Segundo o acórdão do TRE, a que a Lusa teve acesso, os juízes desembargadores decidiram “declarar a nulidade do acórdão, por omissão de pronúncia, e determinar que o Tribunal de 1.ª Instância [Santarém] se pronuncie sobre a incompetência funcional e material do Juiz de Instrução Criminal e a violação do princípio constitucional do juiz natural”.
Foi também declarada a nulidade da utilização de prova obtida através de metadados, considerando que os factos dados como provados em muitos pontos do processo se encontram irremediavelmente afetados e devem ser reequacionados.
Sobre a utilização de prova obtida através de metadados, o TRE recordou o acórdão proferido pelo Tribunal Constitucional, em abril do ano passado, que declarou a inconstitucionalidade do acesso a dados para investigação criminal.
“Do exame do acórdão em recurso decorre, sem equívocos, a utilização de dados armazenados por operadoras de telecomunicações – dados de tráfego e dados de localização – para fundamentar a factualidade” que consta, como provada, em alguns pontos, pode ler-se na decisão.
Os juízes concluíram que, “não sendo permitida a utilização de prova obtida por metadados, não resta senão concluir que a factualidade considerada como provada” em vários pontos se encontra “irremediavelmente afetada e que deve ser reequacionada, expurgando-se, na formação da convicção do Tribunal, o que possa ser resultante de prova obtida por metadados”.
Esta decisão do TRE resulta dos recursos apresentados por 20 dos 23 arguidos após o acórdão do Tribunal de Santarém sobre o caso do furto de armas dos paióis de Tancos.
O TRE julgou improcedentes os pedidos de nulidade decorrente de ausência de promoção e controle do processo pelo Ministério Público, de ilegalidade da atribuição de competência à Polícia Judiciária para investigação de factos relacionados com o furto de material de guerra e de nulidade das escutas telefónicas.
Os pedidos de ilegalidade do processo, por utilização de métodos proibidos de prova, a nulidade por omissão de pronúncia, a nulidade por falta de fundamentação e a invalidade da sentença por ausência de elementos constitutivos do crime de furto/terrorismo também foram julgados improcedentes.
O processo do furto e recuperação de material militar dos Paióis Nacionais de Tancos (PNT) tinha terminado com os autores materiais a receberem prisão efetiva.
Foram condenados a penas de prisão efetivas o autor confesso do furto, João Paulino, com a pena mais grave, e os dois homens que o ajudaram a retirar o material militar dos PNT na noite de 28 de junho de 2017, João Pais e Hugo Santos.
Primeira instância terá de reformular acórdão tirando metadados
Em declarações à agência Lusa, Carlos Melo Alves, advogado de João Paulino, explicou que a anulação do acórdão não significa a realização de novo julgamento, mas que o TRE ordena ao tribunal de primeira instância que faça a reformulação do acórdão retirando a parte relativa aos metadados (informações e geolocalizações registadas a partir de telecomunicações).
Segundo o causídico, o tribunal de julgamento (primeira instância) “tem agora de decidir se mantém esses factos dados como provados”, num acórdão que foi alvo de recurso para a Relação.
Questionado pela Lusa sobre se esta decisão de hoje vem abrir portas a anulações de prova em outros julgamentos, Melo Alves respondeu que sim.
“A jurisprudência e algumas opiniões de juristas, mesmo que alguns mais próximos do Ministério Público façam outra interpretação, esta [a do TRE] parece-me a mais correta”, argumentou.
O furto das armas foi divulgado pelo Exército em 29 de junho de 2017 com a indicação de que ocorrera no dia anterior, tendo a recuperação de algum material sido feita na região da Chamusca, Santarém, em outubro de 2017, numa operação que envolveu a PJM em colaboração com elementos da GNR de Loulé.
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