Na decisão instrutória proferida quinta-feira, a que a Lusa teve hoje acesso, a juíza Ana Margarida Fernandes decidiu pronunciar Moita Flores e o antigo Diretor do Departamento de Gestão Urbanística António Duarte pela prática, em coautoria, de três crimes de prevaricação de titular de cargo político, sendo o ex-autarca acusado ainda da prática de dois crimes de participação económica em negócio.
António Duarte viu reconhecida a prescrição dos crimes de abuso de poder, em concurso aparente, de que vinha acusado pelo Ministério Público, como havia invocado no pedido de abertura de instrução do processo.
A decisão instrutória considera de “clara evidência” que a sociedade A. Machado & Filhos realizou, entre 2009 e 2010, durante o segundo mandato de Francisco Moita Flores enquanto presidente da Câmara Municipal de Santarém, diversas obras para o município que não foram precedidas de procedimento contratual nem cumpriram as normas legais.
Em causa estão ajustes diretos em contratos realizados com a empresa, escolhida para adaptar um dos edifícios da antiga Escola Prática de Cavalaria para acolher um Serviço de Atendimento à Gripe A (SAG), sem conclusão dos procedimentos legais, obra que foi depois suspensa (por se ter verificado não existir pandemia), com o espaço a ser adaptado para acolher serviços municipais.
A empresa acabou por fazer essa adaptação e outras intervenções noutros edifícios da ex-EPC, obras que, segundo a acusação, foram contratadas verbalmente e realizadas sem qualquer intervenção ou acompanhamento por parte dos técnicos da autarquia, à exceção de António Duarte, com conhecimento de Moita Flores.
Moita Flores é também acusado de dois crimes de participação económica em negócio por ter assinado dois contratos de ‘factoring’, obrigando o município a pagar ao BCP duas faturas, de 300.000 e de 200.000 euros, assumindo despesas no valor de 500.000 euros “sem contrato que a justificasse e sem a intervenção do Tribunal de Contas”.
Em causa no processo está ainda a ação administrativa interposta pela empresa contra o município, para ser ressarcida das obras realizadas, reivindicando um valor de perto de 2 milhões de euros (1.968.492,50 euros), a qual a autarquia perdeu por ausência de contestação.
A decisão instrutória reconhece que não se pode imputar diretamente a Moita Flores a não contestação da ação, ocorrida já depois de ter renunciado ao mandato (em outubro de 2012), mas considera que a decisão de sugerir à empresa a interposição de uma ação administrativa como forma de poder pagar o que legalmente era proibido, implicou “um benefício claro” da A. Machado & Filhos e prejuízo do município.
Por outro lado, ao contrário do que tem sido invocado por Moita Flores, o Tribunal de Instrução Criminal afirma não vislumbrar que o seu sucessor e atual presidente da Câmara de Santarém, Ricardo Gonçalves, “tenha agido com intuitos de vingança”.
“Num quadro complexo circunstancial, tomou as devidas medidas no sentido de defender os interesses do município, participando de determinada matéria factual, para apuramento das responsabilidades, pelas diversas entidades, no âmbito das estritas competências que lhe competiam”, afirma, numa alusão ao facto de Ricardo Gonçalves ter apresentado denúncia relativa a estes factos em novembro de 2014.
A juíza considera ainda não existirem indícios de que “o bloqueio camarário”, que levou à não contestação da ação, “derive de uma pessoal intervenção sua e não, por exemplo, dos patamares intermédios de decisão”.
O advogado de Moita Flores, Ricardo Sá Fernandes, disse à Lusa que requereu a extração de certidão da parte da decisão que afirma que a responsabilidade pela não contestação da ação interposta pela empresa contra o município não pode ser imputada ao ex-autarca, tendo ocorrido depois deste ter cessado funções.
Segundo o advogado, com essa certidão, vai apresentar junto do Ministério Público uma queixa-crime contra o executivo que sucedeu a Moita Flores, liderado por Ricardo Gonçalves, “para que fique claro quem é que foi o responsável por essa omissão gravíssima da falta da contestação e de não acionar a Comissão Arbitral que estava prevista que funcionasse”.
Sá Fernandes declarou-se “seguro e convicto” de que, em julgamento, “se demonstrará que efetivamente o doutor Moita Flores não contribuiu para prejudicar o município de Santarém no que quer que fosse”.
“Moita Flores não causou nenhum prejuízo ao município de Santarém. Pelo contrário, foi uma pessoa que se pautou por um critério de eficiência e de benefícios para o município de Santarém, que contrastam aliás com aquilo que aconteceu depois”, afirmou.
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