José Eduardo dos Santos governou Angola entre 1979 e 2017, tendo sido um dos presidentes a ocupar por mais tempo o poder no mundo.
Em mais de 40 anos de funções governativas, sucedendo a António Agostinho Neto, primeiro Presidente de Angola, José Eduardo dos Santos apenas governou em período de paz durante menos de uma década e meia, tendo encarado diretamente apenas duas eleições (1992 e 2012), além de umas eleições legislativas (2008).
Durante a sua liderança, foi regularmente acusado por organizações nacionais e internacionais de corrupção e nepotismo.
Em 2017, não se recandidatou e o atual Presidente, João Lourenço, sucedeu-lhe no cargo, tendo sido eleito também pelo Movimento Popular de Libertação de Angola (MPLA), que governa no país desde a independência, em 1975.
"Em 2012, em eleições gerais, fui eleito Presidente da República e empossado para cumprir um mandato que nos termos da Constituição da República termina em 2017. Assim, eu tomei a decisão de deixar a vida política ativa em 2018", anunciou, à época, Eduardo dos Santos, depois de passar em revista o seu percurso no MPLA e na liderança de Angola.
Sucessor do líder histórico do MPLA e "pai da independência", Agostinho Neto, Eduardo dos Santos chegou ao poder aos 38 anos, ultrapassando grandes nomes do partido. "Não é uma substituição fácil, nem tão pouco me parece uma substituição possível. É apenas uma substituição necessária", disse, no seu discurso de tomada de posse como Presidente da República, substituindo Neto.
Amante do desporto, apreciador de música clássica e de literatura, é-lhe atribuída a autoria musical do primeiro hino do MPLA na década de 60 do século passado e de várias musicas populares e revolucionárias, algumas das quais gravadas e cantadas por ele mesmo.
Do jovem militante ao jovem ministro pós-independência
José Eduardo dos Santos, que nasceu em Luanda em 28 de agosto de 1942, juntou-se à organização de juventude do MPLA e alistou-se no exército de guerrilha aos 20 anos.
Serviu como representante da Juventude do Movimento Popular de Libertação de Angola (JMPLA) no antigo Zaire (atual República Democrática do Congo) e representante do MPLA na então República Popular do Congo, sendo eleito para o Comité Central do partido em 1974.
Depois da independência de Angola, em 11 de novembro de 1975, José Eduardo dos Santos foi nomeado ministro das Relações Exteriores, cargo em que teve o papel principal no reconhecimento do país pela comunidade internacional. Ao longo da sua vida, foi repetidamente “o mais jovem” em várias das funções que desempenhou.
Entre 1976 e 1978, desempenhou as funções de vice-primeiro-ministro, sendo depois nomeado ministro do Plano, cargo que exerceu até ser eleito para a chefia de estado pelo comité central do MPLA.
Aos 37 anos, a 21 de setembro de 1979, tornou-se o presidente da então República Popular de Angola, sucedendo ao primeiro chefe de Estado do país, Agostinho Neto, que morrera em Moscovo, vítima de doença prolongada.
Em 1980, criado o primeiro parlamento nacional angolano, este antigo engenheiro de petróleos foi nomeado para a sua presidência, cumulativamente com a chefia do Estado, até às eleições legislativas de 1992.
Em 9 de dezembro de 1986, ascendeu ao grau de general do exército, até hoje a mais alta patente militar em Angola. Considerado um líder pragmático, substituiu aqueles que queriam governar o país pela doutrina comunista por administradores e tecnocratas.
Com o país invadido por sul-africanos por cinco vezes e com apoio de soviéticos e cubanos para defesa do seu território, só depois do acordo de Nova Iorque, de 1988, para independência da Namíbia e retirada cubana de Angola, é que José Eduardo dos Santos empreendeu a sua reforma económica e tendencialmente de liberalização política.
Em agosto de 1987, anunciou um importante plano económico: para um país demasiado centralizado, excessivamente burocratizado e afetado pela corrupção, propôs a privatização de algumas empresas, reformas bancárias e encorajou o investimento estrangeiro.
Em 1988, introduziu novos programas de liberalização económica e abriu ao setor privado oportunidades de pequenos negócios. Pela primeira vez, foram autorizados consórcios com firmas internacionais e Angola aderiu ao Fundo Monetário Internacional e ao Banco Mundial.
O homem de "um intelecto tenaz e vivo" e a relação com a URSS
No campo da política externa, José Eduardo dos Santos encontrou-se em 1988 com o líder da antiga URSS, Mikhail Gorbachov, para discutir a retirada dos cubanos, numa altura em que os sul-africanos ainda ocupavam o sul de Angola. E aí mesmo, na antiga União Soviética, onde estudou no Instituto de Petróleo e Química de Baku, no Azerbaijão, a sua ascensão foi fortemente apoiada.
Formado em Engenharia de Petróleos, em 1969, nunca exerceu e acabou por ser conhecido como o "Arquiteto da Paz" pelos apoiantes, designação também por vezes lida e ouvida na comunicação social pública angolana.
Valentin Varennikov, general soviético que esteve várias vezes em Angola a organizar a resistência às investidas da UNITA e da África do Sul, comentou que Eduardo dos Santos, quando jovem estudante, “se destacava por capacidades invulgares, tinha um intelecto tenaz e vivo".
Nas suas memórias, o mesmo general recorda também que o dirigente angolano "era fisicamente bem desenvolvido", o que o levou "a jogar no Neftchi" (Azerbaijão), equipa de futebol da primeira liga soviética, mas cuja "sua vida pessoal desenvolveu-se de forma bastante mais dramática", tendo de deixar a família constituída na Rússia.
Apesar disso, o jovem marxista ocupou a Presidência da "trincheira firme do socialismo em África" e recolheu-se no Futungo de Belas, em Luanda, onde percorreu o seu caminho político.
UNITA, Savimbi e o reconhecimento internacional
Em maio de 1991, um acordo de paz com a UNITA, mediado por Portugal e tendo por garantes os Estados Unidos e União Soviética, pôs termo à guerra entre os movimentos políticos e abriu caminho à realização, em 1992, das primeiras eleições gerais e multipartidárias, em que José Eduardo dos Santos e o MPLA disputaram com Jonas Savimbi e com a UNITA.
O MPLA ganhou as eleições parlamentares e "Zedu" conseguiu uma vitória relativa por mais de 15 por cento na primeira volta. Repudiando os resultados eleitorais, a UNITA reiniciou a luta armada.
Durante os primeiros meses de 1993, as tropas de Savimbi pareciam em vias de ganhar no terreno o que tinham perdido nas urnas, mas o governo angolano conseguiu mobilizar apoios internacionais, nomeadamente dos antigos aliados da UNITA, Estados Unidos e África do Sul, invertendo o sinal do jogo estratégico que se fazia com Angola.
Em maio desse ano, o governo norte-americano reconheceu Angola e pressionou Savimbi a parar a guerra, iniciando o processo de sanções entretanto decretado pela ONU, e pela primeira vez enviou uma ajuda ao governo do MPLA.
A ofensiva da UNITA abrandou nesse verão e os representantes de José Eduardo dos Santos e Jonas Savimbi retomaram negociações de paz.
Um frágil acordo foi então assinado por representantes do governo e da UNITA em novembro de 1994 em Lusaca, capital da Zâmbia, nomeadamente o então ministro das Relações Exteriores, Venâncio de Moura, e o secretário-geral da UNITA, Eugénio Ngolo “Manuvakola”, entretanto dissidente e líder da UNITA Renovada.
Os termos do acordo confirmaram José Eduardo dos Santos como presidente de Angola, deixando a possibilidade a Jonas Savimbi de assumir a vice-presidência e partilha de poder aos vários níveis, mediante novas negociações.
Savimbi recusou-se, contudo, a regressar a Luanda para tomar parte na coligação do Governo de Unidade e Reconciliação Nacional (GURN), em que pela primeira vez integraram ministros e outros funcionários superiores em representação da UNITA.
Em dezembro de 1998, a luta intensificou-se, com lançamento de ofensivas bem sucedidas pelas forças governamentais contra a UNITA, que perdeu os seus antigos bastiões e quartéis-generais, e retomou as operações de guerrilha e ataques localizados de vulto, sobretudo contra alvos civis. Angola vivia então um novo período de guerra civil.
O conflito prolongou-se, provocando mais de um milhão de mortos e, sempre no poder, "Zedu" deixava o aviso, em junho de 2001, durante uma cimeira tripartida entre Angola e os vizinhos Namíbia e Zâmbia: "A guerra vai acabar, Jonas Savimbi está a chegar ao fim e podemos ir pensando o que faremos depois".
O acordo de cessar-fogo em Angola surgiria na sequência de negociações iniciadas oficialmente a 15 de março de 2002, cerca de três semanas depois do líder da UNITA ter sido abatido pelas Forças Armadas Angolanas.
Em paz, "Zedu" eternizou-se no poder
Em agosto de 2002, numa reunião do Comité Central do MPLA e percebendo-se que o fim da guerra estava eminente, José Eduardo dos Santos deixou uma das declarações mais polémicas, ao avisar que não estava disponível para continuar no poder.
Com este anúncio, João Lourenço, então secretário-geral do partido, apresentou-se à sucessão, mas acabou afastado da cúpula, enquanto José Eduardo dos Santos voltava a suceder a ele próprio no MPLA.
Entretanto, novas eleições (legislativas) só voltaram a ter lugar em 2008, com o MPLA a arrecadar 82% dos votos e José Eduardo dos Santos na Presidência do país e do partido. Este novo quadro permitiu ao partido aprovar, em 2010, uma nova Constituição, deixando de prever eleições presidenciais e estipulando que o cabeça de lista do partido mais votado é nomeado automaticamente Presidente da República.
Nas eleições de 2012, a segunda em que foi diretamente a votos como candidato, José Eduardo dos Santos foi nomeado chefe de Estado, ao encabeçar a lista do partido mais votado, o MPLA.
No período desde que assumiu o cargo de chefe de Estado, "Zedu" viu passar sete Presidentes em Portugal e seis nos Estados Unidos. Em quatro décadas de poder foram raras as entrevistas concedidas, que nos últimos anos da sua presidência passou a limitar-se à leitura de discursos, em pontuais cerimónias públicas.
Alheio às críticas, nunca esclareceu os rumores sobre problemas de saúde, que alguma imprensa privada relacionava com tratamentos nas frequentes e prolongadas anunciadas visitas privadas a Espanha, ou pelo enriquecimento dos filhos e colocação de familiares em funções de Estado.
A sucessão anunciada
Após quase quatro décadas à frente de Angola, José Eduardo dos Santos anunciou por fim que iria abdicar do poder, sendo João Lourenço, vice-presidente do MPLA e ministro da Defesa, apontado como seu sucessor — que, recorde-se, fora outrora por si afastado.
A posição foi transmitida por José Eduardo dos Santos no discurso de abertura da reunião do Comité Central do MPLA, no início de 2017: "O país avança quando as suas instituições se fortalecem, quando aumenta a competência dos seus quadros e a sua nomeação e ascensão tem por base o mérito. E também quando a gestão da coisa pública é feita com transparência. Pretendemos assim que o país dê um importante salto qualitativo, melhorando o desempenho dos servidores públicos depois das eleições”.
Num discurso inicial de mais de 12 minutos, José Eduardo dos Santos anunciou, pela primeira vez publicamente, o que aconteceu — que já estava aprovado o nome do vice-presidente do partido e ministro da Defesa, João Lourenço, para cabeça-de-lista do MPLA às eleições gerais que ocorreriam, sendo candidato a Presidente da República, assim como a escolha do ministro da Administração do Território, Bornito de Sousa, também general na reserva, como número dois, concorrendo a vice-Presidente.
"Na sua reunião de 2 de dezembro de 2016, no quadro da preparação do partido para participar nessas eleições [gerais, de 2017], o Comité Central aprovou o nome do candidato João Manuel Gonçalves Lourenço como cabeça-de-lista a candidato a Presidente da República e o nome do camarada Bornito de Sousa como segundo da lista e vice-candidato a Presidente da República", anunciou José Eduardo dos Santos, terminando com um ciclo de 38 anos do partido, e de Angola.
João Lourenço, atual Presidente de Angola, viria a tornar-se chefe de Estado em setembro de 2017.
A sua liderança foi descrita como reservada, laboriosa e tenaz, concentrando em si e no seu círculo próximo um poder absoluto. A ‘Economist Intelligence Unit’ escrevia em 2012, ano das últimas eleições presidenciais a que concorreu, que José Eduardo dos Santos, e o MPLA, tinham uma "completa hegemonia do sistema político" angolano, em que o Presidente estava "no topo de uma vasta rede clientelar".
O papel que o Presidente "habilmente" desempenhava nesta rede, escreveram então os analistas da EIU, é "atender a interesses conflituantes, nacionalmente e dentro do partido, enquanto vinca a sua própria posição".
Considerado frio e calculista pelos críticos, demitiu dezenas de ministros, vários primeiros-ministros, e comandantes militares a quem responsabilizava pelos insucessos na condução dos destinos nacionais em termos económicos ou na luta contra a UNITA, consolidando o seu poder pessoal.
Quando saiu da Presidência, em 2017, cedendo o lugar a João Lourenço, deixou um país com abundantes receitas de petróleo e excedentes orçamentais, cortejado pelas grandes potências globais, desde a China aos Estados Unidos.
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