No ano em que a pandemia chegou a Portugal foram notificados 1.465 casos de tuberculose, menos 383 do que em 2019.
Segundo o Relatório da Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal 2020, hoje divulgado, a taxa de notificação fixou-se em 14,2 casos/100 mil habitantes e as regiões de Lisboa e Vale do Tejo e Norte continuam a ser as de maior incidência.
O documento diz ainda que a mediana de dias para o diagnóstico mantém uma tendência crescente e é agora de 80 dias (61 em 2008) e que a demora foi em 2/3 dos casos atribuída ao doente na procura de cuidados de saúde, apresentando o seu valor máximo nas pessoas que vivem em situação de sem-abrigo (102 dias).
A população imigrante mantém-se como uma população de risco, com uma taxa de notificação 4,3 vezes superior à média nacional (60,6 por 100 mil em 2020) e um aumento progressivo da proporção de casos, atingindo os 27,4 % em 2020 (24,7% em 2019).
“Temos tido um aumento da proporção da população migrante e imigrante, o que significa que vamos ter mais casos rastreados, identificados, com ou sem doença, mas vamos ter um aumento progressivo”, reconheceu a diretora do Programa Nacional para a Tuberculose, Isabel Carvalho, sublinhando: “o importante é identificar as áreas em que existe maior concentração de população migrante e delinear estratégias preventivas”.
“Se identificamos, por exemplo, a região da Amadora, ou outras, com mais proporção de casos de população migrante, trabalhamos com as organizações porque nos ajudam a permitir o acesso [das pessoas] à informação, para que todos saibam que o acesso ao tratamento da tuberculose é gratuito e não exige referenciação”, acrescentou.
Segundo o relatório, do total de 1.465 casos notificados, 82,2% completaram o tratamento com sucesso, 5,4% interromperam o tratamento e em 4,2% verificou-se transferência/emigração do doente.
Dos 1.465 casos notificados (1.848 em 2019), 1.357 foram novos casos e 108 retratamentos. Há 314 casos (21,4%) de 2020 que ainda estão classificados como “em tratamento”.
A morte ocorreu em 94 casos e, do total dos óbitos, 92,6% correspondem a casos de retratamentos com uma idade mediana de 69 anos.
Das comorbilidades encontradas nos casos de morte, o relatório destaca a diabetes (16,0%), a neoplasia (14,9%) e o VIH (12,7%).
Relativamente aos determinantes sociais, “o consumo de álcool (17,8%) foi o mais frequente”, refere o documento, acrescentando que “a totalidade dos doentes em que ocorreu o óbito apresentavam fatores de risco ou comorbilidades”.
Nas crianças com idade igual ou inferior aos 5 anos, o relatório refere que foram notificados 25 novos casos, o que corresponde a uma taxa de incidência de 4,78 casos/100 mil crianças até aquela idade. Comparativamente a 2018 e 2019, verificou-se uma diminuição quase para metade na taxa de incidência de tuberculose neste grupo etário.
Tempo de diagnóstico subiu
Segundo o Relatório de Vigilância e Monitorização da Tuberculose em Portugal relativo a 2020, hoje divulgado, prevê-se nos próximos anos um recrudescimento do número de casos de tuberculose, associado à deterioração das condições económicas e sociais, ao aumento na demora nos dias até ao diagnóstico e ao risco de formas mais graves com consequente maior morbilidade e mortalidade.
Em declarações à agência Lusa, a responsável pelo Programa Nacional para a Tuberculose, Isabel Carvalho, reconheceu que a mediana de dias até ao diagnóstico “tem vindo a aumentar paulatinamente”, mas sublinhou que 2/3 desses dias são atribuídos ao doente na procura de cuidados de saúde – dificultada pela pandemia - e na valorização de sintomas.
“Temos uma mediana de 15 dias atribuída aos profissionais de saúde. Desde que o doente entra em qualquer estrutura de saúde por estas queixas [até ter o diagnóstico], 2/3 é atribuído ao doente”, explicou.
A responsável disse ainda que vai existir sempre uma conjugação de fatores a influenciar o atraso no diagnóstico, exemplificando: “por um lado, a menor literacia da população em relação a tuberculose, à medida que a doença vai baixando a sua incidência, por outro, a dificuldade no acesso, sobretudo em populações vulneráveis, como os sem-abrigo ou os migrantes”.
“Estas pessoas precisam de estratégias comunitárias ou sociais que permitam o melhor acesso possível”, defendeu, dando o exemplo do trabalho que a Direção-Geral da Saúde (DGS) tem desenvolvido na abertura de concursos (para apoio financeiro) para organizações de base comunitária.
Nestes casos – acrescentou - “são escolhidas as áreas geográficas de maior incidência, são identificadas as populações mais vulneráveis e em que possa ter mais impacto delinear e atuar com novas estratégias especificamente dirigidas”.
Na nota introdutória do relatório, a diretora-geral da Saúde, Graça Freitas, defende que a “desaceleração na redução percentual anual da doença, associada a uma diminuição abrupta do número de casos em 2020 e ao aumento da mediana de dias até ao diagnóstico reforçam a necessidade de definir novas estratégias e monitorizar resultados”.
O relatório lembra que, apesar da pandemia, durante o ano de 2020 os Centros de Diagnóstico Pneumológico (CDP) se mantiveram em funcionamento.
“Manteve-se a gratuitidade do rastreio, diagnóstico e tratamento, assim como a concentração dos doentes complexos em Centros de Referência e a articulação com as diferentes estruturas dos cuidados de saúde, comunitárias e sociais”, acrescenta.
O documento alerta para o facto de a tendência crescente na media de dias até ao diagnóstico resultar num diagnóstico mais tardio e num maior risco de contagiosidade, mas lembra que, em contexto de pandemia de covid-19, as medidas adotadas para contenção da transmissibilidade, nomeadamente o uso de máscara e o distanciamento social, “poderão ter representado um fator importante na contenção de casos secundários”.
O maior número de dias até ao diagnóstico observou-se nas pessoas que vivem em situação de sem-abrigo, “o que reforça o impacto da pandemia nos mais vulneráveis e o papel essencial da parceria com estruturas comunitárias e sociais, nomeadamente as organizações não-governamentais”, sublinha.
“A proporção de casos de tuberculose nos mais vulneráveis representa 59,0% dos casos notificados, pelo que o impacto das medidas de promoção do rastreio nestes grupos, oferecendo um tratamento preventivo, será mais eficaz na prevenção de futuros novos casos”, refere o relatório.
O documento reconhece igualmente que o diagnóstico tardio e a necessidade de direcionar recursos para a covid-19 “condicionou também a capacidade de resposta das Unidades de Saúde Pública”, essenciais na realização do inquérito epidemiológico e na identificação dos contactos com necessidade de rastreio e eventual tratamento preventivo, assim como “reforçou a importância dos CDP [Centros de Diagnóstico Pneumológico] no processo de contenção da doença”.
Como metas para 2022, os responsáveis apontam a manutenção da tendência decrescente da taxa de notificação, a redução do número de dias até ao diagnóstico, a melhoria da atuação nos grupos vulneráveis, promovendo a articulação com as estruturas comunitárias e sociais, e da prestação de cuidados de saúde em tuberculose, privilegiando uma resposta centrada no doente.
A diretora do Programa Nacional para a Tuberculose aponta também a necessidade de mudar de estratégicas, face à ameaça que a pandemia representou para a necessidade de redução progressiva da incidência da doença nos vários países.
“A OMS veio reforçar a necessidade de mantermos estratégias de tratamento preventivo (…), centradas no doente e inseridas na comunidade. Tem de ser de acordo com as necessidades do doente, para que haja uma maior promoção da adesão ao tratamento e ao rastreio, para que não seja complexo manter um tratamento tantos meses e para que seja possível, ao ter sucesso, não desenvolver resistências”, insistiu Isabel Carvalho.
A especialista alertou ainda para a necessidade do “envolvimento de todos”. “A verdade é que a doença tem tratamento eficaz, mas ele será tão mais eficaz quanto mais precoce”, concluiu.
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