“Vou de barriga cheia, no sentido em que contei com artistas, companhias que julgo que, com a maior liberdade possível, fizeram o teatro e a criação artística que queriam fazer, com uma equipa que foi de um nível de compromisso e de dedicação inesgotável e de grande amor ao teatro e que sempre depositou uma grande confiança em mim”, acrescentou, em entrevista à agência Lusa.

Um ponto que representa "um momento de esperança", até porque irá iniciar "um novo noutras paragens", equiparando esta fase ao "final de um espetáculo" quando "ainda se ouvem artistas, espectadores e aplausos, mas a equipa técnica está já a preparar-se para desmontar esse espectáculo e montar o próximo".

Tiago Rodrigues admitiu, porém, que no plano daquilo que é a “influência sistémica” que um teatro nacional pode ter, há questões que, se lhe tivessem perguntado em janeiro de 2015, quando assumiu o primeiro mandato, se achava que já estariam resolvidas, teria respondido que gostava que “estivessem mais evoluídas”.

Essas questões, que "leva atravessadas", traduzem-se por a coprodução em Portugal continuar, ainda, a ser uma situação "penosa".

Como exemplo, o próximo diretor do Festival francês de Avignon referiu que gostaria que o Teatro Nacional D. Maria II pudesse optar por fazer espetáculos com “carreiras mais longas” e não "fosse obrigado a fazer tantos espetáculos, com tantos artistas", por haver "poucos teatros em Portugal a acompanhar artistas, a coproduzir, a investir”.

"Há poucos teatros em Portugal a comprometerem-se com os artistas antes de a obra estar criada” e que “corram os riscos com os artistas”, frisou.

“A maioria dos teatros em Portugal veem a obra e depois dizem sim ou não”, lamentou.

Por isso, a coprodução foi sempre uma constante no D. Maria II, por se tratar de “serviço público fundamental”: É “dizer nós estamos aqui também para irrigar o país de promessas artísticas, não apenas de produtos artísticos acabados”.

Se houvesse mais teatros com essa perspetiva, o D. Maria II “poderia ter entrado numa fase em que fazia menos espetáculos, com muito mais meios e que estariam em cena mais tempo”, referiu Tiago Rodrigues.

No entanto, há “um problema na cena portuguesa, que tem de ser reconhecido, e no qual as grandes instituições como o D. Maria II têm responsabilidade, porque as dificuldades de coprodução em Portugal resultam de “um processo histórico de asfixia das companhias independentes” e hoje “uma grande companhia, reconhecida, não consegue fazer uma produção de média escala se não tiver um grande investimento de, pelo menos, um ou dois grandes teatros”.

Por isso mesmo, Tiago Rodrigues admite que gostaria que o D. Maria II “tivesse os meios para que, quando coproduz com uma companhia", pudesse garantir “que os artistas que essa companhia contrata" pudessem ser remunerados "como se estivessem a ser contratados pelo Teatro Nacional”.

“Nós somos, parece-me, um exemplo em termos da qualidade de remuneração de intérpretes, de técnicos, de criativos no Teatro Nacional", mas há um desfasamento entre a remuneração paga a um ator contratado pelo D. Maria II e a que recebe um ator contratado pela outra companhia que coproduz.

É algo “que acreditava em janeiro de 2015” sobre a influência que pode ter um teatro nacional, porque fertiliza à sua volta, acrescentou Tiago Rodrigues, considerando uma “infâmia” o que aconteceu, por exemplo, no início da pandemia de covid-19, com instituições que cancelaram espetáculos sem pagarem absolutamente “nada ou muito abaixo daquilo que a lei permitia”.

O que não aconteceu com o D. Maria II, “que se comprometeu a pagar sempre, integralmente, mesmo quando as criações não eram apresentadas, tanto a técnicos, como artistas, companhias independentes, além de, obviamente, à sua equipa permanente”.

No que respeita à coproduçao em Portugal, Tiago Rodrigues acredita, porém, que a Rede de Teatros e Cineteatros Portugueses (RTCP) - que irá arrancar com, pelo menos, 50 equipamentos culturais credenciados, que poderão candidatar-se a um apoio à programação a partir de outubro, como anunciado recentemente pela Direção-Geral das Artes - possa “já nesta primeira fase, contribuir fortemente” para minorar os problemas.

“Assim esta rede sirva para coproduzir, não apenas para se circular, não apenas para distribuir, mas também para arriscar com os artistas" e "apoiar os artistas independentes", já que o processo de asfixia das companhias independentes e do teatro independente se mantém, observou.

Quase sete anos depois de ter sido nomeado para o cargo - um lugar de "hóspede ou inquilino, nunca de senhorio" -, Tiago Rodrigues é perentório: "Três anos de mandato à frente de uma casa como o D. Maria II não chegam" para compreender e aprender todas as dimensões que a função acarreta.