“Pá... esta senhora aqui ao meu lado também vende cromos. Tem mais tempo. Epá, eu não...”. A primeira abordagem para falar com Albino Rodrigues, conhecido e autointitulado “Rei dos Cromos” de Lisboa, ameaçava morrer à nascença.

O SAPO24 deslocou-se propositadamente aos Restauradores, em pleno centro de Lisboa, a um quiosque que ganha especial fama a cada dois anos, por altura de campeonatos europeus e mundiais de futebol.

Na passada sexta-feira, com a chuva a dar sinais de trégua, foi um daqueles momentos em que a procura desagua naquele “caixote” à entrada do edifício dos CTT, nas franjas das portas de Santo Antão — ou não estivéssemos nas vésperas do Mundial do Qatar 2022.

A compra, venda e a troca de cromos, diga-se, em abono da verdade, não se cinge a estes espaços físicos. Há sites onde tudo é comercializado (OLX) ou grupos fechados nas redes sociais a cumprir a mesma função. Mas mais impessoal, reconheçamos.

A beleza da compra, venda e troca, dos pedidos e da satisfação dos mesmos, da busca e procura pausada, ao vivo e a cores, levou-nos a permanecer. Insistimos.

“Passo 24 horas à volta dos cromos. É complicado. Já disse, não tenho tempo para essas coisas, estou sempre aqui ocupadíssimo, todo o tempo para mim é útil. Quando sair daqui vou para casa e organizo, compilo e faço os montes”, explicou o concentrado homem, na casa dos 60 anos, que começou a juntar cromos antes dos 10 e durante anos a fio tratava da sua vida e dos colecionadores de cadernetas e cromos no interior da Estação do Rossio.

Aproveitou segundos de uma pausa. “Agora vou encaixar cromos e organizar as coisas... Olhe, já está aqui um cliente à espera, faça como eu lhe digo, vá àquela senhora, ela está desocupada, ela é a Rainha do Cromo”, catalogou.

“Tem cromos?”

Não arredámos pé. “Tem cromos?”, perguntou o tal cliente, Paulo Rico, de nome. “Tenho, sim senhor”, respondeu Albino. “Venho saber se tem os que preciso. Ora bem, Equador 13... Marrocos 9...”, vai pedindo, pausadamente, enquanto percorre com os dedos as notas no telemóvel.

O silêncio toma de assalto a operação de compra e venda. Quem vende, procura o suplicado na organização bibliotecária dos blocos de cromos, quem compra segue com os olhos o manuseamento de molhos enrolados em elásticos, enquanto a ânsia lhe dita a batida cardíaca.

Operação interrompida. Sem pedir licença, um novo comprador aborda o Rei dos Cromos. “Só uma pergunta. Cada pacote (carteiras de cromos, leia-se) quanto é que custa?”, questionou Bruno, como se virá a apresentar, uns minutos mais à frente. “Um euro”, veio a resposta incisiva de quem sabe o preço de cor e salteado. “E quantos cromos têm”, voltou o intruso da negociação anterior. “5”, ouvi, número atirado monossilabicamente. “E quando custa o álbum (caderneta, entenda-se)”, continuou o interrogatório. “3,50”, ouviu. “E troca cromos?”. Não obteve resposta. O questionário foi interrompido. “Então e quantas carteirinhas quer?”, indagou Albino, mais dado ao câmbio e menos à conversa.

O negócio não se concretizou. “Era para os meus filhos. Jogam futebol, pediram, mas o senhor aí não é muito educado, nem simpático”, justificou Bruno, virando costas ao quiosque. Rumou à concorrência.

“Seis, não. Cinco... agora faltam quatro”. A contagem decrescente para fechar a caderneta

Paulo Rico volta a entrar em cena.

“Fiz algumas coleções em pequeno. Parei e voltei ali em 2012, 2014. Tenho duas crianças e elas ajudam”, referiu

À pergunta sacrossanta de quantos faltam para a acabar a coleção, a resposta saiu redonda. “Faltam seis”, exclamou. “Seis, não. Cinco... agora faltam quatro”, diz, em contagem decrescente, à medida que recebe das mãos de Albino os ambicionados retângulos máximos para colar.

Volta à conversa da coleção. Introduz a família. “Os meus filhos entraram na brincadeira. Também gostam de colar, serve para os familiarizar com as bandeiras e os países e para aprenderem geografia”, elucidou.

Rico assume ter completado todas as coleções de cromos anteriores a que se propôs fazer. “Ou pedia à Panini (marca oficial da FIFA desde 1970) os últimos ou trocava nestes quiosques”.

Interrupção na conversa e regressa ao assunto de força maior que o levou aos Restauradores.

“Sérvia, 6... (espera pela busca por Albino). “Ora, Sérvia 6, está aqui”. Albino atirou o cromo que rodopiou pelas mãos e foi parar a quem o procurava. “Agora falta-me o FWC22...”, soletrou Paulo Rico. “Está aqui”.

Escutadas as palavras mágicas. “Já está. É tudo”, rematou friamente e sem sombra de explosão para quem tinha acabado de completar a coleção de cromos referente ao Mundial do Qatar 2022.

As legends

“Queria saber se tem legends, tem algumas?”, interrogou. Escutada a resposta afirmativa, o preço foi a pergunta que se seguiu. “30 euros”, ouviu. E devolveu: “Porquê 30 euros?”. Albino tem a resposta pronta. “Porquê, não sei. Um gajo abre 10 caixas e sai uma”, assinalou.

Paulo Rico, o felizardo coleccionador que finalizou a colecção, não desarmou. “Vejo miúdos com legends na mão. Saem nas carteirinhas, portanto”, acrescentou. “É possível”, retorquiu Albino, o Rei dos Cromos. O ping-pong continuou de forma quase monossilábica. “Já me sairam dois ou três”, informou quem está a comprar. “A mim também já me saiu”, puxa dos galões quem vende. “Mas há clientes para isso, e não chegam”, devolveu o “dono” do quiosque. “Querem muito, é?”, voltou à carga o comprador antes de agradecer e fechar a conversa.

“Comecei a colecionar quando começou, em outubro”, recuou Paulo Rito, o novo Rei dos Cromos. Debruçou-se sobre a estratégia adotada. “Ao início, há sempre os packs promocionais, temos uma caderneta e muitas carteirinhas. Sai muito mais barato. Comprei logo umas 10 ou 15. E ficamos com muita base”, anotou.

Os filhos foram os pontas-de-lança nas escolas. “Eles ajudaram e iam trocando na escola”, notou. “Depois fui comprando no supermercado, uma caixa aqui, outra acolá, quando ia às compras”.

As contas finais de uma coleção

Tempo de ir às contas finais. “Fiquei com alguns repetidos, mas os miúdos despacharam os cromos para a troca na escola”, asseverou.

No bolo geral de gastos, depois de ter dito “não fazer ideia”, chegou a um número: “Seguramente mais de 100 euros, tranquilamente”, confidenciou.

Retém o pensamento sobre as saquetas de cromos comprados. “Não sei quantas comprei e não vou entrar por aí, se não entro em desespero”, sorriu. “Ao princípio, comprei às 20, eram dois euros e levei grande avanço, depois fui comprando aos poucos, não muito, mas ia gastando, ia ao supermercado e comprava umas carteirinhas”, assinalou, exaltando laivos de alegria até agora encobertos. “Estamos a dois dias, foi in extremis. Mas também é só de dois em dois anos”. Despediu-se e posou, orgulhoso, para a fotografia, colado ao nome que dá fama a este quiosque.