Os soldados não podiam receber a carta de Guaidó às Forças Armadas. Se o fizessem, estariam em apuros, obviamente.Beatriz Cisneros destacou-se do grupo para lhes entregar a carta. De escudos na mão, disseram que não podiam receber cartas nenhumas.
Mas, Beatriz não desistiu. Achou que lhes devia ler a carta que Guaidó dirigiu aos militares, pegou nas folhas de papel e ficou surpreendida com a reação à sua leitura.
"Nos seus rostos não havia nenhum sinal de contrariedade por estarem a ouvir o que eu lia. Pelo contrário, havia um claro sinal de que os sentimentos, os pensamentos, as emoções que estavam por trás desse rosto eram os mesmos das pessoas que estão aqui reunidas nesta praça”, disse à Lusa Beatriz Cisneros, moradora no bairro de El Paraíso, durante o protesto na Praça Washington que juntou hoje algumas centenas de pessoas contra o regime de Maduro.
O deputado à Assembleia Nacional Winston Flores não viu na escassa adesão registada a este protesto qualquer sinal de fracasso. O objetivo do dia, definido pelo autoproclamado Presidente interino, Juan Guaidó, era mesmo levar a mensagem aos quartéis, explicou. E esse capítulo foi cumprido.
Winston Flores lembrou também que a carta de Guaidó baseava-se em três ideias, primeiro o do cumprimento da Constituição, um apelo aos militares para que se juntem ao povo na restituição da legitimidade democrática do país e um pedido a todos para que não cedam a atos de violência e repressão.
“Atingimos o objetivo. Decidimos uma estratégia para não provocar violência. Seria ilógico provocar violência quando o apelo de Guaidó é no sentido da unidade de todos os venezuelanos”, disse.
Sobre a situação das forças armadas, que parecem ser a chave do impasse que se vive na Venezuela, o deputado afirmou que existem muitos sinais de que já não aguentam mais pressão interna.
Winston recusou também falar em fracasso na ação de Juan Guaidó de dia 30 de abril. Pelo contrário, falou numa “avalanche internacional de pressão sobre Maduro”. Avalanche que, disse, “é o primeiro êxito da operação Liberdade”.
O deputado admitiu, contudo, que não há tanta gente nas ruas como seria desejável, mas apontou o medo como uma das razões principais e legítimas.
Mas, defendeu, o medo não vai impedir nada: “Os venezuelanos estão dispostos a tudo para conseguir a liberdade. Claro que há medo. Mas, o medo pode ser vencido consoante nos vamos unindo cada vez mais e conforme formos sendo mais”, disse.
Sobre o processo em curso, considerou-o “irreversível” até às “eleições livres”.
Protestando na praça, também Deleyla Hernández disse estar na rua para prosseguir com o pedido de Guaidó, de passar uma mensagem às forças armadas.
“Queremos que as forças armadas entendam que esta é uma luta que estamos fazendo por eles e também pelas suas famílias. Todos os dias estamos nas ruas, pensando no futuro dos nossos filhos”, disse.
Funcionária numa clínica privada de Caracas, Deleyla Hernández explicou que todas as famílias estão a viver tempos muito difíceis.
Para além das dificuldades na vida do dia a dia, na aquisição de alimentos ou medicamentos, também têm de lidar com o medo da violência perpetrada pelo governo de Maduro.
“Na quarta-feira fomos agredidos vilmente pela Guarda Nacional. Éramos mulheres, velhos e crianças, que estavam aqui só com a intenção de lutar pela liberdade do País”, lamentou.
Deleyla também está convencida que a ação política de Guaidó do dia 30 não foi um fracasso.
“Todos os dias vemos os frutos que se estão a conseguir. Meses atrás não se conseguia isto. E somam-se cada vez mais militares a esta luta”, afirmou, considerando que este processo de transição de poder na Venezuela “não tem volta atrás”.
“Todos sabem que não tem regresso. E Maduro sabe-o”, disse Deleyla, convencida que o processo “está próximo do fim”.
O advogado Miguel Murilo explicou estar a protestar de forma pacífica junto de uma população cansada “de um país destroçado” e justificou a pouca adesão nas ruas com o medo que muitos têm “de um bando de delinquentes, civis armados, os chamados ‘colectivos’”.
Para hoje estavam previstas manifestações pró e contra o regime de Nicolás Maduro.
Guaidó, que na madrugada da passada terça-feira desencadeou um golpe de força contra o regime, em que envolveu militares e apelou à adesão popular, pediu para que hoje os venezuelanos e suas famílias se manifestem junto às instalações militares.
A iniciativa da passada terça-feira constituiu o arranque da denominada “Operação Liberdade” que, segundo Guaidó, visa pôr termo ao que chama de “usurpação” da presidência por Nicolás Maduro.
A presidência interina de Guaidó é reconhecida por cerca de 50 países, incluindo os Estados Unidos da América, enquanto Maduro, que tem o apoio da Rússia, além de Cuba, Irão, Turquia e alguns outros países, considerou que a “Operação Liberdade” configura uma tentativa de golpe de Estado.
Nicolás Maduro, que tem sido alvo de forte contestação nas ruas, mas que aparentemente mantém o controlo das instituições, continua a ver as chefias militares a confirmarem-lhe a lealdade, mantendo a situação do país num impasse.
Os confrontos registados desde a madrugada da passada terça-feira provocaram a morte de cinco manifestantes, três dos quais menores, e 239 ficaram feridos, segundo informações das Nações Unidas
*Por João Pedro Fonseca e Felipe Gouveia (texto), Paulo Cunha (fotos)
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