Significa que, em média, houve mais de 592 casos por ano, o que representa pelo menos um caso por dia em que pais são vítimas de violência doméstica por parte dos próprios filhos.
Casos como o de Hermínia (nome fictício), mais de 70 anos, agredida durante alguns meses por um filho, entre murros, apertões e puxões de cabelo, dão rosto a estas estatísticas.
Hermínia fala sempre de mão dada com Inês Gonçalves, a assessora técnica do Gabinete de Apoio à Vítima de Lisboa que tem acompanhado o seu caso. Está nervosa e isso fá-la sentir mais calma. Viajou de propósito da cidade onde agora reside com um familiar para a entrevista.
“Sempre nos demos bem”, recorda, quando começa a falar da relação que tinha com o filho. “Mas depois da morte do pai ele começou-me a tratar mal”.
O filho, atualmente na casa dos 40 anos, com um historial de toxicodependência e doença psiquiátrica, continua a viver na casa de família, enquanto Hermínia viu-se obrigada a sair, tendo encontrado abrigo na casa de um familiar.
“Fechava os punhos, batia-me de um lado e de outro, puxava-me os cabelos, batia-me na cabeça, batia-me nos olhos, apertou-me o nariz, tapou-me a boca e apertou-me o pescoço e outras coisas mais”, conta à Lusa.
Depois da morte do marido, as agressões acontecem de forma continuada, durante meses. Logo na primeira vez, Hermínia teve de receber tratamento hospitalar, ao mesmo tempo que iam sendo feitas várias queixas na polícia.
No entanto, o caso só chega à APAV depois de uma funcionária de uma instituição bancária, onde Hermínia tinha conta, ter desconfiado do que se estava a passar. Eram frequentes as idas ao banco com o filho para levantar dinheiro e eram também frequentes as vezes que aparecia com hematomas no rosto.
“Foi esta senhora que acabou por dar o alerta e foi assim que esta situação chegou até nós”, revela Inês Gonçalves.
Nas estatísticas da APAV, os 1.777 pedidos de ajuda feitos à associação traduzem-se em 4.327 “factos criminosos”, havendo, no total dos três anos, 123 casos de furto/roubo, 698 casos de ameaça/coação, 1.090 ocorrências de maus tratos físicos e 1.658 crimes de maus tratos psíquicos.
Entre as vítimas, mais de 83% são mulheres e em cerca de 49% dos casos tinham 65 anos ou mais de idade.
Grande parte dos pais é viúvo (29%), mas há também 25,5% que é casado, sendo que em 32,4% dos casos (575) pertenciam a um tipo de família nuclear com filhos.
Já no que diz respeito aos autores dos crimes, a APAV contabilizou, nos três anos, 1.894 pessoas, ou seja, um número superior ao de vítimas.
Em mais de 65% dos casos, o agressor é do sexo masculino, maioritariamente (93%) tem entre os 36 e os 45 anos, é solteiro (26%) e está desempregado (31,5%).
Entre os 4.326 crimes registados pela APAV houve 1.658 casos de maus tratos psíquicos, 1.090 maus tratos físicos, 698 ameaças, mas também 123 roubos ou duas violações.
Estatísticas que a Hermínia pouco dizem. O que sabe é que se o familiar não a tivesse ido buscar, “hoje já não estava cá”. Sonhava envelhecer em casa – porque até tinha recursos económicos para isso – mas agora aguarda por uma vaga num lar de idosos.
Não há dia em que não pense no que se passou e chora quando constata o óbvio, como que a desculpar: “É meu filho”, diz, enquanto encolhe os ombros.
Fez muitos quilómetros para a entrevista, mas a sua grande preocupação é conseguir passar por casa e deixar uns sacos com comida ao filho.
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