“Silêncio que se vai cantar o Fado” é uma expressão que desde abril não faz sentido. O silêncio nas casas de fado é tanto que pouco fado se ouve. Os donos foram obrigados a fechar os negócios devido à falta de faturação durante a pandemia de Covid-19.
No final de março, a CML tinha anunciado uma linha de apoio a artistas em situação crítica, no valor de um milhão de euros para projetos de dinamização cultural da cidade. Ao valor acresciam 250 mil euros, para ajudar à subsistência de trabalhadores independentes e entidades do setor. Nesta medida, aprovada no âmbito do Fundo de Emergência Social do município, cabiam artistas e criadores nas áreas de “artes visuais, artes performativas, design, moda, literatura, património, cinema, audiovisual”.
A 17 de abril, boas notícias avizinhavam-se. A Câmara de Lisboa anunciava que iriam ser abertas candidaturas para uma "ajuda imediata" de 200 mil euros às casas de fado da cidade e aos seus artistas.
A 8 de maio, a Câmara de Lisboa divulgava que tinha sido “concebida uma programação no valor de 200 mil euros”, para este setor, no âmbito da atividade do Museu do Fado e um dia antes, a 7 de maio, o jornal Expresso noticiava que nunca tinham existido apoios específicos para o setor do fado, tendo se tratado de um "lapso de comunicação" o anúncio de 17 de abril.
O financiamento de 250 mil euros estava disponível, mas fazia parte dos 1,25 milhões que a autarquia anunciou no Fundo de Emergência – Vertente de Apoio à Cultura. Era então para toda a comunidade artística em Lisboa. Ao Expresso, Pedro Sales, responsável pela comunicação da autarquia, falava de apoios ao fado a médio prazo: “Será um programa de apoio com maior fôlego e vai ter também o contributo da Associação de Turismo de Lisboa”.
Também a 7 de maio, o Museu do Fado anunciava uma programação específica com os elencos artísticos residentes nas casas de fado de Lisboa "em complemento aos apoios disponibilizados pela Câmara Municipal de Lisboa". Esta programação contemplava três medidas: a co-produção com a RTP de um documentário alusivo às Casas de Fado que envolveu o Museu do Fado, 11 Casas de Fado, 12 fadistas, 25 guitarristas (exibido a 2 de maio), uma programação de conversas e fados intitulada Fados da Casa e a coprodução do programa Fado no Átrio com a Junta de Freguesia de Santa Maria Maior (segundo o qual, o Museu do Fado terá contratado mais de 160 profissionais do setor) como se pode ler na nota publicada na página de Facebook.
Mas o facto de a programação apenas incluir algumas casas gerou polémica nas redes sociais e o Museu do Fado justificou, em resposta na mesma publicação, a escolha: "O critério que presidiu à escolha das casas de fado foi o das casas de fado históricas e emblemáticas da cidade de Lisboa na sua esmagadora maioria fundadas na primeira metade do século XX. A programação mencionada neste comunicado, que o Museu do Fado produziu durante o período de confinamento, teve como objectivo complementar os apoios da Câmara Municipal de Lisboa ao sector da Cultura, na tentativa de abranger o maior número possível de artistas".
A lista da programação das iniciativas do Museu do Fado inclui 18 estabelecimentos: A Parreirinha de Alfama, A Severa, Adega Machado, Casa de Linhares, Clube do Fado, Fado ao Carmo, Fado em Si, Faia, Forcado, Luso, Maria da Mouraria, Mesa de Frades, Páteo de Alfama, Real Fado, Senhor Vinho, Senhora do Livramento, Taverna del Rey, Timpanas.
Para a união informal de casas de fado, que reune os estabelecimentos que ficaram de fora do âmbito do apoio da Câmara Municipal de Lisboa ao documentário, o critério de uma casa ser emblemática, é "subjetivo" e "nunca sequer deveria constar num programa de atribuição de verbas públicas".
O Grupo Municipal do Bloco de Esquerda também apresentou um requerimento junto do presidente da Assembleia Municipal de Lisboa para que chegasse à presidência da Câmara com um conjunto de perguntas, além da exposição da situação. Isto a 22 de maio
No ano do centenário de Amália Rodrigues, o Fado procura explicações
“Houve um comunicado no jornal Expresso a dizer que foi um ato de comunicação da Câmara. Anunciaram que ia haver candidaturas, nunca houve candidaturas. Andámos todos a ver como é e como é que não é. Agora anunciaram a todos os jornais que ia haver um novo apoio ao fado”. É assim que Clara Sevivas, dona da Casa de Fados “Coração de Alfama”, resume o que se passou ao SAPO24.
O tema voltou a estar em cima da mesa esta semana. Na quinta-feira, seria decidido pela Câmara de Lisboa um novo apoio de 500 mil euros, a atribuir à Associação de Casas de Fado de Lisboa (ACFL), que representa 16 Casas de Fado, que se distribuem por 11 empresas. É deste apoio de que fala a fadista e empresária Clara Sevivas.
Os representantes das casas de fado que se consideram excluídas dos apoios constituíram informalmente um grupo, a União das Casas de Fado, que não constitui uma associação, mas apenas uma maneira de as representar. Cerca de três dezenas de casas de fado consideram-se à margem do apoio financeiro dado pela Câmara de Lisboa à recentemente constituída Associação de Casas de Fado da capital, e questionam os critérios da autarquia.
“Se só umas Casas de Fado são apoiadas, só umas vão sobreviver”, diz Clara Sevivas.
Entre as 25 Casas de Fado, que se consideram "excluídas", contam-se, apenas no bairro de Alfama, segundo Clara Sevivas, o restaurante S. Miguel D'Alfama, Fama d'Alfama, Esquina de Alfama, Baiúca, Adega dos Fadistas, Viela do Fado, Boteco da Fá, Fermentação, Grandes Cantorias, Fora de Moda, Portas de Alfama, Bohemia Sé, Coração de Alfama.
E sublinha que isto é só em Alfama. “Porque depois há o Bairro Alto, Mouraria… Há muitas casas por Lisboa.” E empregam mais de 240 pessoas, entre elas, artistas, segundo informação veiculada pela Lusa.
“Nós queremos cantar fado”
“Gostávamos de perceber porque é que não chega nenhum apoio para as restantes casas – casas que estão abertas, que estão a cantar fado. A maioria das [casas] que estão a cantar fado somos nós, que não recebemos nada”, diz Clara, que é também vice-presidente da Associação de Comerciantes de Alfama.
A Associação de Comerciantes de Alfama soube da notícia do novo financiamento e partilhou a informação com as Casas de Fado. A fadista diz que não havia conhecimento desta nova associação de casas de fado: “Entretanto, vão ser aprovados quase 600 mil euros para as mesmas casas. É uma associação que também desconhecíamos. Nós continuamos sem receber nada. Fizemos vários pedidos”.
Ao saber deste apoio, aos donos de casas de fado de Alfama procuraram saber quais os critérios e porque não estavam contemplados. “Desde abril que andamos a mandar e-mails para perceber por que não estamos a ser apoiados, quais os critérios e como se podem pedir apoios para o fado.”
Num documento enviado ao SAPO24, a união de Casas de Fado escreve que a 4 de maio enviaram uma exposição desta situação via correio eletrónico, “ao cuidado do Dr. Fernando Medina com conhecimento da Dra. Catarina Vaz Pinto (Vereadora da Cultura),” e o respetivo pedido de esclarecimento “nomeadamente quanto à atribuição dos apoios e critérios definidos para os mesmos.” E acrescentam que o documento “foi assinado (…) por 137 cidadãos indignados e afetos, direta ou indiretamente, ao setor.” Dizem nunca ter tido resposta.
Pode ser que venham a obter respostas em breve. A CML disse ao SAPO24 que quinta-feira, dia 30 de julho, os representantes de outras casas de fado da cidade que não integram a Associação das Casas de Fado de Lisboa foram recebidos por elementos da Divisão de Economia e Inovação da Câmara “com o objetivo de ouvir a sua posição”.
Neste encontro, a CML reiterou que “se mantém permanentemente aberta a receber projetos das entidades que os apresentem, procedendo à sua avaliação técnica, seleção e posterior deliberação.”
Os cerca de meio milhão de euros de apoio anunciado às casas de fado não foram, assim, ainda aprovados. A Câmara Municipal de Lisboa diz que a proposta de protocolo não foi votada “com vista a tentar encontrar o mais amplo consenso possível junto do setor”.
A CML anunciou também que haverá uma “reunião entre a Associação das Casas de Fado de Lisboa e as outras casas de fado” para “chegar a uma solução mais consensual." Essa reunião entre a ACFL e as restantes casas, mediada pela CML, realizou-se na tarde desta sexta-feira, dia 31 de julho.
Segundo o que Clara Sevivas disse ao SAPO24, após esta reunião, as conversações vão continuar para chegar a um entendimento. Clara ficou responsável por "passar as informações sobre a ACFL que saíram desta reunião às Casas de Fado para ver se há condições de haver uma recetividade maior das casas e fadistas".
Não há, para já nova reunião oficial. "Vamos ver que casas querem integrar esta Associação", sendo que "a admissão de novos associados compete à direção sob proposta de três associados efetivos".
A empresária do “Coração de Alfama” qualificou a ACFL como "um clube fechado". Este ramo de negócio "vive momentos difíceis, mas se há apoios é para todos", enfatizou.
Representantes de outras casas de fado da cidade, que não fazem parte da Associação das Casas de Fado de Lisboa, manifestaram-se na quinta-feira em frente aos Paços do Concelho, numa ação promovida pela Associação de Comerciantes de Alfama. “Esta associação apoia a manifestação porque tem muitos sócios detentores de casas de fado”, diz Clara, acrescentando que a associação tem “cerca de 40 sócios, entre lojas de artesanato, mercados e Casas de Fado.”
O objetivo era claro: “Nós queremos cantar, queremos cantar fado. Já nos cansámos de mandar e-mails e queremos mostrar que existimos”.
E frisa: “Não queremos de forma nenhuma que pareça que estamos contra essas Casas de Fado [as abrangidas pelo novo apoio]. Queremos é perceber porque não há um apoio que abranja todas as Casas ou, pelo menos, o critério para perceber porque é que umas são abrangidas e as outras não. Alfama – e Lisboa – não vai viver com 16 casas de fado. Não vão dar trabalho a todos os músicos. Não faz sentido estar só a salvar algumas".
Pesquisa e testemunhos recolhidos por Magda Cruz
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