As notícias que chegam dos Estados Unidos apontam um mal-estar entre alguns responsáveis de equipas da NBA. Em causa está o «buyout» de jogadores como Blake Griffin, LaMarcus Aldridge e Andre Drummond, que saíram de equipas com poucas ou nenhumas ambições e reforçaram dois dos mais sérios candidatos ao título da NBA, os Brooklyn Nets e os Los Angeles Lakers.

De imediato, as redes sociais inundaram-se de comentários contra estas contratações, porque a liga norte-americana devia proibir as super-equipas, porque a competitividade da liga fica ameaçada, porque estes negócios colocam em causa o princípio de que a NBA dá oportunidades iguais a todas as equipas de ganhar títulos. E há mais "porques".


Ouça aqui o episódio desta semana do Bola ao Ar, podcast sobre NBA produzido pela MadreMedia e apresentado por João Dinis e Ricardo Brito Reis:


Vamos por partes.

Em primeiro lugar, é preciso perceber o que isto do «buyout». O «buyout» é um mecanismo que permite que uma equipa e um jogador cheguem a acordo para terminarem o contrato que os liga, muitas vezes de valores muito elevados, a meio de uma época. Isso implica que o jogador aceite não receber a totalidade do valor do contrato a que tinha direito.

Peguemos no exemplo de LaMarcus Aldridge, extremo/poste de 35 anos, que à entrada para esta sua 15.ª época já tinha somado, ao longo da carreira, quase 196 milhões de dólares em contratos com as duas equipas que representou na liga, os Portland Trail Blazers e os San Antonio Spurs. Aldridge negociou o «buyout» do seu contrato com os Spurs, que lhe pagariam 24 milhões de dólares esta época, tornou-se jogador livre («free agent») e assinou um contrato mínimo de veterano com os Brooklyn Nets, por "apenas" 878 mil dólares, até ao final da temporada.

O que ganham os Spurs? Poupam dinheiro, porque LaMarcus Aldridge abdicou de 7.25 milhões do total de 24 milhões de dólares para sair dos texanos, mas também abrem uma vaga no plantel para um jogador jovem que queiram desenvolver no imediato.

O que ganha Aldridge? Dá um novo rumo à carreira. O jogador torna-se «free agent» e pode assinar com qualquer uma das outras 29 equipas da NBA. Sendo livre, tem o poder de escolher o seu próximo destino.

O que ganham os Nets? Contratam um jogador que tinha um contrato de 24 milhões de dólares este ano por um valor irrisório.

Ilegal? Não só não é ilegal, como deixa satisfeitas as três partes envolvidas. Cada uma beneficia à sua maneira.

Qual é, então, a polémica? A questão surge quando não se trata de um jogador veterano e em fase descendente da carreira, mas sim um atleta no topo das suas capacidades. Podemos argumentar que LaMarcus Aldridge e Blake Griffin, que reforçaram os Nets nos últimos dias, estão muito longe da melhor fase das respetivas carreira. Há quem defenda inclusivamente que não serão uma adição que acrescente valor ou que responda às principais lacunas do conjunto orientado por Steve Nash. E Andre Drummond? O ex-poste dos Detroit Pistons e Cleveland Cavaliers tem apenas 27 anos. Os mais céticos duvidam da sua eficácia nas áreas próximas do cesto e da capacidade defensiva em situações táticas específicas, como o bloqueio direto, mas é indesmentível que é um dos melhores ressaltadores da liga nos anos mais recentes (liderou a NBA em ressaltos por jogo na temporada passada, de resto). Um jogador de 27 anos, num dos melhores momentos da carreira, a reforçar o atual campeão a meio da época? Injusto, dizem as outras equipas e milhões de adeptos por todo o mundo.

Recuemos um pouco no tempo. Os Detroit Pistons, antiga equipa de Drummond, ofereceram-lhe um contrato de cinco anos em 2016. O último ano desse contrato (2020/21) só era válido se o atleta acionasse uma cláusula («player option»). No entanto, em fevereiro de 2020, os Pistons trocaram o poste para os Cleveland Cavaliers como parte do processo de reconstrução da equipa de Detroit. Antes do arranque da presente época, Drummond acionou a tal «player option» para continuar em Cleveland até ao final de 2020/21. Foi uma justificação financeira - ninguém daria a Andre Drummond um contrato desse valor na «free agency» de 2020 - e uma aposta do próprio Drummond em si mesmo, acreditando que poderia convencer as equipas com espaço salarial no verão de 2021 a investir nele.

No entanto, o inesperado aconteceu quando o poste Jarrett Allen foi trocado para Cleveland, como parte do mega-negócio que levou James Harden para os Brooklyn Nets. Os Cavaliers receberam em Allen um poste mais novo do que Drummond e com características que encaixavam melhor nas outras peças do plantel. Drummond perdeu espaço e, com o prazo limite para trocas («trade deadline») a aproximar-se, os Cavaliers obrigaram-no a ficar de fora dos jogos da equipa, para evitar uma lesão que o desvalorizasse, enquanto os responsáveis do conjunto do Ohio tentavam encontrar uma equipa disponível para fazer uma troca que lhes desse algum retorno. Não chegaram propostas a Cleveland. É normal que outras equipas não quisessem abdicar de atletas jovens ou escolhas de draft para receberem um contrato sobrevalorizado. Esperar mais uns meses pela «free agency» e oferecer ao jogador um contrato em linha com o seu real valor de mercado é uma decisão financeiramente mais sensata.

E é aqui que os «buyouts» têm utilidade. As equipas que têm estes jogadores não querem pagar a totalidade do contrato a um jogador desmotivado e que não faz parte do rumo definido pela organização e, ao negociar o «buyout», abrem uma vaga no plantel para outro atleta. Por sua vez, um jogador que aceita abdicar de parte de um bom contrato e tornar-se «free agent» é porque quer melhorar a sua situação. Estando, na maioria das vezes, em ano final de contrato, melhorar a sua situação é colocar-se em posição de ser relevante numa equipa que esteja dentro da luta pelos «playoffs» e, se possível, num candidato ao título. Foi o que fizeram os Cavs e Drummond. E, mais tarde, estando livre e com várias ofertas em carteira, Drummond escolheu terminar esta época nos Lakers, que queriam reforçar a posição de poste.

Podemos apontar o dedo aos Cavaliers, que quiserem poupar algum dinheiro e abrir uma vaga no plantel? Podemos apontar o dedo a Andre Drummond, que foi sempre profissional na sua passagem por Cleveland e abdicou de parte do seu contrato para sair? E podemos apontar o dedo aos Lakers, que fizeram uma proposta a um «free agent», eventualmente pior do que as de outras equipas da liga? Não, não e não. Mas ver os ricos a ficarem mais ricos é um cenário que causa algum incómodo, sobretudo numa liga que defende a paridade? Claro que sim.

O CBA (Collective Bargaining Agreement) da liga norte-americana não faz qualquer referência a «buyouts». É algo que surgiu naturalmente ao longo dos anos. E historicamente, não há registos de jogadores contratados após «buyouts» que tenham tido uma influência decisiva num título. Markieff Morris teve um papel na rotação dos campeões Lakers da época passada, Boris Diaw foi um suplente de luxo no título dos Spurs em 2014, P.J. Brown marcou lançamentos que ajudaram os Celtics na caminhada para o anel de campeão de 2008. Tudo atletas contratados depois de negociarem um «buyout». Importantes, mas não decisivos.

De acordo com o jornalista Adrian Wojnarowski, da ESPN, um total de 39 jogadores negociaram «buyouts» nas últimas 15 temporadas. Vinte desses 39 atletas assinaram contratos com equipas no top-15 e os restantes 19 pelas outras quinze equipas. Este é o argumento da NBA para provar às trinta equipas da liga que não há motivos de preocupação ou favorecimento de grandes mercados. Quanto à falta de competitividade da liga, basta ver que oito equipas diferentes foram campeãs da NBA nessas mesmas 15 temporadas.

As equipas de mercados pequenos pedem uma reforma do mercado. Há propostas para ajustar o processo, para que as equipas que adicionam atletas vindos de «buyouts» com outras formações tenham que fazer cedências: dar uma ou mais escolhas de draft, limitar o número de jogadores contratados após «buyouts» por temporada, aumentar a «luxury tax» na medida do contrato anterior do atleta, ou mesmo fazer uma espécie de leilão pelo jogador livre. O atual CBA expira em 2024 e os «front offices» de equipas de mercados pequenos gostariam que, até lá, fossem debatidas alterações aos «buyouts», mas é pouco provável. A discussão ficará circunscrita, pelo menos para já, aos fóruns online e às redes sociais.