Em janeiro, um tribunal britânico de primeira instância recusou um pedido dos Estados Unidos para extraditar Assange pela divulgação, no WikiLeaks, de documentos militares norte-americanos secretos, há uma década.

A juíza distrital Vanessa Baraitser decidiu que era provável que Assange, que passou anos escondido e em prisões britânicas enquanto lutava contra a extradição, se suicidasse se fosse mantido nas duras condições das prisões norte-americanas.

Num recurso da decisão de janeiro, um advogado do Governo dos Estados Unidos negou hoje que a saúde mental de Assange esteja demasiado frágil para lidar com o sistema judicial norte-americano.

Segundo o jurista, James Lewis, Assange “não tem historial de doença mental grave ou persistente” e não corresponde ao perfil de estar tão doente que não consiga resistir a infligir violência a si mesmo.

Os procuradores do ministério público norte-americano indiciaram Assange por 17 crimes de espionagem e um de utilização informática indevida pela divulgação no WikiLeaks de milhares de documentos militares e diplomáticos alvo de fuga.

As acusações correspondem a uma sentença máxima de 175 anos de prisão, embora Lewis tenha afirmado que “a sentença mais longa alguma vez imposta por estes crimes foi 63 meses”.

Lewis indicou que as autoridades norte-americanas se comprometeram a não encarcerar Assange numa prisão “Supermax” de alta segurança antes do julgamento e a não o colocar em isolamento e, se condenado, permitirão que ele cumpra a sua sentença na Austrália, acrescentando que tais garantias “são vinculativas para os Estados Unidos”.

“Uma vez que há uma garantia de cuidados médicos adequados, uma vez que é claro que ele será repatriado para a Austrália para cumprir qualquer pena, então podemos dizer, com segurança, que a juíza distrital não devia ter decidido a questão relevante da forma como o fez”, sustentou.

Os Estados Unidos argumentam também que uma testemunha importante da defesa, o neuropsiquiatra Michael Kopelman, induziu a anterior juíza em erro ao omitir que Stella Morris, um elemento da equipa legal do Wikileaks, era também a sua companheira e tinham dois filhos. Segundo Lewis, essa informação era “um fator altamente relevante para a questão da probabilidade de suicídio”.

O advogado de Julian Assange, Edward Fitzgerald, acusou os advogados dos Estados Unidos de tentarem “desvalorizar a gravidade da doença mental e do risco de suicídio do senhor Assange”.

Num documento escrito, Fitzgerald indicou que a Austrália ainda nem sequer concordou receber Assange se ele for condenado e que, mesmo que a Austrália concordasse, o processo legal poderia levar uma década, “durante a qual o senhor Assange permaneceria detido em isolamento extremo numa prisão norte-americana”.

Esperava-se que Julian Assange, que se encontra encarcerado na prisão londrina de Belmarsh, de alta segurança, assistisse aos dois dias de audiência por videoconferência, mas Fitzgerald disse que ele se encontrava sob o efeito de uma elevada dose de medicação e que “não se sentia capaz de assistir”.

Mais tarde, Assange apareceu por vezes na videoconferência, sentado a uma mesa numa sala prisional usando uma máscara negra.

Desde que o portal WikiLeaks começou a divulgar documentos secretos, há mais de uma década, Assange tornou-se uma figura de destaque. Algumas pessoas veem-no como um perigoso revelador de segredos que pôs em perigo as vidas dos informadores e de outros que ajudaram os Estados Unidos em zonas de guerra. Outras afirmam que o Wikileaks denunciou crimes que os Governos gostariam de manter em segredo.

Os procuradores norte-americanos dizem que Assange ajudou ilegalmente a analista dos serviços secretos do exército dos Estados Unidos Chelsea Manning a roubar ficheiros militares e telegramas diplomáticos secretos que o Wikileaks depois publicou.

Os advogados de Assange argumentam que ele agiu como jornalista e tem direito à proteção da liberdade de expressão prevista no Artigo Primeiro da Constituição dos Estados Unidos para divulgar documentos que expuseram crimes praticados pelos militares norte-americanos no Iraque e no Afeganistão.

Várias dezenas de manifestantes pró-Assange realizaram hoje um protesto ruidoso hoje em frente ao edifício do Royal Courts of Justice, em Londres, classificando a acusação como politicamente motivada e instando o Presidente norte-americano, Joe Biden, a desistir do processo, iniciado durante o mandato do seu antecessor, Donald Trump.

Entre os manifestantes, encontrava-se o artista visual dissidente chinês Ai Weiwei, que afirmou: “O caso de Assange diz respeito à nossa sociedade, diz respeito à nossa liberdade de expressão, diz respeito aos nossos direitos humanos enquanto indivíduos, e nós temos que vigiar o Governo”.

Os apoiantes do Wikileaks indicaram que, segundo testemunhas que depuseram na audição de extradição, Assange foi espiado enquanto se encontrava na embaixada do Equador em Londres por uma empresa de segurança espanhola, a mando da CIA (agência de serviços secretos norte-americana) — e que chegou mesmo a falar-se em raptá-lo e matá-lo -, o que mina a credibilidade das garantias dos Estados Unidos de que ele será tratado de forma justa.

Espera-se que os dois juízes que presidiram à audiência do recurso — um dos quais é o decano dos juízes de Inglaterra, Lorde Ian Burnett — levem algumas semanas a tomar uma decisão. O lado perdedor poderá ainda recorrer para o Supremo Tribunal do Reino Unido.

Julian Assange, de 50 anos, tem estado na prisão desde que foi detido, em abril de 2019, por não pagar a fiança, no âmbito de uma outra batalha legal.

Antes disso, passou sete anos refugiado dentro da embaixada do Equador em Londres, para onde fugiu em 2012 para evitar a extradição para a Suécia, onde fora acusado de violação.

A Suécia deixou cair o caso em novembro de 2019, devido à quantidade de tempo que já tinha passado.

A juíza britânica que impediu a extradição de Assange em janeiro ordenou que ele deverá ficar sob custódia durante qualquer recurso dos Estados Unidos, determinando que o cidadão australiano “tem um incentivo para fugir” se for libertado.