Vital Moreira falava numa conferência promovida pela Comarca de Santarém no âmbito das comemorações dos 70 anos da Declaração Universal dos Direitos Humanos e dos 40 anos de adesão de Portugal à Convenção Europeia dos Direitos Humanos, das quais é comissário.
O constitucionalista disse que não compartilha da opinião da irreversibilidade dos direitos sociais, numa discussão suscitada pelo especialista em Sociologia do Estado e do Direito, António Casimiro Ferreira, que criticou a excecionalização de medidas sociais, imposta pelas políticas de austeridade, “sem se invocar o Estado de exceção” (decretado em situações de emergência nacional).
Casimiro Ferreira lamentou que os direitos dos mercados financeiros estejam a ser colocados acima dos direitos das pessoas e criticou o retrocesso a que se está a assistir nas Democracias, com o direito de propriedade a ser dado como adquirido enquanto é imposta flexibilidade ao direito do trabalho.
“É preciso retroceder e matar direitos para termos um futuro mais dinâmico em termos de conhecimento?”, questionou.
O sociólogo criticou o modo como, através da legislação, se conseguem criar condições de exceção normalizada e legitimada pelo direito, acabando os tribunais por serem facilitadores dos mercados financeiros.
Frisando que as sociedades são “desiguais, heterogéneas, diversas”, com grupos sociais que se perpetuam, como mostram os estudos que concluem que “filho de pobre vai ser pobre”, Casimiro Ferreira afirmou que o “grande desafio para quem se preocupa com o lugar do direito nas sociedades contemporâneas” será perceber “até que ponto o direito contribui para as desigualdades sociais ou para a redução das desigualdades sociais”.
Ana Rita Gil, assessora do Gabinete de Juízes do Tribunal Constitucional (TC), lembrou as acusações de “ativismo” e violação do princípio da separação de poderes de que este órgão foi alvo quando, no auge da crise, procurou decidir “com base nos direitos sociais”.
Na resposta, Vital Moreira, reafirmou a sua convicção de que a “jurisprudência da crise” mostra que o Tribunal Constitucional “exagerou em algumas matérias” e “foi longe de mais ao querer substituir-se ao legislador”.
No caso do corte das pensões (que o TC considerou inconstitucionais), Vital Moreira sublinhou que o Tribunal Europeu dos Direitos Humanos (TEDH) incluiu a matéria no direito de propriedade, “única forma de proteger dos cortes”.
Para Vital Moreira, se os direitos, liberdades e garantias podem ser restringidos “de forma condicionada e justificada”, como prevê o artigo 18 da Constituição, não vê porque não pode acontecer o mesmo com os chamados direitos sociais.
Na sua intervenção, o constitucionalista chamou a atenção para a falta de sensibilização dos operadores judiciários para o reenvio pré-judicial, o que permitiria reduzir as condenações de que Portugal é muitas vezes alvo no TEDH “por diferença de interpretação”.
Para o constitucionalista, o reenvio pré-judicial, que permite, na dúvida, esclarecer qualquer diferença de interpretação antes da decisão, é uma “revolução” que está já a acontecer.
A conferência, aberta pelo juiz presidente da Comarca de Santarém, Luís Miguel Caldas, contou ainda com a participação do juiz conselheiro José Souto Moura, que chamou a atenção para o “especial esforço” exigido pela efetivação dos direitos humanos numa sociedade que é atualmente marcada pelo multiculturalismo e pela diferença.
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