De acordo com uma queixa apresentada em julho deste ano no Tribunal de Amesterdão, a que a Lusa teve acesso, 52,6 ME alegadamente “desviados” por Isabel dos Santos em 2017 da Esperaza, através da qual a petrolífera angolana tem uma participação indireta na Galp Energia, passaram pelo EuroBic e pelo BIC Cabo Verde, dois bancos que nessa altura eram controlados pela empresária e o seu sócio Fernando Teles.
Segundo o despacho de citação, os fundos foram depois transferidos para contas de outras empresas de Isabel dos Santos, alegadamente sem qualquer investigação a que estavam obrigadas as duas instituições financeiras ao abrigo das leis sobre branqueamento de capitais em vigor em Cabo Verde e em Portugal e com o conhecimento do acionista e gestor dos dois bancos Fernando Teles.
Os 52,6 ME “foram pagos a partir da conta da Esperaza no banco cabo-verdiano de Isabel dos Santos e [Fernando] Teles, BBCV [Banco BIC Cabo Verde], para a conta da Exem no banco português de Isabel dos Santos e [Fernando] Teles, Eurobic, e depois desapareceram através da empresa portuguesa Terra Peregrin”, também da empresária angolana e filha do ex-presidente de Angola, já falecido, José Eduardo dos Santos, afirma o despacho, com base em documentos a que a Lusa também teve acesso.
O “desvio” ocorreu “através de uma transferência da conta da Esperaza no BBCV para uma conta da Exem no EuroBic” e “de seguida, o EuroBic transferiu internamente os 52,6 milhões de euros recebidos da Exem para uma conta da Terra Peregrin em fevereiro de 2018, o BBCV, Teles e o EuroBic desempenharam papéis-chave no ‘desvio'”, especifica o documento.
A Esperaza é uma ‘holding’ de direito neerlandês, em 2017 controlada a 60% pela petrolífera estatal angolana e em 40% pela Exem Energy, empresa detida a 100% por Isabel dos Santos e o seu marido, Sindika Dokolo, que morreu em 2020. A Esperaza detém 45% da Amorim Energia, que por sua vez é a maior acionista da Galp Energia, com 33,34%.
Contactado pela Lusa, Fernando Teles disse, por escrito, que “não tinha qualquer conhecimento das operações e transações quer da Esperaza, quer da Exem” e sublinhou que quer no Banco BIC Português [EuroBic], quer no Banco BIC Cabo Verde, “nunca desempenhou funções executivas, mas sim funções não executivas no seio dos respetivos conselhos de administração”.
“O BIC Português dispunha de uma Comissão Executiva que, em 2017 era presidida pelo prof. Teixeira dos Santos [anterior Ministro das Finanças do Governo português] e o BIC Cabo Verde dispunha igualmente de uma Comissão Executiva que, na mesma data, era presidida pelo dr. António Nunes, administrador que transitou do anterior BPN”, realçou o empresário.
Assim, e por desempenhar funções não executivas, ou seja, de presidente do Conselho de Administração do Banco BIC Cabo Verde, Fernando Teles assegura que “não acompanhava a atividade do dia-a-dia do banco, nem tão pouco os processos de abertura de conta, movimentação das mesmas ou conferências de assinatura, nem deste, nem de nenhum outro cliente do banco, particular ou empresa”.
“Aliás, a este respeito, importa ainda salientar que na data em apreço, o BIC Português e o BIC Cabo Verde tinham em vigor um acordo de prestação de serviços mediante o qual o BIC Português assegurava um conjunto de funções ao BIC Cabo Verde, enquadrado nas melhores práticas com vista à prevenção e combate ao branqueamento de capitais e financiamento ao terrorismo, designadamente a verificação da documentação para abertura de conta e certificação de assinaturas”, afirma.
O empresário português com negócios em Angola conclui assegurando que “não teve conhecimento do pedido de transferência de fundos a título de dividendos que a Esperaza solicitou para as contas dos então acionistas junto do EuroBIC, de quaisquer documentos alegadamente falsificados de resoluções, atas, nomeações ou fichas de assinaturas da mesma sociedade”.
E garante que “não interveio nem foi informado ou consultado previamente à realização das transferências”.
Por outro lado, sublinha que “o BIC Cabo Verde executou as ordens de transferência dos dividendos aprovados para ambos os acionistas [não apenas para a Exem, mas também para a Sonangol], nos termos das normas e regulamentação bancárias em vigor em Cabo Verde e ainda nos termos do relacionamento de correspondência bancária mantida com o EuroBIC que, naturalmente, obedeciam a todas as regras de compliance em vigor na União Europeia”.
Destacou ainda que “só vários anos depois é que os Tribunais Holandeses/Tribunal Arbitral vieram considerar como nula a resolução da Esperaza ao nível da sua estrutura acionista”.
O despacho de citação, por seu lado, sublinha ainda que “a estreita relação entre Isabel dos Santos e [Fernando] Teles é particularmente relevante no que diz respeito à última parte do ‘desvio’, aos pagamentos à Exem e subsequentemente à Terra Peregrin”.
Na altura do alegado “desvio”, Isabel dos Santos e Fernando Teles eram acionistas maioritários no EuroBic e BBCV, com participações de 42,5% e 37,5% respetivamente.
Também contactado pela Lusa, o EuroBic realça que “processa operações provenientes dos seus clientes e bancos correspondentes, aplicando a lei de controlo do branqueamento de capitais” e que “quaisquer operações que eventualmente pudessem ter sido processadas, envolvendo as entidades em causa, não seriam exceção”.
Segundo o banco, o texto do despacho de citação que a Lusa teve acesso “contém várias imprecisões e informações, no mínimo, incorretas” e afirma que “não pode pronunciar-se sobre detalhes relacionados com operações alegadamente realizadas pelas entidades visadas”.
E justifica-se com “a obrigatoriedade legal de, por um lado, reconhecer a qualidade de cliente a qualquer entidade jurídica ou pessoa física, e, por outro, de manter sigilo sobre quaisquer transações realizadas por clientes ou contrapartes, assegurando, antes, total reserva sobre detalhes procedimentais relacionados com a aplicação da lei do branqueamento de capitais.”
Assim, o EuroBic apenas garante que “processa operações provenientes dos seus clientes e bancos correspondentes, aplicando a lei de controlo do branqueamento de capitais, tendo em consideração a informação existente em cada momento do tempo e os procedimentos instituídos com cada uma das contrapartes, em termos de movimentação de contas”. Pelo que “quaisquer operações que eventualmente pudessem ter sido processadas, envolvendo as entidades em causa, não seriam exceção”.
O banco, com sede em Lisboa, frisa, porém, que “pode atestar a natureza dos mecanismos de controlo do branqueamento de capitais por si implementados, mas não controla, não pode controlar, não tem o dever de controlar nem é responsável pelo controlo dos procedimentos do mesmo tipo implementados por quaisquer outras entidades”.
“Os controlos implementados são aqueles que se encontram previstos na lei. O mesmo acontecendo com os procedimentos de contacto e reporte com as autoridades que advêm da respetiva análise”, adianta. Concluindo: “Em síntese, o EuroBic é completamente alheio a qualquer alegada tentativa de ‘desvio de fundos'”.
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