tudo isso exige uma estrutura logística que pelo visto muitas empresas não têm, e se o volume de pedidos aumenta, tudo desmorona.”
O Natal acabou por não ficar arruinado para Jorge ou Marco, porém, diz este último “até hoje, não [faz] ideia do que aconteceu à encomenda original”.
Em resposta a perguntas enviadas pelo SAPO24, fonte oficial da Amazon Espanha admite que “durante este atarefado período, algumas entregas podem demorar um pouco mais que o habitual”. Por correio eletrónico, a loja espanhola da gigante retalhista norte-americana explica que “os clientes podem obter informação sobre o tempo de entrega no momento da compra e posteriormente, fazendo o acompanhamento do envio.”
A SEUR Portugal começou a preparar a épocas de Natal e saldos com três meses de antecedência. Mónica Rufino, diretora-geral da SEUR Portugal explica ao SAPO24 que apesar de a operação ter começado em setembro, as “previsões foram amplamente excedidas”.
“As previsões, que fizemos em coordenação com os nossos clientes-empresa, apontaram para um crescimento da atividade de 20%, podendo acentuar-se em datas-chave como a Black Friday.”
“Estas previsões foram amplamente excedidas, muito pelas promoções mais agressivas e de duração alargada, face anos anteriores. Este enquadramento provocou um aumento generalizado da atividade para todo o setor de transporte urgente, com um caracter absolutamente excecional especialmente na região de Lisboa, que cresceu mais de 95% da média do ano. Não há nenhuma outra região em toda a Península Ibérica que tenha registado este aumento”, diz.
A resposta da empresa foi um reforço das equipas, com a contratação de 60 profissionais, o que representa “um aumento de 20% em relação à força de trabalho usual”. E acrescenta: “devido ao aumento de volumes, aos dias de hoje, toda a equipa de distribuição continua a ser reforçada, bem como de apoio ao cliente por telefone, redes sociais, entre outros”, afirma a responsável.
Porém, sublinha Mónica Rufino, “neste tipo de atividade, as novas contratações requerem formação antes de se tornarem operacionais, não permitindo uma reação tão imediata quanto o desejado, em resposta a este crescimento de ordem tão excecional”.
“Estamos a colocar todos os nossos esforços e recursos para ajudar os nossos clientes a responder ao crescimento que estão a ter nas suas vendas e a nossa intenção é que recebam as suas remessas, o mais rápido possível. E quando falamos sobre clientes, referimo-nos a todos, independentemente do tamanho ou segmento”, conclui a diretora-geral da SEUR Portugal.
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